quinta-feira, abril 22, 2010

Contentores

Parabéns pela vossa luta. Tinha receio de me pronunciar sobre a matéria, porque a ideia de que o porto de Lisboa deixasse de funcionar, transformado, como vi nalgumas cidades europeias e americanas, numa espécie de disneylandia me desagradava. Sucede que, apesar de nada e criada em Lisboa, não tenho o costume de me passear por aquelas bandas. Pensando bem, não tenho o costume de me passear. Ponto parágrafo.

É esse aliás o meu problema. Após o médico me ter prevenido que, a continuar assim – ou seja, sentada ao computador dez horas por dia – acabaria inválida, comprei uns sapatos especiais (MBT) e tomei a decisão de ir até ao Tejo três vezes por semana. Não vivo longe de Santos: comecei no passado Domingo. Desloquei-me, de carro, porque era a primeira vez que até ali ia e queria descobrir como se atravessava a linha dos caminhos de ferro. Acabei perto do Museu Oriente e comecei a andar em direcção a uma ponte que girava. Primeira surpresa, esta relativamente agradável. A ponte parecia um mecano de criança e era engraçada.

Depois, tudo correu mal. Fui andando por uma rua, esburacada, paralela ao rio, ladeada por contentores. Por mim, passavam táxis a 100 à hora, parando à porta de um edifício, que depois percebi ser a gare da Rocha do Conde de Óbidos. Chegada aqui, tentei penetrar no dito, dizendo ao porteiro que queria ver o rio. Que não, só se fosse «embarcar no cruzeiro». Ainda procurei espreitar, a fim de ver uma nesga de água, mas nada. Atravessei a ponte girante, meti-me num percurso por onde andavam miúdos com patins em linha… e cheguei a casa furiosa.

Afinal, descobri, não é fácil ver o Tejo. Acontece que tenho memórias boas do rio, de viagens, com a minha avó, até Cacilhas: íamos as duas, ambas pinocas, comer marisco à Outra Banda. Há um mês, tentei fazer o mesmo com o meu neto. Por lhe ter dito que encontraríamos piratas na travessia, ia radiante, de arco e flecha. Mas quando chegámos a Cacilhas – que não visitava há cerca de cinquenta anos - ia desmaiando. A decadência era tal que o miúdo me pediu para voltarmos no mesmo barco.

Se é verdade que não desejo bares pseudo-chiques em regime de monopólio à beira rio, se é verdade que gosto de ver chegar os navios, se é verdade que gosto de um porto funcional, o que se passou nestes dois percursos foi uma desgraça. Sei agora que vocês têm razão. O que está não serve nada nem ninguém. Excepto provavelmente os gestores do Porto de Lisboa. Uma vez que gastei um dinheirão nos sapatos inspirados nos Masai, tenho de descobrir outro passeio, onde me dê mais prazer andar.

Não é fácil. Em tempos, tentei outra passeata, desta vez com as minhas duas netas. Estava, na altura, a escrever a biografia do rei D. Pedro V e queria ver a tapada onde ele brincara, em criança. Fiz mil telefonemas, antes de descobrir que a tutela pertencia à Junta de Freguesia dos Prazeres. Esta informou-me que poderia visitar o Jardim das Necessidades e disse-me qual o horário. Quando lá fui, descobri que o espaço cuidadosamente planeado pelo rei D. Fernando estava totalmente ao abandono ( os srs embaixadores que o vêem das janelas dos seus gabinetes não se importam?). Demos umas voltas e viemos para casa: elas muito espantadas com o empenho da avó em visitar uma jardim mal cuidado.

Ainda durante a minha investigação sobre D. Pedro V, pretendi visitar o Observatório Astronómico por ele criado. As dificuldades foram mais do que muitas, até que desisti. Um dia, num programa da SIC, encontrei o seu director: informou-me que não tinha verba para pessoal e que portanto ninguém podia visitar aquilo que é uma das grandes jóias da arquitectura científica oitocentista (o facto de não poder ser visto fez com que se mantivesse, disseram-me, intacto). Há uns meses, um doutorando da Universidade de Oxford escreveu-me, indagando se eu o poderia informar como obter autorização para o ver. Apesar de estar a fazer uma tese sobre o tema, ele não tinha obtido autorização. Contei-lhe que comigo se passara o mesmo. Portugal é assim: despreza tudo o que tem de mais belo e entretém-se a gastar dinheiro com palermices pseudo-modernistas. Continuem a vossa luta, Maria Filomena

3 comentários:

Anónimo disse...

Então e a miséria em que está a coisa junto ao Cais-do-Sodré? É só chegar lá, junto à estação fluvial, e uma pessoa até pasma com a deficientíssima qualidade do trabalho de que a treta de câmara que temos tanto se orgulhou há menos de um ano.

ZMS disse...

Cara Maria Mónica,
O Observatório Astronómico é visitável, mais informação em http://www.oal.ul.pt/. Já agora se vai à Tapada da Ajuda leve os sapatinhos fashion e dê um passeio. Vai ver que lhe areja a cabeça e lhe faz bem à saúde.

Anónimo disse...

Há certas pessoas que acham que tudo em Lisboa está bem como está. Têm o que merecem.