Sei que não se trata de nenhuma causa fracturante, não proporciona discussões acaloradas, nem petições, nem indignações públicas, nem controvérsia. Provavelmente pode criar algum desconforto ou mesmo, vá lá, alguma pena para uns e compaixão para outros. São os nossos velhos, os que não vemos porque fechados em suas casas, isolados na sua solidão, indesejados porque inúteis, ignorados porque dependentes, pobres porque sem dinheiro.
Hoje lembram-se deles. Hoje dão-lhes rancho melhorado, um bailarico para quem se pode mexer e vai uma apostinha, hão-de receber a visita de políticos. Amanhã voltam a estar esquecidos, abandonados pelas famílias, pelo Estado e por todos nós. Sempre acreditei que o carácter de um indíviduo e a consistência de um Estado também se mede pela forma como tratam os seus velhos. Talvez por isso não me orgulho do que vejo.
"Hoje, Dia Mundial da Terceira Idade, 65 portugueses com idades a partir dos 65 anos, na sua esmagadora maioria reformados (aqui referidos com as profissões que exerceram), dão conta do que gostariam de ver acontecer nas suas vidas. Uns mais do que outros, são todos idosos. O mundo é cada vez mais deles. E, se eles mandassem, o mundo que os rodeia seria assim:
3. "Multas - e pesadinhas - para quem deixa os cães sujar os passeios" Amoroso Ferreira, 78 anos, trabalhador portuário
5. "Eu gostaria que houvesse um espaço reservado, com um tracejado, à entrada do centro de dia, para a nossa carrinha poder estacionar e os outros carros não" Lurdes Santos, 74 anos, costureira
8. "Era bom que não pagássemos alguns medicamentos, pelo menos os da diabetes. Metade do ordenado do meu marido vai para medicamentos para os dois" Martinha Brito, 73 anos, doméstica
10. "Gostava de ver a cidade mais limpa, pelo menos no meu bairro. É só lixo, passeios com buracos, folhas no chão... Quando chove e passa um carro, molhamo-nos todos" Júlia Maria Cândida, 77 anos, empregada doméstica
11. "O que faz falta é um lar para a terceira idade. Moro sozinha. Quando estiver doente, não tenho quem trate de mim" Isaltina Félix, 77 anos, empregada de biblioteca
17. "Mudaria a educação das crianças e dos jovens no sentido de nos transportes e lugares públicos darem o seu lugar; numa porta, ou passagem estreita, deixarem a outra pessoa passar primeiro" Maria da Conceição Affonceca, 72 anos, tradutora
18. "Moro num quatro andar. O prédio não tem elevador. Vou pelas escadas e nem corrimão para me agarrar tenho" Palmira de Carvalho, 83 anos, mulher-a-dias
21. "Eu já não espero grande coisa, mas ainda queria ver a estrada para a minha terra arranjada. Como está, nem passam dois carros ao mesmo tempo" Fernando Moura, 67 anos, agricultor
22. "Os autocarros deviam ter um acesso para os deficientes, porque às vezes há uma grande dificuldade em entrar" Maria Helena Salvador, 85 anos, ex-bilheteira da CP
24. "Precisava de ter uma pessoa que me limpasse a casa, desse cera, tratasse da roupa e a quem eu não pagasse nada ou pagasse muito pouco. É que já não posso fazer essas coisas..." Albertina Segundo, 86 anos, dona de casa
28. "Adoro a minha casa, está é quase toda a cair. A senhoria quer vender o prédio, mas ninguém lhe pega. Queria ao menos que me deixassem lá estar até morrer" Maria da Piedade, 84 anos, operária da indústria de lanifícios
29. "Ter divertimentos, para sairmos de manhã e só voltarmos para casa à tardinha. Não temos distracção nenhuma" Maria Alice Firmino, 84 anos, costureira
30. "Gostava de recuperar a vista para fazer tudo aquilo que fazia. Não havia nada que eu não fosse capaz de resolver. Ler e escrever faz-me muita falta, também" Augusto de Alcobia, 85 anos, funcionário da Carris
31. "Começava por acabar com o isolamento de quem não tem um carrito. Temos de nos sujeitar ao autocarro e à nossa terra ele só vai uma vez por semana. Se precisarmos de vir à cidade [Bragança], temos de recorrer ao carro de praça" Maria Rodrigues, 66 anos, doméstica
