sábado, março 17, 2007

Reabilitar Lisboa


Um pouco de verdade, para variar

Desta vez, não foi a Câmara de Lisboa que meteu os pés pelas mãos. Foi o ministro do Ambiente e foram alguns (quase todos) os jornais. O ministro porque fez da informação propaganda, torcendo-a até parecer mentira: anunciou 1,5 milhões para apoiar a reabilitação, quando a verdade é que se trata de 200 milhões de financiamento não do Governo mas do BEI e quando a verdade é que os outros milhões, se os houver – do que muita gente duvida –, virão da iniciativa privada… Mais: foi anunciada essa verba gigante para a «Baixa», quando a verdade é que a questão é a reabilitação dos centros históricos de Lisboa e do Porto.
Tanta confusão!
De facto, dizem os jornais, aqui, aqui e aqui (só para exemplificar):
«Dotação de 1,5 mil milhões para reabilitação / Os investimentos previstos das sociedades de reabilitação urbana Porto Vivo e Lisboa Ocidental, relativos às zonas históricas do Porto e de Lisboa, ascendem a 1,5 mil milhões de euros até 2009».
Ou: «Habitação / 1,5 mil milhões para reabilitar centros históricos de Lisboa e Porto».
Ou ainda: «Lisboa e Porto com 1.500 M€ para reabilitar zonas históricas».
Mas o pior de todos os enganos é o que vem inserido na edição de 16 de Março do «Metro». O título é totalmente enganador e mente. Diz assim, numa das páginas dedicadas a «Lisboa»: «Governo anuncia 1,5 mil milhões para a Baixa». Duas mentiras numa linha: nem são 1,5 mil milhões mas sim apenas 200 milhões; nem são para a Baixa nem para Lisboa: são para os centros históricos de Lisboa e do Porto.
Já agora, diga-se: mesmo esses 200 milhões não são uma verba do «Governo» mas sim um financiamento do Banco Europeu de Investimento (BEI).
Mas os jornais têm na comunicação do ministro todos os elementos para colocarem a questão como devia ser colocada. O Governo promove a propaganda, mas os jornais vão atrás. Não se percebe porquê. Mas vão.

CML também mete os pés pelas mãos…

Mas, como não podia deixar de ser, a CML também meteu a sua confusãozinha ao barulho: «Fonte da CML disse que a autarquia vê com bons olhos qualquer investimento» (‘Metro, 16.3.2007, pág. 6) para reabilitar a Baixa. Friamente, percebem: não é nada connosco. Se querem investir, nós vemos com bons olhos. Primeira «gaffe». Segunda: a mesma fonte terá dito ao mesmo jornal (de distribuição gratuita, 180 mil exemplares) que «o projecto de recuperação da Baixa-Chiado “está a ser feito em parceria com o Governo”». Se foi assim dito, então numa só frase estão duas graves imprecisões e «quase-mentiras». A verdade é que, com o Governo, a CML vai, quando muito, formar uma empresa pública para tratar da zona ribeirinha (que é da total responsabilidade do Governo, mas que Nunes Correia, o ministro do Ambiente, conseguiu impingir em 40% à CML – que ainda nem sequer se pronunciou, mas cujo presidente já disse que «é um bom programa» (mais ou menos assim). Portanto, nada de recuperação da Baixa-Chiado (essa, aliás, está totalmente congelada). Mais – e mais grave – não está a ser feito nada «em parceria» com o Governo, como se deduz do que lhe contei: pela simples razão de que, para que a tal participação de 40% na empresa se tornar efectiva, é preciso deliberação prévia da CML e da AML.

Para quê?

Já agora, para que servirão os tais milhões? Leia o resumo feliz feito pelo ‘Correio da Manhã’: «Os objectivos prendem-se com a dinamização do mercado de arrendamento, o repovoamento e rejuvenescimento dos centros históricos das cidades.

Leia sobre um exemplo de reabilitação urbana aqui.

12 comentários:

André Bernardes disse...

