sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Lisboa à noite

“Agora nem a noite sai à noite”

Quando me perguntam se tenho saído à noite, eu ironizo: “Agora nem a noite sai à noite, prefere ficar em casa”. Talvez eu esteja a exagerar. Afinal, pertenço a grupo restrito de lisboetas que, por ritual sabático, faz noitada à sexta. Se o céu fosse perfeito, e o Bairro Alto tivesse um bar de vinhos decente, gostaria que as minhas noitadas terminassem em madrugadas. Uma vez que habito a zona da Feira da Ladra, juntava o útil ao agradável: chegar à Feira pelas sete da manhã de sábado, depois de uma directa de Touriga Nacional, é óptimo para fechar negócios de ocasião. Mas bastam umas horas de sono para a ocasião se perder e o ladrão se fazer. É um absurdo pensar que, ao sábado, todos os comerciantes da Feira da Ladra nos querem enganar com preços regateáveis, quando passámos uma noitada a ser enganados sem discussão com vodka martelado a seis euros a dose. Mas isto só vem confirmar uma realidade: à noite, ninguém está em condições de pensar. Isso aplica-se tanto aos clientes como aos comerciantes.

No Inverno, as noite são longas mas duram pouco. Pelas três da manhã, começo a aborrecer-me com os “amanda-garrafas” da Bica, e regresso a casa para evitar a tara perdida. Não é uma questão de resistência mas de motivação: para onde se vai depois de um bom jantar em Lisboa? No estrangeiro, vai-se para casa de amigos. Em Lisboa, não: os lisboetas deixaram de convidar. Tirando a noite de Sto António, em que invadimos as casas de banho do Zé dos Anzóis e da Chica dos Carapaus, hoje ninguém conhece a casa de ninguém. Não sei se a culpa é do Euribor ou dos jovens que vivem com os avós. Mas uma vez que o processo de transferência habitacional entre as gerações ainda não se concluiu, a maioria dos novos lisboetas continua a partilhar condomínio com famílias séniores. E para garantir a política de boa vizinhança, ninguém faz barulho lá em casa depois das dez. Por isso, quando o Dr. Carmona nos vem anunciar que a cidade deve ser habitada pela juventude, apetece-me logo pedir mais um carrascão. Afinal, acabei de saber que o bar Left, no Largo Vitorino Damásio, em Santos, foi mandado fechar pela Câmara Municipal. Motivo? Um vizinho queixou-se do barulho. Em Santos, a dois passos da 24 de Julho, onde se morre atropelado, alguém se queixou do barulho?

No sábado passado, o espaço do Maxime reabriu finalmente, depois de uns meses encerrado por razões semelhantes (má insonorização, má vizinhança). Consta que a festa de reabertura foi um sucesso. Eu cheguei tarde e não me deixaram entrar. Como o Maxime agora está obrigado a cumprir as ordens, ninguém entrou depois das 04h00. O problema é que aqueles que ficaram cá fora a protestar pelo facto do Maxime finalmente cumprir horários, foram também a principal razão por o Maxime, na primeira noite, poder não cumprir uma das mais elementares regras de insonorização: aquela que garante que ninguém fica na rua aos berros a tentar entrar num bar que ainda esteja aberto.

Miguel Somsen

In Metro

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