São espaços de debate, de denúncia ou até barómetros para políticos. Chegam, por vezes, onde os jornais não chegam. Há quem lhes reconheça importância, mas também quem diga que, em Portugal, poucos conseguem ser mais do que endereços escondidos na web. Por Cláudia Sobral
Há países onde um blogue local é o blogue de uma rua ou de um bairro
Perfis
Um post pode chegar longe. Num blogue local talvez mais: quanto mais pequena a comunidade, mais influência terá o que se escreve nessas páginas online, dizem alguns especialistas. Que poder têm os blogues nas cidades? Podem alertar para problemas de uma rua ou de um bairro, podem gerar discussão, podem fazer correr tinta nos jornais, podem dar que pensar a autarcas. A resposta dos especialistas não é totalmente consensual, até porque há casos e casos. Mas há exemplos de blogues que conseguem mudar bocadinhos do mundo - ou de uma cidade.
Setembro de 2007. O Porto preparava-se para voltar a ver os antigos eléctricos trilhar os carris da Baixa. O Avenida Central era um blogue ainda jovem - como o seu criador, Pedro Morgado, estudante de Medicina. Num dossier destinado a "ideias para Braga" Pedro Morgado sugeriu que os eléctricos regressassem também à sua cidade, Braga. Os comentários ao post não foram muitos - mas os suficientes para logo no dia seguinte se anunciar que seria lançada uma petição. Assim foi: reuniram-se mais de 800 assinaturas, o assunto foi debatido em assembleia municipal, a câmara solicitou um estudo de mobilidade. Os eléctricos acabaram por nunca voltar a Braga, mas o blogue ganhou projecção - foi-lhe atribuído o prémio de melhor blogue regional português de 2007. E os cidadãos tiveram voz - através da Internet.
Este é um caso. Entre muitos. "São vários os blogues a envolverem-se na luta por causas públicas", afirma a investigadora da Universidade da Beira Interior Catarina Rodrigues, autora de um estudo sobre blogues regionais portugueses. "São importantes e activos agentes sociais, porque constituem um olhar atento sobre a comunidade e sobre temas específicos, que muitas vezes não têm espaço nos media regionais." Podem ser sobre moda ou cultura, urbanismo ou ambiente. O perfil mais comum é o daquele que discute política local e problemas da cidade - sobretudo nas áreas do urbanismo e do ambiente. A amplitude das discussões? Vai desde um buraco numa rua ou de um candeeiro de iluminação pública inestético a planos de urbanização.
Mas o sucesso que podem alcançar não depende exclusivamente da sua qualidade. Especialistas e bloggers tendem a ser da opinião de que o que se escreve na Internet tem um impacto muito maior nas cidades pequenas do que nas grandes - até porque os blogues locais podem assumir o papel de "meios alternativos aos órgãos de comunicação locais e às fontes oficiais", diz o investigador da mesma instituição Paulo Serra, com vários trabalhos publicados sobre blogues. "Nos meios mais pequenos, onde há menos alternativas em termos de opinião, o blogue até pode assumir um papel bastante construtivo", diz Estrela Serrano, do conselho regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que publicou, em Junho, um estudo sobre a imprensa regional e local em Portugal, onde são citadas queixas de dependência dos jornais locais e regionais face ao poder local.
O blogue A Baixa do Porto é outro caso. O seu fundador, Tiago Azevedo Fernandes, conta que já recebeu emails de figuras que ocupam cargos públicos, nomeadamente vereadores da Câmara do Porto, com pedidos de publicação de textos. Uma resposta a uma interpelação directa, uma sondagem da opinião dos leitores - por causa do projecto para a Via Nun"Álvares.
Paulo Ferrero, fundador de um blogue do género criado na capital ? Cidadania Lx -, não sabe o que é receber um pedido de publicação de texto com a assinatura de um vereador. "Aparecem comentários que percebemos que são de vereadores." E não passa disso. Revela, contudo, que colabora com outro blogue, de menor dimensão - o Cidadania Cascais. Aí sim, sente que aquilo que se escreve no blogue tem impacto na autarquia. "Fez-se uma denúncia de uma obra ilegal e o executivo nem dormiu a pensar no assunto", conta. "É sempre mais difícil um blogue incomodar os visados numa cidade com a dimensão de Lisboa", reconhece.
Falta união entre bloggers
O jornalista e blogger Paulo Querido tem resposta pronta para queixas de falta de projecção: façam como os galegos. "Os nossos blogues não criaram uma densidade de corporação própria ou algum tipo de agregadores que criem um colectivo", explica. "Em Portugal a blogosfera não passou para a segunda fase - a da auto-organização dos conteúdos."
