terça-feira, setembro 21, 2010

O caso do portão lateral da Sé

Está quase a fazer um ano sobre o grave atentado ao património que ocorreu no portão lateral da Sé de Lisboa, por obra e graça não do divino Espírito Santo, mas dos senhores cónegos (graça) e de uma empresa de construção civil (obra). Motivo invocado: o portão estava preso de forma periclitante e como há que dar uso àquela entrada lateral da Sé em futuras celebrações de pompa, contratou-se uma rebarbadora eléctrica com ponta de diamante, como se de uma empreitada de vão de escada e do foro privado se tratasse.

O atentado foi presenciado por acaso por pessoas interessadas nesta coisa da defesa do património, e logo denunciado publicamente, anexando-se várias fotografias dando conta do corte da pedra antiga que suportava o ancião e maciço portão, e da sua substituição por “material de 2ª”. Tal foi denunciado às entidades que tutelam os Monumentos Nacionais, categoria que, só por si, devia obrigar a que sempre que haja que fazer obras na Sé, por mais simples e necessária que elas sejam, devem as mesmas ser previamente caucionadas pelo Ministério da Cultura, nas pessoas do IGESPAR, que é quem tem a seu cargo os M.N., e da Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo, por razões territoriais. Caucionada e acompanhada por técnicos especializados, para que sejam usadas técnicas e materiais apropriados. Como nada disso aconteceu, o acto haveria de ser imediatamente repreendido pelas instâncias agora alerta.

Mas, ao invés do que seria de esperar (em causa está a preservação da genuinidade da Sé) essa repreensão não haveria de ter efeito prático imediato diferente ao que teria um raspanete dado a meninos que se comportaram mal e a quem se avisa para que não voltarem a fazer das suas sob pena de não comerem guloseimas tão cedo. Foi então prometido pelo MC que a situação seria provisória e que o atentado à Sé seria corrigido mal houvesse oportunidade, engenho e verba para tal. Só que, passados quase 12 meses, ainda não o foi, o que é não menos grave.

Convenhamos: não estamos a falar dos viadutos para automóveis como o do sopé da Av. Infante Santo, o junto à estação de Alcântara-Mar ou aquele de frente a Pedrouços, feitos como “provisórios”, mas que, em bom rigor, já aí estão há dezenas de anos, e outras mais hão-de estar. Quem diz viadutos diz outra coisa qualquer, pois não faltam por aí exemplos de provisórios que viram definitivos. Mas a Sé é a Sé!

É óbvio que face ao estado deprimente do claustro e ao risco físico dos torreões da Sé, cuja recuperação exige milhões e “cheques obra” com fartura, uma acção correctiva ao portão lateral passará por secundária em termos mediáticos. Mas será sempre um acto pedagógico e um exemplo de boas práticas. E do “lado de cá” será tido como digno e de aplaudir. Aguardemos.



In Jornal de Notícias (16.09.2010)

1 comentário:

Julio Amorim disse...

"seria corrigido"

Como esta intervenção vai contra todos os princípios de conservação e restauro e, como pedras originais foram cortadas para que "o velho se adapta-se ao novo" e, como é fácil fazer omelete com ovos mas difícil o contrário.....

Vão "corrigir" como?