sábado, agosto 31, 2019

Está para publicação há 15 dias, para o que me pediram uma forte redução por questões de espaço, uma espécie deste texto, no Expresso. Não sei quando será publicado ou não. Mas sendo que esta semana será divulgado o Manifesto Poupem o Montijo,  com muitas dezenas de nomes a assiná-lo acho adequado aqui vos dar um cheiro, de outras razões.

Brincando aos aeroportos

 Félix Rodríguez de la Fuente uma referência da ecologia e da protecção da natureza ibérica era um falcoeiro. Desde os anos 60 que promoveu o afastamento de aves dos aeroportos com os seus falcões, o que hoje se faz em grande parte desses.
As aves são causadoras de muitos problemas e até acidentes, cada vez  mais frequentes, devido ao aumento do tráfego aéreo.
Desde logo, dado que a avifauna é muito resiliente será um grande problema e um enorme risco um aeroporto numa zona muito sensível do estuário do Tejo, para a qual não haverá falcões que cheguem....
Não têm sido muito referidos os custos brutais, que todos pagaremos, da opção pelo aeroporto no Montijo.
Esses não são só relacionados com a avifauna, que é desde logo um dos elementos  que merecem saliência. São referenciadas muitos milhões de aves, numa zona classificada como de Zona Protecção Especial, além de ser Zona Importante para as Aves, segundo a Bird Life Internacional.
Os custos desta opção, obviamente, são desconsiderados porque de difícil contabilização no que se refere à natureza, recursos animais e vegetais, que suportam a vida numa das zonas húmidas mais importantes do nosso país, a Reserva Natural do Estuário do Tejo, mas devem, ou deveriam ser considerados, seja em prospectiva no que se refere às características geo-morfológicas e ás suas potenciais consequências, nomeadamente pelo facto de este aeroporto estaria em zona de alto risco sísmico acrescido pelas dinâmicas das alterações climáticas.
Questão que é completamente escamoteada na proposta deste novo aeroporto, como se fossem uns pozinhos que se joga para debaixo do tapete.
É um facto que os transportes aéreos ainda estão fora das emissões consideradas pelos Acordos de Paris sobre o Clima, mas não é menos verdade que as suas emissões atingem proporções significativas e não pode ser previsível a continuação do seu aumento ou sequer a sua manutenção aos níveis actuais. Terão que ser integrados numa análise global e penalizados, fortemente, com as consequências daí resultantes.
E, não tendo tal sido pensado pelos proponentes do projecto, e os seus beneficiários, nem equacionado no Estudo de Impacto Ambiental, que como sabemos é feito por encomenda dos interessados, ficamos a pensar se não estaremos perante mais um aeroporto a construir numa espécie de paúl entre montanhas...isso jamais, jamais....ou seríamos todos otários.
Mas os nossos governantes continuam a brincar aos aviõezinhos... Este aeroporto faz lembrar a nossa nunca construída central nuclear, andou por Ferrel, Freixo Espada à Cinta, Mira, Milfontes, Tancos, Alqueva e mais 5 ou 6 locais, muitos estudos, todos com premissas erradas, muito dinheiro a circular, até em malas que vimos, e hoje temos renováveis a fornecerem mais de 50% do país e ainda mais ambição.
Pois este aeroporto já andou pelo Poceirão, Rio Frio ( que ainda manteve uma comissão a jantar sobre esse estudo até recentemente, porque alguém nunca a dissolveu!) e a Ota, não esqueçamos o seu paúl! E agora o Montijo, sem esquecer Alcochete onde temos, sem dúvida as melhores condições para complementar a progressiva redução da Portela.
Mas tudo isto deveria exigir, exigir mesmo uma avaliação ambiental estratégica, com pés e cabeça, em vez de mandar brincar aos aeroportos.
Os estudos sobre a evolução do tráfego aéreo são baseados em fumo, que as alterações liquidarão, falta uma avaliação das infraestruturas necessárias para  dar maleabilidade a uma adequada ocupação do território, enquadrando a travessia ferroviária e o... elefante branco, mais um, que é o aeroporto de Beja, que tem que ser considerado em complementaridade.
O aeroporto de Lisboa não é só o aeroporto de Lisboa, La Palisse não diria mais, mas um projecto nacional, sem desconsiderar o do Porto, que também deve ser considerado no quadro de uma decisão que seja iluminada por uma avaliação global, que deve integrar, em termos de recursos financeiros todo o sistema aéreo ( não é que vemos pulular por todo o lado aeródromos?), mas também as ligações marítimas (cargas) e ferroviárias.
Por razões que não são difíceis de imaginar,( todos temos essa poderosa e capaz de sumir muitos aeroportos...) alguém agora, curiosamente à beira de eleições... decidiu atirar dinheiro, ou melhor este projecto para o ar.
Mas os lodos abeiram o cais, um aeroporto com pistas sobre estacas nem nos magníficos desenhos de Shuiten (excelente desenhador de Bandas Desenhas belga) aguenta a erosão do tempo. Este do Montijo se houver bom senso não verá o horizonte, que continuará sem falcões, que esses irão ser utilizados onde a economia, o ambiente e uma boa gestão, integrada do sistema global de transportes o indique.


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