sábado, maio 10, 2014

Bairro Barata Salgueiro: de motivo de orgulho a laboratório e premonição


In Diário de Notícias

«Hoje, em plena discussão pública sobre a alteração da CML ao Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona Envolvente - facto que decorre da classificação recente da zona da Avenida como de Interesse Público e das alterações legais havidas na reabilitação urbana -, é oportuno perspectivarmos o futuro da cidade a partir do que sucedeu ao primeiro bairro burguês (alto-burguês) nascido no pós-Avenida: o Bairro Barata Salgueiro, erguido nos terrenos de Antão Barata Salgueiro e que começou a ser urbanizado na última década e meia do século XIX. O bairro compreendia então toda aquela zona íngreme que vai desde a Avenida, montes acima, até ao Rato e a São Mamede. Recorrendo ao Google, é fácil visualizá-lo: faz hoje fronteira, a nascente, no passeio que vai do Hotel Tivoli ao Marquês; a poente, com a Rua do Salitre, São Mamede e Rodrigo da Fonseca; a norte, com a Braamcamp; a sul, de novo com a hoje Barata Salgueiro e traseiras do Salitre.

A sua toponímia, salvo raras excepções, não engana ninguém, repleta que está de nomes sonantes do nosso liberalismo. O "mercado--alvo" - proprietários endinheirados, intelectuais, ligados às artes, uns, nobres, até, outros - recorreria a arquitectos, construtores e decoradores "topo de gama" (Ventura Terra, Norte Júnior, Nicola Bigaglia, Korrodi, Álvaro Machado, etc.) para fazer passar a "mensagem". E conseguiu. Os arruamentos, espaçosos e bem arborizados, foram sendo preenchidos por palacetes e distintos prédios de rendimento, formando uma unidade de conjunto digna de nota e louvor para o tempo, hoje infeliz e totalmente adulterada, perdida, na maior parte dos casos.

O edificado era ecléctico, de tom assumidamente afrancesado, com as suas fachadas de cantaria e ferro forjado, as suas mansardas, mas também, e muito, os seus interiores, sóbrios e distintos, com estuques, madeiras exóticas e belezas de pormenor, em grande parte "estado da arte". De cércea geralmente baixa, os seus poucos andares tinham no entanto um imenso pé-direito e imensas divisões, com luz a entrar por todo o lado. Alguns tinham logradouros, bem arborizados. Outros, casa para caseiro e cocheiras. Um bairro em tudo oposto ao Bairro Camões, por sinal, que nasceria do outro lado da Avenida, no sopé da agora celebrada Colina de Santana; mais atabalhoado, sem tanto sol e com muito menos espaço, direcionado à média e à baixa burguesias, no pré-Avenidas Novas de Ressano Garcia. [...]»

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