A lei tem quatro anos, mas ninguém lhe liga, ao que parece porque é boa de mais. Em vez de permitirem um atravessamento à velocidade de 0,4 metros por segundo, os nossos semáforos obrigam-nos a ser mais rápidos, para o trânsito não ficar tanto tempo parado. Será por isso que morremos atropelados nas passadeiras? Por Aníbal Rodrigues
Manuel João Ramos, líder da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, denuncia que os sinais estão regulados de modo a exigir que o peão percorra entre 1,2 e 1,5 metros por segundo numa passadeira, ou seja, três a quatro vezes mais veloz do que estipula a lei. Raquel Esperanca
Nenhuma câmara municipal portuguesa cumpre a lei no que diz respeito ao tempo que o semáforo das passadeiras deve permanecer verde para os peões. Em qualquer parte do país, a luz que autoriza as pessoas a caminhar é mais breve do que devia. "É uma lei tipicamente portuguesa - uma lei boa sem aplicação", comenta Manuel João Ramos, presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M).
O Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, estipula que estes semáforos devem permitir uma velocidade de 40 centímetros por segundo, o que, em princípio, não levanta problemas, por exemplo, a pessoas com dificuldades de locomoção. O referido diploma diz que "o sinal verde de travessia de peões deve estar aberto o tempo suficiente para permitir a travessia, a uma velocidade de 0,4 m/s, de toda a largura da via ou até ao separador central, quando ele exista". "Mas o habitual é entre um metro e vinte e um metro e meio por segundo", denuncia Manuel João Ramos.
"A lei possibilita que pessoas com mobilidade reduzida possam atravessar a estrada", destaca o líder da ACA-M que, em 2007, na qualidade de vereador da Câmara de Lisboa, apresentou uma proposta que pedia o cumprimento do Decreto-Lei n.º 163/2006, mas que acabou por não ter resultados práticos. "Porque não existe vontade para o fazer", critica Manuel João Ramos que, porém, reconhece o carácter "restritivo" desta norma, "que dá amplitude total para as câmaras fazerem o que quiserem".
Recentemente, a PSP lançou a campanha Pela Vida, Trave que estará em vigor até ao final do próximo mês de Maio e cujo objectivo é a diminuição do número de atropelamentos. Para além da fiscalização dos comportamentos dos condutores perante semáforos, sinais Stop e passadeiras, também será vigiado o eventul desrespeito na utilização das passadeiras por parte dos peões. Na campanha vão participar polícias à civil em viaturas descaracterizadas que podem aplicar coimas entre seis e 30 euros a quem, por exemplo, atravessar a estrada fora da passadeira dispondo de uma situada a uma distância de até 50 metros.
Travar as nortes
A campanha da PSP nasceu a partir da constatação de que, desde 2007 para cá, o número de mortos por atropelamento tem vindo a aumentar. Em 2007, este tipo de mortalidade representava 24,14 por cento do total das vítimas mortais em acidentes rodoviários, mas em 2009 passou a representar 40,01 por cento. Note-se que, nas áreas adstritas à PSP, o total de vítimas mortais até desceu entre 2007 e 2009 e continua a diminuir este ano. Porém, as vítimas mortais por atropelamento registadas em 2010 representam 40 por cento do total.
No todo nacional, e tendo em conta os dados mais recentes da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, referentes a 2008, morreram 12 pessoas atropeladas em passadeiras situadas dentro de localidades. O número de feridos é bem mais expressivo: 142 graves e 1798 ligeiros. Registaram-se, portanto, no ano de 2008, 1952 vítimas de atropelamentos, em passadeiras situadas dentro de localidades. No mesmo período, os registos em passadeiras fora das localidades é bem menor: um morto, três feridos graves e 12 feridos leves.