“Quer esteja a chover ou não, o ar em Portugal tem uma felicidade particular e as pessoas desse país deviam ser tão felizes e prósperas como qualquer povo do mundo. O país tem uma situação magnífica e grandes territórios ultramarinos. Lisboa é o porto natural da Europa para a América do Sul e para a África ocidental. As oliveiras, as laranjeiras e espécies semelhantes podem ser aqui cultivadas nas melhores condições possíveis. A riqueza mineral é muito diversa e extensa, embora em larga medida inexplorada, e inclui filões radioativos de importância mundial. E por aí fora. Existem todas as condições para haver uma grande prosperidade. Mas, de facto, nunca vi uma nação com um aspeto tão pouco próspero. Uma enorme pobreza prevalece em toda esta terra. Nunca vi em lado nenhum do mundo, nem sequer na Rússia, trabalhadores tão andrajosos, tão remendados e esfarrapados, tão manifestamente malcuidados e subnutridos. E há também numerosas doenças que podiam ser prevenidas. As mulheres estão velhas aos 30 anos, dando à luz filhos que vão morrer; os homens estão corcundas aos 50. As casas mais pobres são casebres, e metade da população é analfabeta. E, no entanto, não se trata de uma população inferior. (…)
Porque é este povo tão
conspicuamente pobre? Porque é que as estradas são tão abomináveis que mesmo
entre este meu próspero e agradável idílio do Estoril e a cidade de Lisboa, a
12 milhas de distância, uma viagem de automóvel é uma aventura perigosa? Porque
ficam as minhas cartas e telegramas a apodrecer nos correios de Lisboa e porque
é que toda a gente diz que as coisas vão de mal a pior e espera remédios tão
violentos como uma ditadura? Em nenhuma outra parte da Europa o enigma do
declínio europeu se coloca de uma maneira tão crua como aqui neste lugar de sol
ventoso, cores alegres e belezas naturais.
(…) Os comboios em Portugal
estão num estado miserável e as estradas metem medo. Por todo o lado se veem
sinais evidentes de uma administração incompetente ou corrupta. Um pequeno país
como este, com uma moeda instável, não consegue assegurar uma educação moderna
para o seu povo. Não existe um público que leia o suficiente para manter uma
imprensa com poder e uma literatura de crítica política. Os ministros não são
suficientemente vigiados. E, sobre as coisas que se passam nas colónias
portuguesas, dificilmente podemos saber alguma coisa lendo a imprensa
portuguesa. Parece que não existe opinião pública que olhe para lá. Os
portugueses que enriquecem nas colónias depositam e investem o seu dinheiro no
estrangeiro, em geral, em Londres; há uma saída permanente destes tributos do
Império Português para os estados maiores e mais estáveis. Em nenhum lado da
Europa se tem um sentimento tão intenso de um país penhorado ao capital
guardado lá fora”.
H.G.Wells, citado por
Carlos Fiolhais no I de 2/7/20
(...) "Somos mesmo os melhores!"
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