sexta-feira, março 26, 2010

os mandantes do crime rodoviário

Por Manuel João Ramos


NO DIA 15 DE NOVEMBRO do ano passado, o ministro da administração interna, Rui Pereira, explicava uma auto-proclamada redução do número de mortos nas estradas portuguesas afirmando que se tratava não apenas de um triunfo da acção governativa mas também de “uma vitória civilizacional do povo português”.

Uma semana depois, entrava e saía do hospital de São José, em Lisboa, em silêncio comprometido. O “seu” secretário geral da administração interna, o Magistrado Mário Mendes, encontrava-se em coma na unidade de cuidados intensivos, com a cara desfeita contra o vidro frontal do seu Audi, em resultado de uma muito noticiada colisão contra o BMW do presidente da Assembleia da República, quando acelerava a mais de 130 km/h pela Av. da Liberdade em hora de ponta.

Semanas mais tarde, o ministro impenitente voltou, com a pungência de um autómato, a repetir as palavras do dia 15 de Novembro.

É difícil encontrar uma grelha de leitura que torne simultaneamente coerentes as palavras de propaganda e comprazimento do ministro, no Dia em Memória das Vítimas da Estrada, e o seu mutismo mortificado da semana seguinte.

O “povo português” esperava que, à saída do hospital, o ministro condenasse firmemente a “acção governativa” de Mário Mendes, que prometesse solenemente que as viaturas do estado não seriam nunca mais um factor de insegurança nas estradas, e declarasse que os detentores de cargos públicos não estão acima da lei que rege a circulação rodoviária.

Em vez disso, o “povo português” assistiu, com a impavidez de quem desacreditou in illo tempore os predadores que o governam, à afirmação de cumplicidade silenciosa de um acto de desconsideração da civilidade pública.

Tanto o ministro como o “povo português” sabem que o comportamento rodoviário dos condutores de viaturas públicas é determinado pelos seus mandantes. Não é por decisão própria que um motorista de veículo do estado conduz a velocidades iníquas, pratica manobras perigosas colocando em risco a vida dos seus concidadãos, e desrespeita as regras mais basilares do Código da Estrada e do bom senso. Os motoristas do Estado são trabalhadores por conta de outrem que obedecem às ordens dos “senhores do poder” que, no uso abusivo da prerrogativa da “marcha urgente de interesse público”, lhes impõem o cumprimento estrito de horários de chegada, em missões públicas ou privadas. Qualquer recusa destes motoristas terá necessariamente como consequência a impossibilidade do exercício dessas funções tal como são ordenadas serem exercidas, e consequentemente a perda das regalias inerentes ao destacamento para o exercício das funções de motorista de figuras públicas.

Os detentores de cargos públicos herdaram do Estado Novo, sem qualquer alteração, uma prática feudal, de submissão dos “seus” subordinados, motoristas neste caso, a um servilismo que lhes nega o direito à contestação a comportamentos rodoviária e socialmente reprováveis. E, como os ministros de Salazar, continuam a esperar que o “povo português” se desvie para as bermas para assistir como basbaque à passagem altiva dos todo-poderosos. A diferença é que agora, em vez dos 500 que haveria no tempo do Estado Novo, há mais de 15.000 viaturas do estado, pagas do nosso bolso.

2 comentários:

Anónimo disse...

Por mim, parecia-me bem que uma pessoa no cargo de super-polícia tivesse, na sequência de um caso como esse, apresentado a demissão, e que esta tivesse sido prontamente aceite.

Carlos Pires disse...

A anterior ministra da educação fez asneira após asneira (sempre com o apoio do primeiro-ministro). Grande parte da actividade da actual ministra da educação consiste em (sem resolver realmente os problemas) diminuir o impacto dessas asneiras.
Entre vários outros exemplos, foi o caso da avaliação dos professores e é agora o caso do mentecapto estatuto do aluno (onde a ministra partilha responsabilidades com a bancada parlamentar do PS).
Depois dessas asneiras todas o que sucedeu?
A incompetência da ministra foi recompensada com a presidência da Fundação Luso-Americana e a incompetência de Valter Lemos, seu secretário de estado, foi recompensada com uma secretaria de estado no ministério do trabalho (onde continua a fazer asneiras).
Essa é maneira portuguesa de fazer as coisas, o estilo "português suave", que este PS encarna muito bem: a culpa deve morrer solteira! Quem conhece Portugal não pode deixar de achar estranha a sua expectativa de que Mário Mendes seja responsabilizado.
Lembra-se de como morreu Duarte Pacheco? Quando se fala nele não se costuma omitir que o carro ia em excesso de velocidade, mas isso nunca é dito criticamente. E os políticos, empresários, futebolistas e 'famosos' que nos últimos anos têm sido apanhados em excesso de velocidade? Ou o caso não é noticiado sequer ou é noticiado de forma relativizadora e desculpatória.
... Grande parte dos colunistas e outros 'opinion makers', dirão que o que escrevi é apenas populismo.