quarta-feira, março 04, 2020

E continuamos, hoje um texto cuja redacção foi do Acácio Pires, que saúdo pela meticulosidade, elaboração e ligações com que abrilhantou o pensamento, que partilhamos!


1 - Mais turistas não quer dizer melhor turismo ou mais receitas turisticas.
https://www.e-unwto.org/doi/pdf/10.18111/9789284419876 
pag 15 pode ver-se que com quase o dobro do número de turistas Portugal tem o mesmo volume de receitas turísticas da Suiça.
Para diversificar e qualificar a oferta turística, reduzir o índice de sazonalidade e aumentar o período médio de estadia o país não precisa de mais capacidade aeroportuária, deve antes investir na qualidade ambiental das suas áreas protegidas e da paisagem, na conservação do seu património histórico ou na produção cultural e artística de qualidade.
Existe um longo caminho a percorrer sem ser necessário aumentar substancialmente o número de turistas.

2 - A excessiva dependência do turismo torna o país mais vulnerável a oscilações neste sector, Deve aproveitar-se o actual bom momento para diversificar e qualificar os destinos turísticos portugueses de modo a torná-los mais resilientes em relação a choques externos.

3 - 'Não há planeta B!' não pode ser apenas de um slogan. 
As viagens aéreas tem estado, em grande medida, fora dos inventários nacionais de emissões. 
Na recente declaração de emergência climática tanto a aviação como o transporte marítimo internacional foram incluídos nos esforços que todas as áreas da economia têm que fazer.
O crescimento do consumo de jet fuel e e de fuel para barcos tem crescido muito acima de todos os outros tipos de combustíveis fósseis e o seu volume atinge aproximadamente 15% do total combustiveis fósseis consumidos em portugal.
http://www.dgeg.gov.pt/ (Combustíveis Fósseis - Estatísticas Rápidas – dezembro 2019)
pág 4, 9 e 10

4 - A política fiscal portuguesa está desajustada da realidade europeia e favorece de forma totalmente anacrónica o transporte aéreo.
Neste momento portugal é o país europeu onde a aviação paga menos impostos em termos relativos. Muito menos do que em países como a Grécia ou a Estónia (países ainda mais periféricos do que Portugal.
Esta realidade não se poderá manter muito mais tempo face à emergência de políticas europeias fortes quanto ao combate às alterações climáticas.
https://www.transportenvironment.org/sites/te/files/publications/EC_report_Taxes_in_field_of_aviation_and_their_impact_web.pdf 
(relatório da comissão europeia sobre as políticas fiscais em relação à aviação - pág 14

5 - Existem formas muito mais rápidas e eficazes de reduzir a pressão sobre a Portela de imediato sem perda impacto no emprego e no PIB.
Como demonstra o relatório referido no ponto 4 o Estado Português perde todos os anos mais de 600 Milhões de euros em receitas fiscais devido às isenções fiscais com que beneficia a aviação.
O referido relatório também demonstra que o fim das isenções tem efeitos neutros no emprego e no produto desde que as receitas obtidas sejam  reinvestidas em alternativas produtivas, como por exemplo na qualificação e diversificação da oferta turística e na promoção de ligações ferroviárias à Europa.

6 - No imediato, a penalização dos vôos internos entre Lisboa, Porto e Faro, pode no limite eliminar, no limite 6-7% dos movimentos da Portela, libertando espaço para rotas mais relevantes para as ligações internacionais, isto desde que o produto das receitas de impostos sobre este tipo de vôos fosse utilizado na promoção de alternativas rodoferroviárias num prazo.
muito curto. Após a conclusão das ligações a Madrid, via Badajoz, e a Medina del campo, via Salamanca, o tráfego aéreo poderá reduzir-se até, no limite, 15% - ligações aéreas entre Lisboa e outras cidades ibéricas continentais representa cerca de 15% dos movimentos.
Assiste-se lentamente ao recrudescimento dos comboios nocturnos que, se forem modernos e confortáveis poderão transformar viagens de até 12h00 de comboio em viagens que na prática não chegam a 3-4h.
https://theicct.org/sites/default/files/publications/ICCT_CO2-commercl-aviation-2018_20190918.pdf  
Como podemos ver na pág 8, cerca de metade das emissões com origem na aviação comercial são devidas a viagens cuja distância percorrida não ultrapassa os 2500km. Se tivermos comboios nocturnos modernos a circular em linhas que permitam velocidades médias de 200km, e uma política fiscal alinhada com o cumprimento do acordo de paris, teremos a possibilidade teórica ver cerca de 40-50% dos actuais utilizadores de avião a migrar para o comboio. No caso de Lisboa isto significaria viajar de comboio, durante a noite e sem perder um dia de viagem, para cidades como Londres, Paris, Bruxelas, Amesterdão, Marselha, Lyon, Milão, Genebra, Frankfurt ou Dusseldorf.
A recente sentença sobre a construção da terceira pista de Heathrow e a crescente pressão que se fará sentir para fazer avançar a agenda de combate às alterações climáticas faz-nos crer que o transporte aéreo enfrentará fortes restrições no futuro o que favorecerá meios alternativos de transporte, como o ferroviário.

7. Como se pode observar no parecer da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável, muitos aeroportos europeus entre 2008-2018, aumentaram o número de passageiros transportados apesar de terem reduzido o número de movimentos aéreos.
https://zero.ong/wp-content/uploads/2019/09/Parecer_ZERO_AeroportoMontijo-vfinal.pdf 
pag1 e AnexoI
Isto quer dizer que a actual infraestrutura comporta ainda o crescimento do número de passageiros apesar de em certos períodos do ano e em certos períodos do dia estar saturada.
Este é o dado final que demonstra a inexistência de uma urgência económica em relação ao aumento da capacidade do aeroporto da Portela e/ou da construção do aeroporto do Montijo.
O governo alega que o país perde 600 milhões de euros por ano em receitas turísticas sem apresentar qualquer estudo que possa ser discutido publicamente, o que fragiliza qualquer posição séria sobre este tema. 

8. Desde que existe legislação europeia relativa á protecção de habitats, nenhum aeroporto de 10 milhões de passageiros foi construido junto a grandes estuários europeus. Mesmo os que já tinham sido construidos antes da existência da directiva habitats, não possuem cones de aproximação simultaneamente perpendiculares e próximas às zonas de alimentação da avifauna - zonas entre marés.
Não por acaso no plano de ordenamento da reserva natural do estuário do Tejo estas áreas são consideradas da máxima importância para a integridade territorial do ecossistema.
A segurança aeronáutica não foi avaliada com precisão e existem as maiores dúvidas de que a ANAC certifique o aeroporto por razões de segurança, dadas as circunstâncias anteriormente referidas. Nunca é demais lembrar que o Thames Estury Airport foi liminarmente rejeitado pelas autoridades britânicas entre outras matérias pelo elevado risco de colisão com aves.
https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/349518/decision-and-summary.pdf 
Pág 5, 12(2.8), 26, 27, 28.

Conclusão: A decisão de 2011 foi tomada num contexto económico, social e político completamente diferente do actual pelo que o olhar sobre as infraestruturas aeroportuárias, nomeadamente em Lisboa, deve ser revisto à luz de critérios que ganharam entretanto uma importância que não tinham na altura, como sejam:
1. Impacto no aumento de GEE
2. Impacto sobre a saúde pública
3. O impacto muito significativo e irreversível sobre ecossistemas de importância europeia e euro-africana





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