CARTA ABERTA AO
PRIMEIRO-MINISTRO, ANTÓNIO COSTA
E ÀS CIDADÃS E CIDADÃOS
Os subscritores desta Carta, na
sua já longa vida, têm-se dedicado à defesa do Ambiente, da Conservação da
Natureza e da Qualidade de Vida para os portugueses; independentemente de
partidos políticos, somos cidadãos activos que acreditam que a gestão da polis
compete aos seus habitantes, esses os verdadeiros políticos. Acreditamos
que os Partidos são fundamentais à democracia mas que esta não se esgota neles,
por isso a cidadania activa é também um factor estruturante da mesma
democracia.
Neste período difícil da nossa vida colectiva, em que a pandemia nos
atacou subtilmente e tentou alterar os nossos hábitos quotidianos, também
pudemos aprender que é necessário na verdade alterar muitos dos comportamentos
e dos critérios economicistas que têm presidido à vida dos povos em todo o mundo, para nós com especial ênfase
na Europa e no nosso Portugal. Nenhum país estava na verdade preparado para
enfrentar de súbito uma situação de tão grave pandemia e temos humildemente que
louvar e homenagear o esforço de todos os profissionais que têm contribuído
para tornar menos difícil aquilo que já é de si muito difícil.
O que a pandemia revelou
Como cidadãos, temos verificado que
os poderes e autoridades responsáveis, quer no plano central quer no local, não se
têm revelado capazes de entender o que esta crise veio ensinar nem capazes
de alterar os procedimentos e a política falaciosa em termos ambientais que esteve
sempre a ser promovida com beneplácito geral.
O que globalmente foi exposto pela
situação criada pela pandemia, a nível mundial,
foi a gravidade dos problemas ambientais, a perda acelerada de biodiversidade, a
falta de preparação para enfrentar as inevitáveis alterações climáticas, tudo
consequências da globalização e do tipo de economia que esta tem promovido e
que se tem implantado em todo o mundo onde as regras são ditadas pelo mercado e
os Governos se pautam pela subserviência aos grandes grupos
económico-financeiros que actuam sem
rosto nem alma. E em Portugal não se fugiu à regra.
A despoluição trazida ao Planeta
com a diminuição de certas formas de produção
e com a redução dos transportes poluentes veio também provar que, se houver
vontade política mundial, é possível salvar a Vida na Terra. E cada um de nós,
por si e como povo, pode e deve fazer o que for capaz para atingir esse
objectivo. Com o confinamento e a enorme redução de actividade humana, ficou
patente que é preciso redefinir a economia, transformando-a de força cega ao
serviço de minorias poderosas e sem escrúpulos perante a situação humanitária e
a pilhagem desenfreada de recursos da Terra, em uma economia assente nos
princípios ecológicos e a estes subordinada, e não o contrário.
A Política de
Ambiente como matriz
Entendemos que um Governo
democrático, nesta época de alterações climáticas, perda de biodiversidade e
extinção em massa de espécies causadas pelos seres humanos e de degradação
geral do ambiente, deve essencialmente eleger a Política de Ambiente como a
matriz de todas as demais políticas sectoriais, um Ministério do Ambiente deve
ser o primeiro a zelar por que os outros Ministérios assumam políticas de
respeito pelo território e pela natureza, e a «incomodar» o bastante para que
as directivas ambientais sejam consideradas prioritárias, por muito que isso
desagrade a grupos e a lobbies de interesses.
Para isso defendemos uma lógica de
governação e uma prática quotidiana de efectivo respeito pelos ditames da
defesa do Ambiente.
Avaliação de Impacte Ambiental deve
ser independente
- NÃO podemos continuar a pactuar com simulações de decisões que afectam o
Ambiente e a qualidade de vida bem como o fundo de fertilidade do território,
com usos e abusos de Estudos de Impacte Ambiental que são repetidos até que um
dê a decisão que convém aos interesses económicos em causa. Esses estudos,
quase sempre, e as decisões neles baseadas, têm revelado desprezo pelos valores
ecológicos, naturais e paisagísticos em vez de os defenderem, sujeitos que
estão aos interesses dos promotores dos empreendimentos a que se referem; as
avaliações de impacte ambiental a que dão origem não têm de modo geral revelado
nem independência nem imparcialidade, e já ninguém pode seriamente acreditar
que respeitam e defendem aqueles valores.
