Julgávamos ter estilhaçado o que fora medonha punição, e que éramos os donos do nosso destino. Foi quando uma marcha de José Mário Branco nos reenviou para a realidade: "Qual é a tua, ó meu / andares a dizer quem manda aqui sou eu?!" Todas as festas acabam em melancolia. A nossa fechou em carácter fúnebre. E nunca parou de assim ser, com breves intervalos cómicos. Abstenho-me de os mencionar, por evidentes. Os protagonistas foram promovidos.
De tropeção em tropeção, chegámos a isto. A decência e a dignidade têm sido espezinhadas; repetem-se os mesmos rituais de substituição com os mesmos rostos, idênticas mentiras, semelhantes desaforos. Sai Sócrates, entra Passos. O sotaque não é diferente. E a farsa, agora, é quase trágica. Passos não vai melhorar a vida portuguesa, e até já ameaçou com impostos quando, há dias, dissera rigorosamente o contrário. Por outro lado, na hipótese de uma "ampla" coligação, os senhores do poder admitem PS-PSD-CDS, mas rejeitam liminarmente José Sócrates. É uma situação improvável. Mas as negaças do poder dispõem de meios extremamente persuasivos. Tem-se, assim, que o secretário-geral do PS, reeleito com margem devastadora, é uma espécie de zombie. Que fazer com este homem?
A questão, permanentemente omitida, é que o infortúnio de muitos e os privilégios de meia dúzia assentam uma frase de Balzac: "Todas as fortunas têm origem num crime"; ou na interrogação de Garrett nas Viagens na Minha Terra: "Quanto custa um rico a um país?", e na consequente resposta: miséria, fome, desespero.
Tanto o PS quanto o PSD ou a tal coligação, antevista mas já vista, têm liquidado a nossa força e tripudiado sobre a nossa soberania. Não estão interessados nessas minudências. E nós vamo-los aceitando, com a benevolência indolente, que parece ser a marca de um mau fado e de uma inevitabilidade.