quinta-feira, agosto 19, 2010

Tropecei de novo e na mesma pedra

De tempos a tempos lá vem a discussão do costume sobre se a calçada portuguesa, ou melhor, sobre se o mau estado geral em que ela se encontra (salvo raras excepções), fruto de empreitadas mal feitas e da estrutural falta de calceteiros “comme il faut”; justifica ou não a sua extinção, pura e simples, deixando-a exclusiva às chamadas zonas históricas (vá-se lá saber onde estas começam e acabam…).

De facto, chegou-se a um estado tal que mesmo eu, ferrenho adepto da calçada portuguesa como “ex-libris” desta cidade (e não só) e potenciador fundamental da luminosidade que caracteriza Lisboa, mau grado o estado por vezes deplorável do seu espaço público e das fachadas que emolduram as suas artérias; mesmo eu, dizia, hesito sobre se não será melhor correr a betuminoso cinzento tudo quanto seja passeio.

Talvez assim acabassem os buracos na calçada, os desenhos mal executados, as pedras coladas com “cuspo”, outras, tantas, tantas, colocadas como armadilhas aguçadas (um ex. já clássico é o dos passeios na Avenida de Roma, sobre a linha do comboio, rematando infeliz, para não dizer péssimo, projecto de arranjo à superfície levado a cabo pela REFER há uns anos e que, volta e meia, é responsável por quedas aparatosas de novos e velhos, magros e gordos, com consequências quiçá gravíssimas!); as pedras soltas por causa dos carros nela estacionados ou dos pilaretes arrancados; etc., etc.

Nessa altura até as famigeradas pastilhas elásticas cuspidas para a calçada deixariam de destoar pois o pavimento seria cinzento como elas. Acabariam, ou pelo menos seriam reduzidos drasticamente, os saltos altos das senhoras que diariamente são destruídos pela calçada desdentada. Também as quedas e fracturas provocadas pela calçada polida e altamente escorregadia, veriam a sua estatística cair a pique. Os deficientes motores teriam, sem sombra de dúvida, a sua vida facilitada. Enfim, seria uma Lisboa mais cinzenta mas mais amiga do peão. Talvez sim, talvez não, logo se veria. Mas se dependesse de mim haveria certamente duas coisas que não desistiria de tentar e que, caso provassem, permitiriam a reconciliação do lisboeta com a calçada portuguesa:

Primeiro, dignificar a profissão de calceteiro, pois é aí que o problema, investindo a nível do recrutamento, da formação e da carreira profissional. Segundo, fiscalizar permanentemente as empreitadas levadas a cabo pela própria CML e, sobretudo, pelas empresas que de uma forma ou outra acabam por esventrar a calçada, repondo-a de forma ignóbil, sejam aquelas que lidam com as infra-estruturas da cidade (luz, gás, água … cabos disto e daquilo), sejam as quase impensáveis como o Metropolitano de Lisboa, quando procede a “arranjos de superfície”. A calçada portuguesa merece uma segunda oportunidade, ou não?




In Jornal de Notícias (19/8/2010)

4 comentários:

Anónimo disse...

Dignificar a profissão de calceteiro, nos dias de hoje, parece-me tarefa completamente inviável. Tirando uma ou outra excepção, quem no seu juízo quererá uma profissão assim? Só mesmo imigrantes sem outras possibilidades e sem habilitações...

A propósito, no passado fim-de-semana voltei ao Parque das Nações com uns familiares que vivem no estrangeiro e constatei que a calçada, por lá, está cheia de altos e baixos e pedras mesmo a jeito para uma pessoa nelas tropeçar. Uma vergonha.

Anónimo disse...

Caro Paulo Ferrenho,

Não sabe o que eu me identifico consigo!?
Só não concordo é com o seu dilema que, confesso, também já mo pus muitas vezes - que é o nivelamento por baixo, e que me parece não dever ser equacionado, sob pena de rapidamente cairmos na mediocridade!
Não, não quero a poluição de pilaretes porque a emel não faz o seu trabalho - quero uma emel (e, já agora, condutores mais civilizados!) a trabalhar bem - é isso que tenho que exigir.
Por isso, não, não quero os passeios horrivelmente asfaltados, por causa da incúria da Câmara - pois, em última análise, é ela a responsável, nem que seja por não chamar à responsabilidade as várias entidades que esburacam a Lisboa (aproveitando a oportunidade para fazer uma menção honrosa à EPAL, pelo belo serviço efectuado à volta da Av. de Roma!!).
É um princípio ao qual não devemos ceder - nunca! É uma questão civilizacional. E o que me leva a escrever este, já extenso, comentário, é que vejo pessoas responsáveis, com valor, e interessadas, a começar a capitular (começou com o Carlos Medina Ribeiro a defender um pilarete por cada m2 de passeio!).

Agradecendo a sua acção cívica

pedro

Anónimo disse...

E pode a calçada portuguesa, requerendo manifestamente - todos estaremos de acordo, suponho - mão de obra intensiva para a sua manutenção (com ou sem estacionamento selvagem), ser compatível com a "intensidade de vida", chamemos-lhe assim, para não se ser rude, que tem Lisboa? Compatível sem custos que ninguém poderá suportar e perante um povo que será muita coisa, mas civilizado, amante da boa conservação e higiene do que é público, definitivamente não é (nem parece que seja a algumas gerações de distância)?

E as cidades betumizadas nos seus passeios serão expoentes de aculturação, de incivilidade?

Costa

Julio Amorim disse...

Se vamos também abdicar do melhor que temos....o último que apague a luz!?

É cara ? ..sim!
Funciona quando bem executada ? ..sim!
Há muita gente desempregada ? ..sim!

http://cidadanialx.blogspot.com/2010/08/calcada-portuguesa.html

Há passeios....e passeios. E cada um que decida o expoente desta coisa...

http://cidadanialx.blogspot.com/2010/08/fiquem-atentos.html