sexta-feira, novembro 09, 2007

Um problema tipicamente português

Leonel Moura
Jornal de Negócios

De tantos males que afectam Portugal, há pelo menos um que não se pode desculpar com o preço do petróleo, os burocratas da Europa, a mão-de-obra chinesa ou qualquer outro factor externo. Trata-se de uma questão da nossa exclusiva responsabilidade e que só nós próprios podemos resolver.

Refiro a loucura que continua a afectar o comportamento lusitano ao volante e que dia após dia destrói vidas e fornece a matéria sinistra de que se faz grande parte dos telejornais.

Sobre o assunto já muito foi dito e redito. Nas mãos dos portugueses, o automóvel, que devia servir para nos levar confortavelmente de um lugar para outro, parece ter todos os fins menos esse. Nele se canalizam frustrações, raivas sociais e perversidades marialvas. Nele se revela um generalizado desprezo pelas regras mínimas da vida em comunidade. Usado para mostrar estatuto, poder e alguma forma de superioridade económica ou de adrenalina, o carro está entre nós mais perto de uma arma do que de um veículo de transporte. O hábito e uma espécie particular de corrupção cultural determinam que se ache natural acelerar, fazer manobras perigosas e insultar os outros condutores.

Anos a fio não se fez praticamente nada contra este flagelo. As milhentas campanhas de prevenção rodoviária, em que se gastaram e continuam a gastar rios de dinheiro na pretensão cândida de educar os indígenas, nunca dão qualquer resultado. O que não admira. As ideias são invariavelmente péssimas e o recurso a bonecada infantil e outras parvoíces é sistemático. Foi com Armando Vara, com a tolerância zero, que pela primeira vez se encarou a questão a sério. Mas o destino ingrato deste político conduziu a uma desvalorização da iniciativa e assim que ele deixou o Governo logo a tolerância voltou a ter expressão numérica. E continua. Ainda recentemente um juiz do Norte mandou para casa praticamente sem castigo um condutor de ambulância, apanhado com uma taxa de álcool superior à legal, com o argumento de que naquela região se bebe mais vinho do que nas outras. Para este juiz, este facto “atenuante” superou em muito o que deviam ter sido as agravantes de se tratar da condução de uma ambulância e ainda por cima em serviço de transporte de um doente.

Há que reconhecer contudo que nestes últimos anos o aumento do valor das multas, uma maior presença policial nas estradas e o uso de tecnologias têm demonstrado ser capaz de diminuir ligeiramente acidentes e valores estatísticos. Mas mesmo assim não basta. Os recentes desastres e atropelamentos são reveladores de que a chacina persiste.

Sou por convicção libertário e anti-autoritarismo. Do mesmo modo, não vejo a criminalização como solução para nenhum problema. Mas não posso deixar de considerar que em matéria de segurança rodoviária só temos duas vias: a educação e a repressão. A primeira é lenta, a segunda é rápida. E neste caso, porque se trata de salvar vidas, temos pressa, muita pressa.

É por isso que ao contrário de muitos que criticam o uso de radares, ainda para mais regulados para velocidades consideradas demasiado baixas, as legais diga-se de passagem, julgo que eles deviam ser ainda mais generalizados e se possível dissimulados e sem aviso. Hoje assiste-se a uma patética dança em que toda a gente trava à vista do radar, para logo de seguida voltar a acelerar com uma ainda maior raiva e tenacidade. Já para não falar do emergente mercado de esquemas para enganar o olho dos sensores e a profusão de sites na Internet sobre tão magna matéria. Valha-nos o facto de muitos deles serem um perfeito disparate e resultarem em merecida multa.

Mas mais decisivo do que as novas técnicas de detecção do excesso de velocidade seria a mudança de mentalidades da própria força policial. A permissividade mantém-se como atitude geral e enraizada. Exceptuando talvez o caso do estacionamento indevido nalgumas zonas de Lisboa, a má condução é ainda largamente desculpabilizada e sem consequências.

A título de exemplo e reportando-me a um caso recente sucedido no Terreiro do Paço, não se entende como é que uma condutora que atropela três peões numa passadeira e mata dois é simplesmente mandada para casa e até ao momento, passados vários dias, nem sequer foi interrogada pela Polícia.

Educação, campanhas de sensibilização e apelos ao civismo já mostraram não resolver o problema. Os portugueses continuam a matar-se estupidamente por esse país fora. As desculpas das más condições das estradas, da efectiva insânia da sinalética e outras por mais genuínas que sejam, não legitimam tantos acidentes, na sua grande maioria causados por excesso de velocidade, condução perigosa e álcool. Resta-nos portanto, mesmo a contragosto, a repressão. O que não significa necessariamente só mais e maiores multas. Condenações de serviço cívico, a cassação definitiva da carta e a apreensão do automóvel deviam tornar-se comuns para certas infracções. É preciso começar a retirar das nossas estradas aquelas pessoas que objectivamente demonstram não ter capacidade, cívica ou ética, para conduzir.

