sexta-feira, junho 12, 2009

Respeito

Não se entende este absurdo de o Governo não fazer o que deve e teimar no que não deve. Não espanta, por isso, que lhe atirem bonés (pese a discutibilidade do gesto) ou o penalizem nas urnas. Isto de governar virtualmente tem os seus limites e ninguém engana todos todo o tempo. Em plena crise económica, com indicadores muito negativos, o desemprego a aumentar, vai agora de tentar plantar no Terreiro do Paço mármore amarelo e vermelho de Negrais, para além do verde na base da estátua. Encarnado, amarelo e verde no Terreiro do Paço? Tratar-se-á de um acesso de patriotismo ou de uma obsessão com as cores da bandeira nacional? Encarnados, amarelos e verdes ficamos nós. E para que se quer um verdadeiro curro a separar a praça do rio? Todo aquele espaço era, como o nome indica, um terreiro, na sua simplicidade bonita. De nada valeu um parecer dos serviços a alertar para o contraponto do estudo com a nobreza e a simplicidade da praça; para o desconforto para as pessoas ou mesmo ainda para os problemas de manutenção.

A este atentado, que é disso que se trata, soma-se o projecto de novo Museu dos Coches (que não é preciso para nada, o actual está bem como está), em terrenos do complexo vulcânico de Lisboa, em zona que a Protecção Civil considera vulnerável a sismos e inundações. O actual museu está num antigo picadeiro real e sucede que até é o museu mais visitado. E, obviamente, o ‘novo’ Museu dos Coches – localizado como se vê em sítio pouco adequado – custará a módica quantia de cerca de 31,5 milhões de euros (com as derrapagens conhecidas em matéria de obras públicas, provavelmente até pode nem ficar por ali, pois, como recentemente sublinhou o Tribunal de Contas, as derrapagens nas obras públicas auditadas apresentam um desvio de "apenas" 65% entre o custo inicial e o custo final). Isto para não falar da descaracterização da Cordoaria, para ali instalar... serviços.

A fúria ‘obreira’ do Governo sobre Lisboa não deixa de ser curiosa, com tanta preocupação que devia ter (a começar por delinear um plano de desenvolvimento económico digno desse nome). Mas não: vai de dar cabo do pouco património que ainda temos, vai de o descaracterizar, numa atitude de novo-riquismo que francamente choca. Intervenções em espaços históricos querem-se a respeitá-los, a eles e às suas memórias. É simples: só respeito.




In Correio da Manhã

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