segunda-feira, novembro 30, 2009

O Zé e as árvores que não buzinam


Moro a dois passos da Praça de Alvalade, zona que tão maltratada tem sido pela Câmara Municipal de Lisboa. Mas nem eu, que já vi acontecer um pouco de tudo nesta cidade e que praticamente deixei de acreditar em qualquer palavra de qualquer político, imaginava o que acaba de suceder: as laranjeiras que há quatro décadas ornamentavam a praça acabam de ser arrancadas por decisão do município. Primeiro desapareceram as da ala nascente, agora foram derrubadas as da ala poente. Deixou de haver laranjeiras na Praça de Alvalade. Eram um património vegetal inestimável da cidade de Lisboa, um autêntico ex libris do género na capital. E foram retiradas ainda carregadas de laranjas: bem as vi há dias, pouco antes do blitzkrieg determinado pelo vereador encarregado dos espaços verdes de Lisboa, José Sá Fernandes, com a ordem para o seu abate a pretexto do "arranjo" da praça. Quase em segredo, sem consulta de espécie alguma aos habitantes da freguesia. O "arranjo", na capital menos arborizada da Europa, é um eufemismo para aumentar o espaço empedrado no passeio - isto é, proporcionar mais uns quantos lugares de estacionamento ilegal à custa dos direitos do peão e do equilíbrio ecológico da cidade. Estando os cofres camarários sem um vintém, como António Costa não se cansa de repetir, percebe-se mal que ainda haja verba para gastar nestas operações cosméticas destinadas a substituir árvores por pedras. Tornando Lisboa uma cidade mais feia e mais inóspita.
Esta sanha contra os espaços verdes do vereador Sá Fernandes, que também acaba de autorizar o derrube de pelo menos 46 árvores no jardim do Príncipe Real, a pretexto de que estavam "doentes" (como se tantas árvores pudessem "adoecer" ao mesmo tempo, no mesmo local), esbarra com a tradicional apatia dos lisboetas: ninguém protesta, ninguém se indigna, ninguém se insurge.
Se fosse no Porto, onde o bairrismo é uma bandeira, bastaria a suspeita de que estaria em marcha uma operação lesa-ecologia como esta para Sá Fernandes encontrar pela frente uma acção de embargo, que lhe pudesse travar o passo. Ele sabe bem o que isso é, aliás: antes de fazer parte do poder camarário distinguiu-se como o maior embargador da capital. Não na defesa dos interesses da cidade, como agora se comprova, mas na defesa dos seus interesses políticos.
"Tanto que fazer e metem-se com as árvores. Deve ser por não buzinarem", como escrevia aqui há dias, sabiamente, a Maria Isabel Goulão. Definitivamente, este Zé inimigo das árvores não fazia falta nenhuma a Lisboa.

Imagem: as laranjeiras que já não há, no blogue Amigos do Botânico.

7 comentários:

Anónimo disse...

Esta senha?

É preciso tirar senha?

Miguel Carvalho disse...

Caro Pedro,
concordo totalmente com a sua posição, mas tenho sempre problemas com alguns exageros. Não sei porque diz que Lisboa é a capital europeia menos arborizada da Europa. Se conhecesse Atenas, nunca afirmaria tal coisa. Não é preciso usar hipérboles falsas para termos razão.
Cumps

M Isabel G disse...

OLá Pedro,

"Detestam as árvores. Vivem na cidade", também daria um belo post:)

Anónimo disse...

Exagero ou não, se o não for - a menos arborizada da Europa - é de crer que ande perto de tão infeliz condição. O que não espanta, atendendo ao indisfarçado ódio do Estado (não sei porque o escrevo com maíuscula, velhos tiques de "respeitinho", talvez) e das autarquias, por tudo o que neste país ainda não esteja coberto de alcatrão, betão, tijolo, ou por qualquer forma abjectamente desfigurado, em nome de um "progresso" que entre nós se confunde - e é totalmente absorvido por (com a excepção de um certo computador básico) - com construção civil e obras públicas.

Atitude, aliás, em que as "autoridades" são entusiasticamente seguidas por um povo devastadoramente enamorado pelas caixilharias de alumínio, paredes de azulejos vários e aberrações afins. Um povo que escarra orgulhosamente para o chão e vê na rua um imenso caixote do lixo.

Povo e autoridades que estão muito bem um para as outras.

A Praça de Alvalade é que vai ficar verdadeiramente (ainda mais) inóspita em quentes e agressivamente luminosos dias de Verão.

Coisa absolutamente irrelevante.

Costa

Anónimo disse...

Uma petição popular para correr com esse Zé que é uma fraude do executivo municipal é o que ele está a pedir.

Pedro Correia disse...

Caro Miguel Carvalho: se Lisboa não for a menos arborizada mas apenas a segunda menos arborizada a seguir a Atenas isso contribuirá alguma coisa para a nossa 'auto-estima' ou o nosso orgulho pátrio? Ou mesmo se for a terceira, após Atenas e La Valetta? Lamento, mas isso não muda nada do que de essencial ficou dito. Qualquer de nós reconhece que faltam árvores a Lisboa. Apesar disso, o vereador dos Espaços Verdes manda arrancar as poucas que ainda existem, em locais emblemáticos. Infelizmente a falta de verba, que serve sempre de desculpa para não fazer obra, nunca serve de travão para deixar de fazer asneira grossa.

Pedro Correia disse...

Cara Isabel,

Se as árvores votassem Lisboa já se tinha transformado numa floresta.