«O ministro porque fez da informação propaganda, torcendo-a até parecer mentira: anunciou 1,5 milhões para apoiar a reabilitação, quando a verdade é que se trata de 200 milhões de financiamento não do Governo mas do BEI e quando a verdade é que os outros milhões, se os houver – do que muita gente duvida –, virão da iniciativa privada… »

uf(...)se o 'post' anterior referia o exemplo sueco, a propósito do civismo exemplar dos escandinavos (c/ uma das maiores taxas de suicídio), porque não começarmos a olhar para esta nossa outra característica nacional de, à mínima oportunidade, nos precipitarmos a criticar e a tudo querer deitar abaixo -por sinal, o mote deste blogue!!???

Mas, respondam-me, que culpa tem o ministro (ou a Lusa) que lhe deturpem as palavras (aliás, uma constante da nossa imprensa, principalmente aquela que não tem sequer dinheiro para pagar a jornalistas, ou que se fica por estagiários em rotação ; ) ou que prolifere o já aqui falado analfabetismo funcional (porque os 1,5M€ são até 2009, etc, etc

Para no final nos lamentarmos que, por ex.º, alguns edifícios da Rua do Alecrim, estão num estado medonho, ou que se continua a gastar as energias em estudos e discussões para nada...

E já agora, podemos alargar a 'teoria da conspiração' à civilizada Europa (da Miss Pearls ou) de um certo Durão (que ainda deve estar a respirar de alívio!), aqui documentada:

Bruxelas, 30 de Maio de 2006

Na presença de José Manuel Barroso, Presidente da Comissão Europeia, Danuta Hübner, Comissária responsável pelo pelouro da Política Regional, Philippe Maystadt, Presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI) e os responsáveis de várias outras instituições financeiras internacionais assinaram hoje, em Bruxelas, três novas iniciativas conjuntas a fim de promover o investimento, o crescimento e o emprego nas regiões da Europa:

1. A iniciativa JASPERS (Joint Assistance in Supporting Projects in European Regions/Assistência Conjunta à Realização de Projectos nas regiões da Europa) que ajudará as autoridades nacionais e regionais a conceber projectos de infra-estrutura ambiciosos.

2. A iniciativa JEREMIE (Joint European Resources for Micro to Medium Enterprises/Recursos Europeus Comuns para micro e pequenas e médias empresas) destinada a melhorar o acesso ao financiamento deste tipo de empresas.

3. A iniciativa JESSICA (Joint European Support for Sustainable Investment in City Areas/Apoio Europeu ao Investimento Sustentável nas Áreas Urbanas) que visa encontrar soluções para problemas de financiamento de projectos de ordenamento e desenvolvimento urbanos graças a uma combinação de subsídios e de empréstimos.


Fonte: Eu Press Room

José Carlos Mendes disse...

Honestamente, acho que vai alguma baralhação nessa cabeça, meu caro. Eu registei, com indignação civilizadíssima, que um ministro torça a informação e que a imprensa o tolere e amplie.

Ponto.

E mais: lamento se não percebe que não o tolerando, estaríamos a ser muito mais civilizados.

Assim, estamos ao nível da «comunicação» do Império Romano...

Anónimo disse...

CAro ANdré;
"e a tudo querer deitar abaixo -por sinal, o mote deste blogue!!???"

Eu só falo do que conheço e tenho apoiado aqui e noutros meios a instalação de radares, das multas serem passadas pela EMEL, e de outras medidas que me parecem correctas.
Não vim para este blog para deitar tudo abaixo. Não estará a generalizar um pouco?
Antes de criticar aqui alguns problemas já os "denunciei" às autoridades competentes. Assim nunca me poderão dizer que "não sabiam". Se não fazem nada, isso é outra coisa.

O exemplo da Suécia, é um bom exemplo.Why not? Tudo em Portugal tem que ser uma fatalidade? Estradas mal amanhadas, falta de responsabilização instituicional e pessoal?
Isabel

rui disse...

Também é considerada uma pecha nacional, mas mantenho que temos de ser indulgentes uns com os outros.
Por exemplo o primeiro parágrafo deste post deveria ser corrigido .
Onde está " anunciou 1,5 milhões para apoiar a reabilitação, quando a verdade é que se trata de 200 milhões", deveria estar, suponho eu, depois de ler todo o texto, "anunciou 1,5 MIL milhões para apoiar a reabilitação, quando a verdade é que se trata de 200 milhões". É um pormenor "insignificante" mas poupa uns momentos de perplexidade.

