segunda-feira, junho 01, 2009

BIZANTINICES

Moeda bizantina com 15 séculos encontrada na zona de Belém

Por Ana Henriques

Descoberta única é mais um indício da vitalidade da Península Ibérica depois de os bárbaros terem substituído os romanos, defende arqueólogo.

É pouco apresentável a mais recente coqueluche das moedas antigas encontradas em território nacional. Pequena e carcomida, passaria despercebida em qualquer museu - a não ser que aos visitantes fosse chamada a atenção para o facto de o símbolo do euro estar inscrito numa das faces de uma moeda com 15 séculos de existência. Mas isto não foi coisa que tivesse saltado à vista dos arqueólogos que a resgataram ao anonimato, já lá vão três anos, ali para os lados da Torre de Belém. Ensacaram-na juntamente com os restantes vestígios da escavação - havia mais algumas moedas, todas romanas - e guardaram tudo, para análise posterior.À primeira, é difícil distinguir o perfil cunhado na chapa de bronze, nariz longo e cabeleira encaracolada enfeitada com uma coroa. Quanto às apagadíssimas inscrições, só mesmo uma imaginação fértil conseguiria chegar à conclusão de que aquelas letras desconexas querem dizer Justiniano, nome de um imperador romano do séc. VI que outros desenhos da época retratam com um bigodinho à Errol Flynn.O problema é que não era suposto Justiniano ter aparecido em Belém. Pelo menos, é isso que diz um especialista no período romano em Portugal, Carlos Fabião, que ficou estupefacto quando percebeu que a figura na moeda era nem mais nem menos que o homem que um dia fez imperatriz uma filha de um domador de ursos, rapariga de reputação duvidosa mas dotada de uma coragem superior à do marido. "É a primeira moeda desta época e deste tipo que aparece numa escavação em Portugal", declara o arqueólogo da Faculdade de Letras, que está a dirigir um projecto de investigação dos achados recolhidos nas imediações da Torre de Belém em 2006. E se a maioria do dinheiro encontrado nesta escavação data de uma altura em que o império romano do Ocidente ainda se estendia por estas bandas - até ao séc. V -, o mesmo não acontece com esta moeda. É que Justiniano só superintendeu ao império romano do Oriente, e já no século seguinte, altura em que, segundo teorias históricas consagradas, zonas como a Península Ibérica teriam regredido até um nível de desenvolvimento quase pré-histórico, após o colapso de Roma.Em Constantinopla (Istambul), sede do império oriental romano, Justiniano ainda havia de tentar inverter o curso da história. Mas se eram já os chamados bárbaros - povos vindos do Norte da Europa, como os visigodos - quem punha e dispunha nessa altura nesta zona do globo, fazendo regressar a economia às trocas directas, como explicar a presença da moeda bizantina em Belém, cunhada, segundo Carlos Fabião, na primeira oficina monetária de Constantinopla? Como viajou ela até aqui?De barco, por certo, diz o arqueólogo, que defende uma tese que, não sendo inédita, vai ao arrepio de muito do que tem sido escrito sobre a ocupação romana: que o ocidente da Península Ibérica manteve algum dinamismo mesmo após a dissolução política e administrativa de Roma, nomeadamente ao nível das importações e exportações. Disso serão também indício os fragmentos de ânforas orientais já do séc. VI igualmente encontrados debaixo da casa do governador da torre de Belém. Mesmo nos tempos bárbaros, houve modos de vida romanos que se mantiveram, sustenta o arqueólogo. E Olisipona, como então chamaram a Lisboa, continuou a figurar nas rotas que ligavam o Mediterrâneo à Holanda. Quanto ao símbolo inscrito na moeda, não é mais do que um E grego destinado a identificar o seu valor. Nada tem a ver com a União Europeia - por muito que os romanos se tenham espalhado por quase toda a Europa.

Fonte: Público.

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