PUBLICO - 28.09.2007, Carlos Fiolhais
"O português gosta definitivamente de acelerar - só na estrada, porque no resto não acelera nada. Houve recentemente um grande coro de protestos porque os radares colocados em várias artérias da cidade de Lisboa estavam a registar demasiadas infracções. Em resultado, os limites de velocidade passaram nalguns sítios de 50 quilómetros por hora para 80 quilómetros por hora, um aumento de mais de 50 por cento. Tal mudança encorajará decerto algumas vozes que se têm levantado contra o limite de 120 quilómetros por hora nas auto--estradas nacionais.
A mensagem emitida vai no sentido errado. Em Portugal há desde há muito tempo um grave problema de sinistralidade rodoviária. Nas estatísticas de acidentes e de vítimas de acidentes estamos, na Europa, no grupo da frente.(...)
Mas o acelera tem razões que a razão desconhece. O português gosta definitivamente de acelerar (só na estrada, porque no resto não acelera nada, acelera até chegar ao trabalho para aí abrandar!). A fama dos automobilistas portugueses, apesar de ser proverbial em todo o mundo, continua a ser comprovada com espanto por todos os estrangeiros que nos visitam. O automobilista português considera, nas cidades, 50 quilómetros por hora a velocidade mínima e não máxima e, nas auto-estradas, 120 quilómetros por hora a velocidade mínima e não máxima. É proibido, mas pode-se fazer... Não admira, por isso, que os choques se sucedam. Admira, isso sim, que eles não sejam ainda mais numerosos. Já alguém disse que a rede de estradas nacionais é uma enorme pista de carrinhos de choque, com a diferença de que nas pistas das feiras se procura evitar o choque...
A acusação de "caça à multa" a quem pôs os radares a funcionar não passa de uma desculpa de mau pagador. Pela minha parte, acho muito bem que a multa seja "caçada". Uma sociedade civilizada - que é o que gostaríamos de ser - funciona impondo um conjunto de regras e essa imposição passa necessariamente por sanções a quem não as cumpra. Pode não se concordar com as regras e até tentar mudá-las exercendo pressões de vária ordem (foi, aparentemente, o que se passou em Lisboa). Mas, uma vez fixas as regras, a tolerância devia ser pequena. Aliás, com regras adequadas, a tolerância devia ser nula (em Portugal a "tolerância zero" nas estradas, o cumprimento normal da lei, foi apenas uma campanha temporária). As autoridades que façam a "caça à multa", pois estão para isso devidamente autorizadas. O que precisamos, além disso, é de fazer a "caça à culpa"...
E de quem é a culpa? Não é seguramente dos automóveis, que são cada vez mais seguros (só falta equipá-los com um dispositivo automático que impeça velocidades loucas). E também não é das estradas que estão cada vez melhores (com excepções, nomeadamente os troços em obras das auto-estradas, que são um autêntico perigo e que deviam dar direito a descontos nas portagens).(...) Muitos portugueses guiam como se acreditassem que, por milagre, as leis da física se pudessem suspender no último instante antes do choque.(...)
Ou, para dar uma imagem inspirada na lenda, têm o que se pode chamar "síndroma de D. Fuas Roupinho", isto é, acreditam que, tal como o cavalo de D. Fuas no sítio da Nazaré, os muitos cavalos do motor se podem subitamente empinar por cima do abismo. Mas os números de vítimas aí estão, como um banho de água fria, a confirmar que não há milagres! Professor universitário (tcarlos@teor.fis.uc.pt) "
"O português gosta definitivamente de acelerar - só na estrada, porque no resto não acelera nada. Houve recentemente um grande coro de protestos porque os radares colocados em várias artérias da cidade de Lisboa estavam a registar demasiadas infracções. Em resultado, os limites de velocidade passaram nalguns sítios de 50 quilómetros por hora para 80 quilómetros por hora, um aumento de mais de 50 por cento. Tal mudança encorajará decerto algumas vozes que se têm levantado contra o limite de 120 quilómetros por hora nas auto--estradas nacionais.
A mensagem emitida vai no sentido errado. Em Portugal há desde há muito tempo um grave problema de sinistralidade rodoviária. Nas estatísticas de acidentes e de vítimas de acidentes estamos, na Europa, no grupo da frente.(...)