"Na Galiza, por exemplo, há uma união maior - talvez porque tenham algo por que lutar que é mais regional do que local", diz. "Dá-se por eles. E não dou por uma blogosfera do Algarve ou do Minho. Se calhar não têm projecção fora do meio, porque não falam uns com os outros." Os blogues locais portugueses, diz, não aproveitam ao máximo as suas potencialidades.
Já Catarina Rodrigues considera ser "redutor" fazer comparações directas entre a realidade portuguesa e a de outros países.
Os anónimos
Outro tipo de casos há ainda. De blogues que dão nas vistas pela negativa.Póvoa Online é um exemplo: em 2008 tornou-se no único blogue a ser encerrado por ordem judicial em Portugal, depois de uma queixa por difamação do então presidente da Câmara da Póvoa de Varzim, Macedo Vieira. A identidade do autor - que assinava com o pseudónimo Tony Vieira - acabou por nunca ser desvendada. Depois de encerrado, o autor migrou de blogue: o Póvoa Offline.
Outro autarca - esse da Covilhã, Carlos Pinto - também apresentou queixa por difamação contra um blogue: o Covilhas. O autor era anónimo. Suspeitava-se de quem seria, mas nunca se conseguiu prová-lo. Resultado: o presumível autor dos posts saiu ilibado. Por falta de provas.
"Fazer acusações, difamar ou especular ao abrigo do anonimato ou de pseudónimos é o lado menos positivo da blogosfera em geral", diz Catarina Rodrigues. Outro problema dos blogues locais, na opinião de Paulo Querido, é a ausência de informação relevante e a existência daquilo que apelida de "overdose de opinião". Mas este ponto não é consensual.
Paulo Ferrero publica no Cidadania Lx "algumas notícias do dia". "Isso é muito importante, porque há pessoas que não estão atentas aos jornais", justifica.
No entanto, o blogue gera também muita informação própria, adverte. Porque os blogues locais chegam onde os jornais não chegam habitualmente, àquilo que está fora do seu raio de alcance, como um problema de uma rua ou de um bairro - cidadãos há muitos, jornalistas nem tanto. Informações com que a imprensa se cruza nos blogues e que usa depois. "É importante que os jornalistas não discriminem informações produzidas por bloggers, já que podem tornar-se parceiros", adverte o jornalista e investigador do Observatório de Ciberjornalismo, da Universidade do Porto, Pedro Jerónimo.
"Uns jornalistas citam o blogue, outros não", diz Paulo Ferrero. Pedro Morgado, do Avenida Central fala no mesmo problema. "Mas não me importo com isso", admite o fundador do Cidadania Lx. "O que importa é que a notícia passe, que chegue às pessoas."
Falou-se em demolir uma casa onde viveu Almeida Garrett, em Campo de Ourique, Lisboa. Houve um pequeno grupo de pessoas que não ficaram indiferentes e criaram o Movimento Fórum Cidadania Lisboa, a que foi associado um blogue - o Cidadania Lx. Em Outubro de 2004, lançaram uma petição, anunciada no blogue. Que de nada serviu: o caso Garrett viria a ser uma batalha perdida. Mas o movimento estava criado. E o debate não terminou, apesar de as preocupações e os temas a discussão se irem renovando - ainda que sempre predominantemente orientados para as áreas da arquitectura e da intervenção urbanística. "Temos perdido muitas causas, mas ganhámos outras", conta o fundador Paulo Ferrero. E dá o exemplo do projecto para o novo Terreiro do Paço: "Conseguimos tudo o que queríamos." O Cidadania Lx é, nas suas palavras, "importante para os cidadãos, para os jornalistas, que podem usar assuntos discutidos no blogue para futuras investigações, e para a própria Câmara de Lisboa, que sabe de alguns problemas através do blogue". Actualmente, o número de entradas semanais ronda as 100. Na última semana, perto de 400 pessoas por dia visitaram o site. Os colaboradores, oriundos de diversas áreas - desde arquitectos e actores a gestores ou engenheiros -, são cerca de 60. "Deviam ser 600", diz Paulo Ferrero. http://cidadanialx.blogspot.comAvenida Central
3 comentários:
Conseguiram tudo o que queriam no Terreiro do Paço?
Acedendo ao Cidadania Lx, parece que não.
E a sucata que têm andado a colocar na praça é, realmente, do piorio.
Sucata??;)
Que expressão gira!:)
"Enquanto isso, no Terreiro do Paço continua-se a semear lixo" é o título de um post recente (6 de Agosto) no Cidadania Lx.
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