André Bernardes disse...

«acho que vai alguma baralhação nessa cabeça» sem dúvida, resta saber em qual ou quais!
este é mesmo o tipo de argumentação 'estalinista', que foge das questões...
porque se há coisa mais trivial, e quase verificável diáriamente, é a deturpação da informação, a começar pelos media, com os jornais a reproduzirem o que leram, de forma atravessada, os leitores apressados, etc, etc
e nada como lermos uma qualquer notícia, onde possamos ter tido um conhecimento directo, pessoal, por ex.º um qualquer evento, para nos apercebermos do grau dessas deturpações, como se geram equívocos - creio até que isso é o básico em jornalismo, apresentado como contra-exemplo ;)
nós próprios tendemos a cair nessas 'armadilhas': por ex.º, quando disse que esse é o mote do blogue, terei, talvez, trocado o efeito pela causa pois, afinal a expressão não vem de situações do género, drásticas, dignas de um qualquer terremoto ;)
também é verdade que as polémicas querem-se (tal como as comidas exóticas...diametralmente ao contrário do gosto da presidência da república) isto é, muito condimentadas, o mais apimentadas possíveis!
mas, tratando-se de uma leitura fiel, de 'laboratório', nada como irmos às fontes da fonte, para se poder ter uma leitura mais objectiva (depois queimem-se as bruxas! ;)

http://www.bei.europa.eu/news/press/press.asp?press=3262

http://www.maotdr.gov.pt/NR/rdonlyres/514DF476-E9E6-470C-9D7E-8FD7C8BAF2E7/6588/BEI_INH.pdf

rui disse...

Acho que neste blog se pratica a crítica independente e construtiva e por isso gosto de lê-lo, mas numa coisa concordo com o André. quando por um acaso qualquer conheço bem determinado facto e leio depois como é noticiado fico sempre estarrecido.
Uma forma elementar de distorção é evidente na reprodução de nomes portugueses na imprensa estrangeira. Melhorou muito nos últimos anos, mas houve épocas em que era impossível não deparar com erros grosseiros em cada palavra. O que me deixa sempre na dúvida quando leio referências a outros locais mais ou menos exóticos. Será assim mesmo que se escrevem?

André Bernardes disse...

(...) sendo bastante directo, posso-lhe garantir que a minha independência é total e que apenas me tento bater por posições construtivas, e, exactamente por isso, faz-me impressão esta desconfiança generalizada, essa propensão de séculos (queixas de um Camões!?) que nos leva a deitar por terra todos os esforços de quem tenta mudar um pouco este triste 'estado de coisas'! -será talvez a característica que gosto menos entre nós...quanto ao resto, a indisciplina, os gostos singulares, até acho piada, apesar de fazer as preocupações de muita boa gente ;)
Este episódio, mostra bem uma noção completamente ultrapassada, e que nos impede de mudar de vez, que é esta ideia do Estado, como qualquer coisa estranha, uma espécie de abstracção distante, que nos deveria tutelar e responder por todas as nossas própria obrigações, mas que, e reciprocamente (!?) nos anda a 'querer enganar'...a tentar 'vender gato por lebre'.

José Carlos Mendes disse...

Caro André B.,

1. É razoável que se chame estalinista a quem lhe aponta um erro de raciocínio? Não concordar consigo é ser estalinista. (Já agora: isso é que não sou, mas de certezinha, meu caro);

2. As polémicas, diz-se tb aí em cima, devem ser fortes. Tb acho. Mas têm é de ser polémica: dicotómicas, e tal...;

3. Não sei o k é k o A.B quer dizer com os esforços de quem quer mudar este estado de coisas. Se é para elogiar o ministro do Ambiente (logo esse!), estamos entendidos.

4. Já agora, explico o que digo no post: a) o texto do ministro (que espero V. conheça para poder afirmar o que afirma: eu conheço-o) é de pura propaganda descarada, enganosa e mentirosa - engana de propósito, dizendo que há 1,5 mil milhões, quando, de facto, há 200, que nem sequer saem do OE mas sim dos cofres do BEI... - e eu acuso-o disso mesmo: de ter torcido a verdade a seu favor, de ter feito propaganda à custa da informação (espero que o A. B. me entenda e me acompanhe nisto) ; b) acuso os jornalistas que fizeram a cobertura e nos trouxeram a notícia por terem sido pouco cr´ticos e por isso terem alinhado objectivamente na propaganda ministerial consciente ou (mais grave ainda)insconscientemente...

