CARTA CONTRA A INDIFERENÇA
FONTE DAS VIRTUDES – 19 DE OUTUBRO DE 2013
O rio Tejo não é apenas água, é cultura
viva, a espinha dorsal e o eixo, das terras e das aldeias por onde passa.
É com grande felicidade que vemos
juntarem-se em defesa do Tejo todos os cidadãos e organizações aqui presentes, representativos
de toda a bacia ibérica do Tejo e de todos os sectores da sociedade e áreas de
acção, constituindo-se como um exemplo independente de participação e
cidadania.
Nas nossas diferenças, o elo que nos une é o
Tejo!
O mesmo Tejo que une toda esta bacia de
Espanha a Portugal, que une todas as populações ribeirinhas e as suas culturas,
que o conhecemos e o vivemos da nascente até à foz, de Albarracín ao Grande
Estuário.
É também significativo que nos encontremos
nas Portas de Ródão, Monumento Natural reconhecido pela UNESCO, e que simboliza
a comunhão entre o património natural e cultural associado ao rio Tejo com
relevância para a geologia e a biodiversidade.
Vogar pelo rio Tejo desde Vila Velha de
Ródão até ao cais da Barca do Arneiro, remete-nos para um simbolismo histórico
quer vislumbrando o Conhal (onde os Romanos exploraram ouro), ou a Fonte das
Virtudes cuja “agoa espeçial” foi referida nas memórias paroquiais de 1758, ou
ainda no complexo dos moinhos dos Violeiros (hoje submerso).
O rio Tejo que ao longo do seu curso
sustentou as atividades agrícolas e comerciais das suas gentes, na área de
influência deste percurso constituiu-se como o principal eixo de
desenvolvimento da comunidade do Arneiro: agricultores, moleiros, construtores
de barcos, artes de pesca, barqueiros, pescadores. Destes teimam uns poucos em
tirar do rio o sustento, cada dia mais magro em resultado das alterações na
biodiversidade, causada pelos desmandos do Homem.
As populações do Alto Tejo conseguiram
sobreviver e prosperar em harmonia com o rio que lhes foi generoso no passado e
que será essencial no futuro.
Um futuro onde este laço de natureza e
cultura perdure e se reforce com o regresso de modos de vida ligados à água e
ao rio que as actividades de educação e turismo de natureza, cultural e
ambiental permitirão sustentar.
A preservação do rio Tejo é um tributo que os
cidadãos devem oferecer a este património, sendo urgente assegurar que o caudal
do Tejo seja o que era antigamente, acabar com a poluição que mata os peixes e
envenena o ambiente e as pessoas, criar canais de passagem para os peixes nas
barragens e nos açudes e acabar definitivamente com a pesca ilegal.
Neste futuro não têm lugar nem o Urânio nem
o Nuclear, enquanto recursos energéticos insustentáveis do ponto de vista do
desenvolvimento ambiental, social e económico, que colocam em risco a segurança
dos cidadãos.
A extracção de urânio tem no consumo e na
poluição da água os principais impactos ambientais, conjuntamente com a
alteração do território, a afectação da paisagem e a difusão de poeira que pode
afectar as povoações mais próximas e a saúde dos seus habitantes.
A contaminação das águas do Tejo por
substâncias radioactivas relacionadas com a Central Nuclear de Almaraz é uma
realidade, onde as fugas ocorrem e se misturam com a água, fugas essas cuja
ocorrência é escamoteada às populações afectadas.
Conhecemos os males de que o Tejo padece com
os transvases, realizados e projectados em território espanhol, num ambiente de
total ausência de escrutínio democrático, com o assoreamento, com a poluição,
ou seja, com o maltrato que a mão do homem tem vindo a infligir à sua água e
aos seus ecossistemas.
Para conter essa mão que o maltrata temos
que abrir a outra mão para que o proteja, e essa mão somos nós!
Por isso temos o dever de estender essa mão
aberta para criar uma corrente de vontade e de intencionalidade, que seja capaz
de esclarecer quem decide e que exija um tratamento ecologicamente sustentável
para o rio Tejo.
Devemo-lo a nós próprios, que com o Tejo
partilhámos a nossa vida e aceitámos a generosidade das suas águas.
Devemo-lo às gerações futuras para que
conheçam um Tejo vivo, como nós o conhecemos, e não um escravo e prisioneiro do
egoísmo e da especulação dos humanos.
Se continuarmos neste rumo, as próximas
gerações já não conhecerão rios vivos, mas apenas imagens na internet... que
serão sombras do que um dia nos foi oferecido com generosidade.
Por tudo isto, devemos unir-nos e reclamar a
unidade e integridade do Tejo e da sua bacia, já que o amor e o respeito que
por ele sentimos não se esgotam em nenhuma das fronteiras administrativas e
artificiais que os homens impõem à natureza.
Para que as nossas mãos o protejam temos que
as unir e coordenar, mostrando a união dos cidadãos portugueses e espanhóis na
defesa do Tejo, enquanto bacia ibérica e internacional, e afirmar a nossa
determinação para combater a indiferença ao maltrato que tem vindo a sofrer.
Assim, com vista a defender o Tejo e seus
afluentes, e como cidadãos do rio Tejo, em Portugal e em Espanha, unimo-nos
para reivindicar a todas as autoridades competentes, internacionais, nacionais,
regionais e locais:
1º.
A necessidade de uma gestão sustentável da bacia hidrográfica do Tejo;
2º.
O cumprimento da Directiva Quadro da Água, ou seja, a garantia de um bom estado das águas do Tejo;
3º.
O estabelecimento e quantificação de um regime de caudais ambientais, diários,
semanais e mensais, reflectidos nos Planos da Bacia Hidrológica do Tejo, em
Espanha e em Portugal, que permitam o bom funcionamento dos ecossistemas
ligados ao rio;
4º.
A monitorização do cumprimento permanente do regime de caudais ambientais;
5º.
A informação pública do cumprimento do convénio luso-espanhol relativamente aos
rios ibéricos;
6º.
A recusa dos transvases do Tejo e o apoio à investigação de alternativas
sustentáveis, baseadas no uso eficiente da água;
7º.
Garantir caudais no rio Tejo e seus afluentes em qualidade e quantidade
suficiente para garantir o seu bom estado ecológico e a viabilidade dos diversos
usos lúdicos e recreativos;
8º.
A abertura de um debate, que tarda, relativamente aos níveis de produção das
celuloses instaladas em Vila Velha de Ródão, e às respectivas medidas de
protecção ambiental;
9º.
A realização de acções para ajudar a restaurar o sistema fluvial natural e o
seu ambiente;
10º.
A valorização e promoção da identidade cultural e social das populações
ribeirinhas do Tejo.
É isto que defendemos,
Que as nossas mãos unidas protejam o TEJO.
E digamos com Miguel Torga, porque os poetas
sabem ver o futuro
Recomeça
Se puderes,
Sem angústia e sem
pressa.
E os passos que
deres
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não
alcances
Não descanses.
O Tejo merece!
E aqui um dos focos de poluição do rio, e se calhar dos peixes que comemos...
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