Mas o acelera tem razões que a razão desconhece. O português gosta definitivamente de acelerar (só na estrada, porque no resto não acelera nada, acelera até chegar ao trabalho para aí abrandar!). A fama dos automobilistas portugueses, apesar de ser proverbial em todo o mundo, continua a ser comprovada com espanto por todos os estrangeiros que nos visitam. O automobilista português considera, nas cidades, 50 quilómetros por hora a velocidade mínima e não máxima e, nas auto-estradas, 120 quilómetros por hora a velocidade mínima e não máxima. É proibido, mas pode-se fazer... Não admira, por isso, que os choques se sucedam. Admira, isso sim, que eles não sejam ainda mais numerosos. Já alguém disse que a rede de estradas nacionais é uma enorme pista de carrinhos de choque, com a diferença de que nas pistas das feiras se procura evitar o choque...
A acusação de "caça à multa" a quem pôs os radares a funcionar não passa de uma desculpa de mau pagador. Pela minha parte, acho muito bem que a multa seja "caçada". Uma sociedade civilizada - que é o que gostaríamos de ser - funciona impondo um conjunto de regras e essa imposição passa necessariamente por sanções a quem não as cumpra. Pode não se concordar com as regras e até tentar mudá-las exercendo pressões de vária ordem (foi, aparentemente, o que se passou em Lisboa). Mas, uma vez fixas as regras, a tolerância devia ser pequena. Aliás, com regras adequadas, a tolerância devia ser nula (em Portugal a "tolerância zero" nas estradas, o cumprimento normal da lei, foi apenas uma campanha temporária). As autoridades que façam a "caça à multa", pois estão para isso devidamente autorizadas. O que precisamos, além disso, é de fazer a "caça à culpa"...
E de quem é a culpa? Não é seguramente dos automóveis, que são cada vez mais seguros (só falta equipá-los com um dispositivo automático que impeça velocidades loucas). E também não é das estradas que estão cada vez melhores (com excepções, nomeadamente os troços em obras das auto-estradas, que são um autêntico perigo e que deviam dar direito a descontos nas portagens).(...) Muitos portugueses guiam como se acreditassem que, por milagre, as leis da física se pudessem suspender no último instante antes do choque.(...)
Ou, para dar uma imagem inspirada na lenda, têm o que se pode chamar "síndroma de D. Fuas Roupinho", isto é, acreditam que, tal como o cavalo de D. Fuas no sítio da Nazaré, os muitos cavalos do motor se podem subitamente empinar por cima do abismo. Mas os números de vítimas aí estão, como um banho de água fria, a confirmar que não há milagres! Professor universitário (tcarlos@teor.fis.uc.pt) "
(TEXTO INTEGRAL no blog De Rerum Natura )
(ISABEL G)
Ou como disse Glenn Strömberg (antigo jogador do Benfica) em entrevista à televisão sueca:
ResponderEliminar"Os portugueses são extremamente amáveis....até se sentarem ao volante"
JA
Mais um excelente texto de Carlos Fiolhais!
ResponderEliminarNão posso contudo deixar de notar que bateu numa tecla onde os opositores dos radares e/ou os aceleras costumam bater: que os automóveis estão mais seguros. Quando virá o dia que nos lembraremos que grande parte das vítimas são peões?!! De que servem airbags, barras laterais, etc.. aos peões?
Existe, ou devia existir, outra razão para os limites nas auto-estradas: baixa o consumo e induz os produtores e clientes de automoveis a redirecionar-se para uma gama mais leve, um dos factores do consumo.
ResponderEliminarAfrancezado.
Bem, bem, o sr. Fiolhais decerto não se apercebeu que há, nas cidades, vias que supostamente são para que nelas se circule sem ser a marcar-passo, enquanto que há outras em que isso devia ser de facto obrigatório. Actualmente, assiste-se a que se circule a 50 km/h em vias onde não se vislumbra mal nenhum em se poder circular mais depressa enquanto em outras vias, onde não há radares nem são vias de escoamento de trânsito, os 50 km/h são excedidos por muitos e nada acontece.
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