sexta-feira, setembro 06, 2013

Os Loteamentos dos ex-Hospitais Civis de Lisboa


Há muito que se adivinhava a intenção, mas desta à prática ainda demorou um punhado de anos e outro tanto de esperança de que tudo fosse mentira. Anos que mediaram o tempo presente e o Ministério da Saúde do XVII Governo Constitucional (2005/2008), que por protocolo (escrutinado?) noutro triunvirato que não o de agora acordou dar corpo à alteração profunda a médio prazo dos usos, volumetrias e utentes dos antigos Hospitais Civis de Lisboa, começando pela chamada ‘Colina da Saúde’ (São José, Desterro, São Lázaro, Capuchos, Santa Marta e Miguel Bombarda). Na mira, evidentemente, de uns quantos negócios de construção civil e no rescaldo do tal novel Hospital de Todos-os-Santos; remédio providencial para todos os males dos hospitais hoje decrépitos (dizem) ou sob gestão caótica (idem), como se não soubéssemos da imensa falácia que tal argumento encerra do ponto de vista da qualidade do serviço prestado e a prestar (especialidades, número de camas, etc.), em termos de acessibilidades e, obviamente, para a Cidade. Foi um ápice.

Rapidamente, Estado (Governo), ESTAMO (empresa pública) e CML, i.e., Estado, formalizaram o ‘objectivo estratégico’ de desmantelamento dos hospitais da colina histórica, primeiro, Curry Cabral, Alfredo da Costa e Estefânia, depois. O Estado cedeu (por venda) à ESTAMO quase todos e quase todos passaram a pagar renda (‘compensação’) à ESTAMO, chama-se a isto: engenharia financeira. A partir daí o mote é deitar abaixo o mais que se possa para se construir o mais possível e vender ainda mais. O PDM ajuda à festa e os loteamentos viram ‘apólice’. Que se danem as volumetrias baixas e razoáveis, os solos permeáveis, o património edificado e protegido por ‘letra morta’. Que se danem as centenas de anos de História Hospitalar e de Cuidados de Saúde que a transformação radical daqueles hospitais irá implicar, mais apelo menos apelo; calado este, silenciado aqueloutro. Que se dane se ali pulsava Cidade.

Há casos escandalosos neste faz-de-conta geral, uns mais (Alfredo da Costa, Curry Cabral) do que outros (Estefânia, Santa Marta), mas o que querem fazer do antigo Hospital Miguel Bombarda, ignorando a memória e o local, raia a loucura: construírem-se 6 torres de 8-10 pisos acima do solo e mais 3 abaixo, dando como argumento que assim o morro de Rilhafoles será a San Gimignano alfacinha, um ‘miradouro habitado’ (arquitecto dixit) é de bradar aos céus e invocar a fúria divina e o internamento compulsivo e irrevogável no Panóptico. Não há ninguém que pare esta pouca vergonha?


In AtuaLis (6.9.2013)

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