33. "Uma pessoa que me fizesse companhia, porque eu sou sozinha dia e noite" Idalina M, 86 anos, cabeleireira
35. "Há muito velhinho que não tem ninguém. Gostava que houvesse uma quota que pudessem pagar todos os meses para um dia, se precisassem, terem a ajuda dessa quota [para pagar a quem cuidasse deles]" Emília de Oliveira Fernandes, 78 anos, dona de casa
37. "Quando tenho de ir a algum lado, tenho de chamar o meu sobrinho. Devia haver transportes reservados aos mais velhos" Deolinda Gomes Lopes, 84 anos, mulher-a-dias
38. "Receber uma melhor reforma que os 14 contos que recebo" Almerinda Cordeiro, 69 anos, camponesa
41. "Gostava que me arranjassem a rua, que está indecente. Até aqueles que andam bem têm medo de cair, quanto mais eu" Dinah Baptista, 92 anos, doméstica
43. "Há poucos lugares de lazer e de encontro para os idosos, as pessoas acabam por se isolar e a solidão é terrível. Depois não posso admitir que os mais velhos sejam deslocados das aldeias onde sempre viveram para a cidade; os filhos vão trabalhar e eles acabam por ficar sozinhos. Devia haver uma boa rede de apoio para acompanhar essas pessoas nas suas casas" Julieta Régua, 65 anos, professora primária
44. "Punha na linha alguns funcionários públicos que são pequenos ditadores: tratam da vida deles, maquilham-se, saem para o café ou para fumar o cigarro e os utentes dos serviços ficam à espera" Leonel G, 73 anos, militar
45. "Queria que arranjassem a minha escada. Os carros estão em cima do passeio, a carroça do lixo tem de passar e dá cabo da escada. Está toda escavacada" Rita Vieira Caridade, 92 anos, empregada numa papelaria
46. "Alguém que fizesse as compras ou pudesse ajudar os mais velhos a fazer as compras. Gratuitamente ou mesmo pagando. Isso era fantástico, porque os sacos são uma coisa muito pesada" Maria da Conceição Moita, 70 anos, professora
47. "A cidade devia ter mais casas de banho públicas. Já houve, mas fecharam" José Pedro Valente, 77 anos, fiel de armazém
48. "Há idosos que não saem de casa, nem de cadeira de rodas, porque não há uma rampa no bairro" Etelvina Sampainho, 81 anos, empregada comercial
49. "Companhia. Era isso que eu desejava: não sobrecarregar os filhos e saber que estava acompanhada" Maria Rosa Silva, 78 anos, mulher-a-dias
50. "O meu posto médico é num descampado e a paragem do autocarro fica longe. Quando está calor ou chuva, é um martírio lá chegar" -Etelvina Silva, 71 anos, costureira
53. "Mais arranjo nas ruas e não andarem aí tantos animais abandonados. Até para ser cão tem de se ter sorte" , Maria de Lurdes Rodrigues, 78 anos, operária fabril
56. "O meu desejo era conseguir ainda uma casa nova. Os quartos e a casa de banho são no primeiro andar e tenho muito medo de cair", Isabel Maria Lopes, 76 anos, ajudante de lar e centro de dia
57. "Nas cidades as pessoas estão muito afastadas umas das outras. Gostava que os vizinhos e as famílias fossem mais unidos e ajudassem mais os mais velhos" , Olinda Marçal Silva, 72 anos, dona de casa
60. "Que cuidassem mais das pessoas de idade. A atravessar a rua, numas escadas, a entrar num transporte - ninguém ajuda, ninguém dá uma mãozinha" , Leonor Serafim, 79 anos-costureira de calças
61. "Se pudesse, trocava o quinto andar onde moro por um rés-do-chão. Custa-me muito subir e não posso levar pesos" -Emília da Conceição, 85 anos, mulher-a-dias
65. "Uma pessoa que me desse apoio em casa. Sou viúvo há 17 anos. Já viu o que é não ter ninguém que diga assim: deixa lá ver se esta alma está morta... ou se precisa de uma camisa lavada?" - Abílio Augusto Moiço, 86 anos, trabalhador do tráfego de Lisboa "
ARTIGO "65" 28.10.2007, Bárbara Simões -JORNAL PÚBLICO
(Isabel G)