7 comentários:

Anónimo disse...

"O que não significa necessariamente só mais e maiores multas. Condenações de serviço cívico, a cassação definitiva da carta e a apreensão do automóvel deviam tornar-se comuns para certas infracções."...

Isso mesmo...estes problemas já não se resolvem com pantufas, mas sim com botas bem cardadas. Na Suécia o excesso de velocidade superior a 30 km/h é cartinha apreendida...imediatamente. Na ilha de Åland as multas são progressivas conforme os vencimentos do infractor. No passado verão um camarada foi apanhado a conduzir a 67 km/h, onde o limite máximo de velocidade era 30 km/h, multa...20 500 euros.

Mas como na "lógica" portuga as desgraças só acontecem aos outros,
ainda vamos ter muitos mortos e mutilados nas nossas ruas e estradas. E ainda há quem se queixe dos limites de velocidade..!???

JA

Manuel João Ramos disse...

A condutora que atropelou 3 pessoas no Terreiro do Paço não se lembrou ainda de avisar o seguro, para que as famílias das vítimas possam ser minimamente ressarcidas da tragédia.
Dir-se-á: está em estado de choque, e a ser seguida por psiquiatras.
Mas a sua família não poderia ter accionado o seguro? Claro que podia. Mas não o fez.
Quem se lembrou que as famílias das vítimas também precisavam de apoio?
O caso chocou muita gente. Mas, que eu saiba, só duas pessoas se deram ao trabalho de ir ao Barreiro e oferecer apoio financeiro, jurídico e psicológico às famílias das três mulheres atropeladas no Terreriro do Paço.
E não eram famliiares nem das vítimas nem da condutora atropelante.

Anónimo disse...

Pegando nas suas palavras: "muitos que criticam o uso de radares, ainda para mais regulados para velocidades consideradas demasiado baixas...."

O que é que se passa com o radar colocado em frente à RTP. Passei já por ali várias vezes e está deslidado. Deveria indicar os 50 Km por hora como máximo, mas nada.

Ali era sempre a aviar e a cobrar, ainda por cima é a descer...

Comigo é que não contam, vou sempre a 40, até dá para olhar pró lado. Aquela é a velocidade aconselhada quando o limite é os 50. Ir no limite é perigoso porque tenho que ir sempre a olhar pró conta quilómetros ou arrisco-me a ultrapassar os 50 e ser automaticamente multado. Assim também há algum risco: o de sofrer um embate traseiro, mas o douto legislador a isso me obriga.

Zé da Burra o Alentejano

Anónimo disse...

Manuel joão Ramos, deduzo que uma das três pessoas solidárias tenha sido o Senhor. Acho muito bem!

Anónimo disse...

Ao anónimo "JA"

Relativamente ao seu comentário que sugere o custo das multas de acordo co o rendimento dos condutores, eu acho bem. Porém, não me venha sugerir que seja a declaração de IRS a prova dos rendimentos. Essa é a mais injusta prova de rendimentos que conheço. Há muito boa gente com fartos rendimentos cujo IRS apresenta valores insignificantes. Também ficaria espantado se olhasse à declaração de IRS de muitos dos proprietários de certas "bombas" que circulam nas nossas estradas.

Tenho uma sugestão melhor: o valor da multa ser proporcional ao valor do automóvel, salvaguardando o caso de estar a ser conduzido pelo um condutor profissional desse veículo.

Zé da Burra o Alentejano

Anónimo disse...

Bem....na realidade, não sugeri nada. Apenas dei exemplos do que se faz por outras paragens. E talvez fosse bom sublinhar FAZ....pois é esse um dos factores que leva muitos a pensar duas vezes. E tem razão...esse problema do IRS, é a mesma história por todos os lados.

JA (anónimo Julio Amorim)

Português ao volante disse...

Discordo na análise que faz do Armando Vara e da extinta Fundação para a Prevenção Rooviária.

Essa Fundação não fez puto para a prevenção, e os méritos de Armando Vara são muito duvidosos nesse campo. Sim, os portugueses precisam de mais e melhores campanhas de sensibilização, porque é preciso ensiná-los a serem mais cívcos.

Como tal, desculpe, mas discordo da sua posta, embora concorde, claramente, tal como você, que não é com multas que lá vamos.

Português ao Volante
http://portuguesesaovolante.blogpsot.com