Só isso, meu caro. E já não é pouco. Se formos críticos, repito, somos mais civilizados...

André Bernardes disse...

caius JCM,
i) é razoável na medida que não quis argumentar sobre o assunto em si mesmo, mas sim procurando atingir-me, pela apreciação que fiz;

ii) também eu sou dos que apreciam a polémica tal como sabores fortes, desde que não levem a congestões ou ao comer pelo comer, à decadência do triclinium do banquete romano;

iii) esse ilustre e discreto membro do senado, que infelizmente não conheço pessoalmente, é tão somente o responsável por uma das maiores conquistas do império, com o alcance etimológico e civilizacional da palavra Polis!

iv) nos tempos que vêm, e com os municípios e o Estado falidos, mais do que tudo é preciso convencer o Senado de Roma a consignar as verbas necessárias para as grandes obras - e convencer os homens livres, a fazerem o que lhes compete, se também virem como seu o projecto que é para todos...

vi)nos tempos que correm, o importante é criar as condições para que a iniciativa privada faça aquilo que sabe fazer, mas para isso é necessário um clima de confiança, de menos intriga, de mais crítica construtiva...

PS: de facto, os números impressionam e prestam-se a omissões, mais do que confusões: se esse investimento viesse a ser concretizado na sua totalidade (mal seria se fosse da responsabilidade de nós todos, dos contribuintes) e para o prazo apresentado (isso das previsões a longo horizonte tem os seus riscos!), constituía tão somente: um valor equivalente ao da dívida da RTP; meio aeroporto da OTA; ou um terço do investimento agora anunciado (propaganda?) para a expansão da Auto-Europa!

André Bernardes disse...

ups, afinal falta o ponto v) que acrescento, antecipando a correcção da frase final (uma espécie de incredulidade ;) seria, isso sim, três vezes o (fabulástico!)investimento anunciado recentemente para a fábrica da península de Setúbal, que julgo ser de 500 M€...

André Bernardes disse...

Cuidado com ele! (das leitura de hoje no DN):
"Sá Fernandes defende fusão da EPUL com Gebalis e sociedades de reabilitação: (...)O documento, entregue a Carmona Rodrigues no passado dia 6 de Dezembro, defendia a fusão da EPUL com a Gebalis, as três Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU da Baixa Pombalina, Oriental e Ocidental) e a Imohífen numa só empresa.»

bolas! que a EPUL estava transformada numa fonte de benesses e regalias isso toda a gente sabia, mas não significa fazer de seis um ou ter que fechar a câmara, e a seguir o país, entregando a administração ao Bloco de Espanha, perdão Esquerda!?

André Bernardes disse...

Lido hoje, no DN (23.03.07):
Que fazer com elas?
«Como tantas vezes sucede em Portugal, as boas iniciativas sofrem deturpações e perversões que, com o tempo, desfiguram não só o modelo original, como os objectivos que se pretendia atingir. Lisboa, pela sua dimensão, foi disto exemplo claro.
Empresas sem objecto claro ou mesmo esvaziadas de sentido; empresas que apenas duplicaram os serviços, acrescentando confusão e incerteza ao munícipe e dificuldades acrescidas na decisão; empresas totalmente desviadas da sua missão, sem estratégia nem objectivos definidos; empresas para dar emprego a clientelas políticas que rapidamente atingiram custos insustentáveis de funcionamento, enfim, um panorama crítico, levantado aliás durante a campanha eleitoral das autárquicas em Lisboa.
Atenção! Para tratar com realismo esta questão é preciso retirar a componente ideológica esquerdista que vê em cada empresa uma ameaça e em cada serviço público um conforto, o da permanente concretização do pior de uma administração pública burocratizante e opressora. É que esta dicotomia, além de obsoleta, é injusta.»

Maria José Nogueira Pinto

...dixit ;)