quarta-feira, setembro 11, 2019

Só agora, após leitura atenta venho, novamente e com mais empenho recomendar e saudar o Joaquim Jorge e desejar-lhe pronta recuperação e novas publicações:

Ferrel Através dos Tempos, por Joaquim da Silva Jorge
Nota de leitura

Não posso dizer que tenha sido uma surpresa completa. Este livro monografia de Ferrel é uma obra impressionante, do Joaquim Jorge que nele mostra um conhecimento, resultado de experiência e investigação absolutamente espantoso, da sua terra e das suas gentes.
É um trabalho de grande fôlego que abarca diversas áreas, a história, e o livro começa logo por contar a origem próxima (que a ocupação destas terras é pré-histórica, como ele também refere) não escamoteando a diversidade do seu povoamento que dá motivo aos despiques locais.
É ainda no capítulo da história que um tema que aparece em diversos momentos desta obra nos vai aparecer com grande relevo, em 22 páginas temos a Ameaça Nuclear, onde temos este elemento fundamental e ouso dizer quase fundacional para a afirmação dos ferrelejos, que mergulham a sua épica em muitos outros momentos mas nesta gesta se afirmaram particularmente. “Somos todos moradores de Ferrel” ressoou pelo país, como ele nos recorda nestas páginas onde aparecem os nossos estimados Afonso Cautela (que chegou a dormir em casa do Joaquim!) e  Delgado Domingues. A Gazeta das Caldas, o nosso papel nesta luta, e do nosso director são também especialmente mencionados (Obrigado, sentido).
Já no capítulo sobre o desenvolvimento de Ferrel descobrimos um etnógrafo a falar-nos do processo de fabricação artesanal de adubos (que deveriam ser recuperados) e de vários procedimentos agrícolas, e lá temos o Moinho Velho e outra vez as nossas lutas.
Joaquim Jorge é um homem de fé e o capítulo sobre Religiosidade o dá conta, mas não esquece as ligações da lógica institucional com a religiosidade popular e a festa, num registo muito compreensivo.
Depois fala-nos de Ursos, Macacos e Leões, mas atenção são mamíferos mas não os que podemos pensar, são a forma como os ferrelejos se designam consoante as zonas de ocupação da terra, seguindo-se a estas descrições uma pintura sócio-antropológica da hoje vila, dos bailes, e a sua ligação religiosa, passando pelas superstições e crendices e não faltando, como podiam?, as famosas bruxas de Ferrel e as suas profecias que nos são efabuladas pelo mestre Mariano Calado aqui justamente homenageado.
Neste capítulo não posso deixar de referir com deleite os Burros de Ferrel, hoje revitalizados no presente da Freguesia, e parte importante desta história e também dos almocreves e da sua relação com a existência deste território. Noutro capítulo espesso passamos por diversas profissões essenciais à vida de qualquer povo, com referências minuciosas aos seus percursos que devem constituir património histórico e documental desta Capital Anti-Nuclear, Ferrel.
Nesta parte tenho que mencionar que há uma entrada que é universitária, no melhor sentido do seu significado. Uma escrita envolvente, uma descrição meticulosa, tão meticulosa que parece que estamos lá, uma elaboração pormenorizada de todos os passos deste processo, e quase que lhe sentimos o sabor e entramos nesse enquadramento.Há muito que não lia um texto tão completo sobre a criação e matança do porco.  De ficar, ainda estou, com água na boca.
Não devo esquecer outra entrada sobre Moinhos e Azenhas conhecedora e mais uma para arquivo histórico.
No último capítulo voltamos à “nossa central” ao Moinho Velho, onde hoje vemos uma alternativa clara afirmar-se, seja nas dinâmicas dos cultivos seja na energia das ondas, dos ventos e do sol, de que estas terras beneficiam. E também gostei do detalhe das descrições da terra de baleias, do istmo peninsular do Baleal, o tômbolo. O Baleal é outro dos locais mágicos desta terra que Joaquim Jorge, com amor, investigação, experiência e vivências nos descreve, regista e deixa em memória para futuro. Hoje no presente, estas 388 páginas que temos na mão são uma semente.
Deste livro aqui deixo só alguns apontamentos que tive por mais significativos, outros muitos outros estão presentes nesta macro-visão deste povo.
Em Ferrel, a ecologia política tem um momento alto, e agora, através dos tempos temos, do bruxo Joaquim Jorge, um farol fantástico, este livro só é surpresa para quem não o conhece.
António Eloy

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