quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Deolinda

Portugal realizou anteontem uma operação de dívida sindicada. Ora, o índice que mede o juro das Obrigações do Tesouro a 10 anos está agora nos 7,204% e ontem, em mercado secundário, 7,354%. Não é suportável para o País e está a condenar as novas gerações à pobreza. E essas gerações já perceberam exactamente o que se passa.

Há momentos e factos que funcionam como alertas ou detonadores. A este propósito, nestes dias, um desses momentos é simbolizado por uma canção que recebeu um aplauso imenso e uma adesão imediata: refiro-me ao recente êxito (bem mais do que um êxito) dos Deolinda. É um grito de geração. Está lá tudo aquilo de que se queixa toda uma geração e com razão e, ainda assim, com excepção dos jovens quadros que emigram e tiveram de o fazer, o que não deixa de representar outro tipo de capital de queixa.

É verdade que há uma geração – e já não é só uma – que estuda, tira cursos superiores e às vezes mestrados e doutoramentos para acabar a ganhar 500,00 euros, o que não lhe permite pagar nem casa, nem constituir, condignamente, família, perpetuando-a em casa dos pais (quando os tem e tal é possível).

Só que esta geração, como quase termina a canção a que me venho referindo, de parva não tem nada, mas tem seguramente revolta e também, como se lê na respectiva letra, não pode mais, isto dura há tempo demais.

Ter as novas gerações condenadas à emigração, à pobreza, retirando-lhes na prática direitos como os de habitação ou constituir o respectivo agregado, sem dependerem dos pais, é condenar um País. Ora, tudo isso é intolerável.

Há responsáveis pelo estado a que chegámos, mas creio, apesar de tudo, mesmo em todo este contexto restritivo, que também parece que estamos a chegar ao fim das impunidades de quem desgoverna ou saqueia o País. Espero bem que assim seja, para podermos contrariar este ciclo, para que os sacrifícios presentes sejam em prol da construção de um futuro e não apenas para continuar a manter aquilo que deve ser combatido: a irresponsabilização, a impunidade, a corrupção e a apropriação por poucos de um futuro que é de todos nós.

Há também uma geração em revolta, por ora surda, mas que se começou a fazer ouvir e nada melhor para o fazer do que através de uma canção.

Há rastilhos e é preciso percebê-los, quando eles estão aí.



In Correio da Manhã

2 comentários:

Anónimo disse...

Isso não é nada. Hoje já está acima dos 7.6%.

Curioso disse...

A senhora que escreve estes lindos textos (a já agora, o seu marido) não têm nenhuma responsabilidade no estado a que chegámos???
Estes políticos (e administradores bancários) deviam ter um bocadinho de vergonha na cara!!!