Ferrel
Através dos Tempos, por Joaquim da Silva Jorge
Nota de
leitura
Não posso dizer que tenha sido uma surpresa
completa. Este livro monografia de Ferrel é uma obra impressionante, do Joaquim
Jorge que nele mostra um conhecimento, resultado de experiência e investigação
absolutamente espantoso, da sua terra e das suas gentes.
É um trabalho de grande fôlego que abarca
diversas áreas, a história, e o livro começa logo por contar a origem próxima (que
a ocupação destas terras é pré-histórica, como ele também refere) não
escamoteando a diversidade do seu povoamento que dá motivo aos despiques
locais.
É ainda no capítulo da história que um tema
que aparece em diversos momentos desta obra nos vai aparecer com grande relevo,
em 22 páginas temos a Ameaça Nuclear, onde temos este elemento fundamental e
ouso dizer quase fundacional para a afirmação dos ferrelejos, que mergulham a
sua épica em muitos outros momentos mas nesta gesta se afirmaram
particularmente. “Somos todos moradores de Ferrel” ressoou pelo país, como ele
nos recorda nestas páginas onde aparecem os nossos estimados Afonso Cautela (que
chegou a dormir em casa do Joaquim!) e Delgado Domingues. A Gazeta das Caldas, o
nosso papel nesta luta, e do nosso director são também especialmente mencionados
(Obrigado, sentido).
Já no capítulo sobre o desenvolvimento de
Ferrel descobrimos um etnógrafo a falar-nos do processo de fabricação artesanal
de adubos (que deveriam ser recuperados) e de vários procedimentos agrícolas, e
lá temos o Moinho Velho e outra vez as nossas lutas.
Joaquim Jorge é um homem de fé e o capítulo
sobre Religiosidade o dá conta, mas não esquece as ligações da lógica institucional
com a religiosidade popular e a festa, num registo muito compreensivo.
Depois fala-nos de Ursos, Macacos e Leões, mas
atenção são mamíferos mas não os que podemos pensar, são a forma como os
ferrelejos se designam consoante as zonas de ocupação da terra, seguindo-se a
estas descrições uma pintura sócio-antropológica da hoje vila, dos bailes, e a
sua ligação religiosa, passando pelas superstições e crendices e não faltando,
como podiam?, as famosas bruxas de Ferrel e as suas profecias que nos são
efabuladas pelo mestre Mariano Calado aqui justamente homenageado.
Neste capítulo não posso deixar de referir com
deleite os Burros de Ferrel, hoje revitalizados no presente da Freguesia, e
parte importante desta história e também dos almocreves e da sua relação com a
existência deste território. Noutro capítulo espesso passamos por diversas
profissões essenciais à vida de qualquer povo, com referências minuciosas aos
seus percursos que devem constituir património histórico e documental desta
Capital Anti-Nuclear, Ferrel.
Nesta parte tenho que mencionar que há uma
entrada que é universitária, no melhor sentido do seu significado. Uma escrita
envolvente, uma descrição meticulosa, tão meticulosa que parece que estamos lá,
uma elaboração pormenorizada de todos os passos deste processo, e quase que lhe
sentimos o sabor e entramos nesse enquadramento.Há muito que não lia um texto
tão completo sobre a criação e matança do porco. De ficar, ainda estou, com água na boca.
Não devo esquecer outra entrada sobre Moinhos
e Azenhas conhecedora e mais uma para arquivo histórico.
No último capítulo voltamos à “nossa central”
ao Moinho Velho, onde hoje vemos uma alternativa clara afirmar-se, seja nas
dinâmicas dos cultivos seja na energia das ondas, dos ventos e do sol, de que
estas terras beneficiam. E também gostei do detalhe das descrições da terra de
baleias, do istmo peninsular do Baleal, o tômbolo. O Baleal é outro dos locais
mágicos desta terra que Joaquim Jorge, com amor, investigação, experiência e
vivências nos descreve, regista e deixa em memória para futuro. Hoje no
presente, estas 388 páginas que temos na mão são uma semente.
Deste livro aqui deixo só alguns apontamentos
que tive por mais significativos, outros muitos outros estão presentes nesta
macro-visão deste povo.
Em Ferrel, a ecologia política tem um momento
alto, e agora, através dos tempos temos, do bruxo Joaquim Jorge, um farol
fantástico, este livro só é surpresa para quem não o conhece.
António
Eloy
Sem comentários:
Enviar um comentário