quinta-feira, junho 17, 2010

S.O.S. Azulejo

À distância de um “click”, em qualquer dos sítios virtuais dedicados aos “Portuguese tiles”, constata-se o regabofe que grassa pelo património azulejar português, por aquele que não está classificado e que continua a saque, tal a profusão de azulejos à venda: painéis e frisos, cimalhas e rodapés, a cores e a preto e branco, assinados por autor ou filhos das tristes ervas, vindos de igrejas e quintas, frontarias e fachadas, muros e lagos, simples átrios de entrada e lancis de escadaria, viadutos e cafés. Do séc. XVII ao que há dez anos se findou. De tudo um pouco: réplicas, crendo-se ingenuamente de genuínos; genuínos, aparentando-se convenientemente de réplicas.

E à distância de um passeio público, o que se vai perdendo, diariamente, à custa de alterações e demolições de prédios, não acompanhadas por técnicos com sensibilidade e bom senso. À custa de proprietários culturalmente acéfalos que mandam destruir um painel porque “sim”, ou dos que, bem intencionados, resolvem desmontar azulejos para os restaurar acabando ingloriamente por os destruir.

Contudo, trata-se de um problema que extravasa o azulejo porque é o próprio urbanismo português que é delapidado, já que se há elemento comum a um urbanismo fabricado em Portugal, ele é o azulejo. São conhecidas as suas origens e os motivos de inspiração. É conhecido o «élan» do Marquês ao mandar executar milhões de azulejos como forma de, afeiçoando uma nova baixa lisboeta, dar ímpeto industrial e ânimo a todo um país. Desleixando-nos com o azulejo, desleixamos o ADN urbanístico do país.

O problema tem várias causas e ainda mais protagonistas. Aparenta ser de cura difícil: joga com uma inércia de quem de direito e a generalizada falta de meios e discernimento dos «bons», a argúcia dos prevaricadores e a mão leve da Lei. Há que mudar antes que seja tarde demais. Logo agora em que as novas tecnologias podem mover montanhas. Não pode haver desculpas. Mas deve-se atacar o problema sob três perspectivas: lei, prática, efeito demonstração.

Uma lei clara, abrangente, com mão pesada. Que regulamente o mercado de antiguidades (quiçá uma simples obrigação de emitir recibo, como em Espanha, não resolveria o grosso dos azulejos desaparecidos?). Uma lei que saiba engajar as autarquias na inventariação e criação de bancos de azulejos, e faça cumprir critérios de remoção e restauro dos azulejos.

Depois, ou antes, não sei, há que mudar a prática. Arregimentem-se sábios, comissões inter-departamentais, inter-governamentais, o que for, mas siga-se para o terreno. Inventariar, é preciso. Fachada a fachada. Interior a interior. Já agora, comece-se em Lisboa, que há muito para preservar e recuperar, e roubar. É inadmissível que o Plano de Pormenor e Salvaguarda da Baixa Pombalina não dedique nem uma frase que seja ao azulejo.





In Jornal de Notícias (17 de Junho)

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