quinta-feira, abril 07, 2011

Classificar o quê, porquê e quando

Não tenhamos dúvidas: a aprovação pela CML da classificação de cinco Imóveis como de Interesse Municipal é uma boa notícia. Peca apenas por tardia, no que toca aos edifícios em apreço (os processos foram iniciados por despacho de 2007!), e escassa, no que toca a tantas dezenas de outros de igual valor e das mesmas épocas (quando não do mesmo autor), que deviam já estar classificados, ou em vias disso, e não estão, nem se prevê que venham a estar. É uma boa notícia mas podia ser bem melhor.

Todos os edifícios agora classificados merecem sê-lo. Os antigos armazéns da “Abel Pereira da Fonseca”, no Poço do Bispo, da autoria de Norte Júnior; os prédios gizados pelo Arq. Nogueira Jr., no gaveto da Rua Tomás Ribeiro com a Av. Luís Bívar (Prémio Valmor em 1916), e na Tv. do Combro (“Casa dos Açores”); o fabuloso edifício de Cassiano no troço sul da Defensores de Chaves; o edifício dos primórdios da construção em ferro (1907), construído para albergar a Casa do Povo d’ Alcântara, ali junto à antiga rotunda homónima, ainda que sobejamente alterado ao longo dos anos, a nível de interiores e fachada. Só que ninguém chega a perceber o verdadeiro critério da coisa…

Será que tão importante quanto os critérios oficiais - “o génio do respectivo criador”, “o valor estético, técnico ou material intrínseco do bem”, “a concepção arquitectónica”, “a extensão do bem e o que nela se reflecte do ponto de vista da memória colectiva” (vide propostas que suportam as cinco classificações) – são os “outros”, i..e., o facto de todos eles estarem com inquilinos, em bom estado de conservação, e não se vislumbrarem operações urbanísticas ameaçadoras a médio prazo?

Dito de outro modo: será que nos outros casos a CML se amedronta, perde pró-actividade e enterra a cabeça na areia, porque esses edifícios estão devolutos e degradados por força de vandalismos pró-activos, perdem elementos decorativos, telhas, janelas e ardem “espontaneamente”? Quantos desses edifícios são propriedade do punhado de sociedades imobiliárias que vão dividindo entre si o apetecível território de Lisboa feito de prédios de finais de XIX, princípios de XX, com 4-5 andares com várias divisões, pé-direito alto, estuques e acabamentos em madeira exótica e, com sorte, logradouros prontos a esventrar?

Só assim se entende que ainda não estejam já classificados, por ex., o palacete do Saldanha com a Av. República, o prédio de gaveto entre a Elias Garcia e a Av. República (Arq. Norte Júnior) … e que não fossem atempadamente classificados a moradia esotérica da Rua de Alcolena (Restelo), o edifício de cúpula gigante abobadada da 5 de Outubro, o magnificamente afrancesado do Cp. Grande (176-184), e todos os fabulosos edifícios ainda de pé na Av. Dq. Loulé e na R. Rosa Araújo.




In Jornal de Notícias (7/4/2011)

1 comentário:

Julio Amorim disse...

Para o diagnóstico basta o palacete do Saldanha....a doença é mesmo gravíssima.