- É necessário assumir compromissos
éticos e fazer chegar à população uma certeza permanente de actuação conforme à
salvaguarda da qualidade de vida.
Almaraz:
posição firme de Portugal
- É preciso assumir uma posição firme
face a Espanha e obter sem mais adiamentos o encerramento da central nuclear de
Almaraz a qual, a 100 km da nossa fronteira, constitui uma autêntica bomba
atómica pronta a rebentar sem aviso. Quando ocorrer o previsível acidente – não
se trata de se mas de quando – as lágrimas depois serão derramadas em
vão. A Espanha não tem o direito de ignorar Portugal no caso de uma central
nuclear que já ultrapassou em muito o seu tempo de vida e o Governo português
não pode limitar-se a esperar silenciosamente que os espanhóis decidam como
entendem.
Aeroporto no
Montijo um erro crasso?
- É preciso ter a coragem de mandar
executar uma Avaliação Estratégica Ambiental para definir a mais correcta
localização para um aeroporto definitivo de que Lisboa precisa. O tráfego aéreo
não voltará a ser o mesmo, irá em decrescendo; no Japão já rolam comboios a 600
km/hora, sem poluição alguma, o futuro vem aí sem muitos aviões. A urgência de
um novo aeroporto afigura-se menos premente agora – continuar a insistir na
opção Montijo é um erro crasso. Acresce que a zona em
questão é um local de grande presença da avifauna. Ora já várias vezes se
registou a entrada de aves para os motores de aviões e em caso de aproximação à
pista podem acontecer
situações fatais.
- O Governo e os demais Poderes
instituídos estão a assumir uma tremenda responsabilidade pelos acidentes que
venham a ocorrer no Montijo se esta opção de aeroporto for por diante. E
perante a Europa, que cada vez mais se
preocupa com o Ambiente e a Conservação da Natureza, a construção dum aeroporto
internacional no Estuário do Tejo dará de Portugal uma péssima imagem. Haja a
coragem – porque sabemos que é necessária
coragem – para romper com possíveis compromissos que amarram o Governo a
uma opção por motivos meramente comerciais e dos interesses de uma empresa hegemónica.
Da ignissilva
à floresta nativa
- A situação da
gestão florestal complica-se de ano para ano, e são investidos milhões e
milhões de euros todos os anos para tentar reparar os estragos que resultaram,
pura e simplesmente, de terem sido desmantelados os Serviços Florestais e a
estrutura implantada no território, como existe em praticamente todo o mundo, com
administrações florestais e postos e casas de guardas florestais. Reconhecer
que foi errado é honroso, pois além de ter sido uma sujeição à indústria da
celulose e aos promotores da eucaliptação, com base numa espécie exótica
inibidora de qualquer forma de vida ao nível do solo, foi uma decisão profundamente
lesiva do interesse nacional – reconhecer isso seria um passo de grande dignidade
que o Governo poderia dar para preparar de vez uma solução para futuro, face ao
desastre que está a ser a gestão e a defesa das áreas florestais.
- Agora que as autoridades lançam um
Programa de Transformação da Paisagem, chegou a hora de reconhecer o papel
nefasto da «ignissilva», uma «floresta» assente em duas espécies grandemente
vulneráveis ao fogo e amontoadas em territórios extensíssimos e em realidade
quase sempre ao abandono. É necessário caminhar para a reconstituição gradual e
faseada de largos trechos de floresta autóctone, assente em espécies nativas,
com destaque para o sobreiro e para diversos tipos de carvalho, com rendimentos
que podem ser superiores aos de outras espécies mais inflamáveis. Esse
ressurgimento florestal nativo terá consequências positivas também no domínio
da água, da resistência à desertificação, da qualidade de vida, do turismo
equilibrado, que são monetariamente incalculáveis mas reais. Essa orientação deverá constituir um dos eixos de
qualquer política destinada ao interior, juntamente e em simbiose com o renascimento
da actividade agrícola de qualidade e ambientalmente não agressiva, o que
lamentavelmente é quase sempre silenciado e marginalizado face a programas que
não conseguem conceber o interior senão como uma réplica envergonhada das zonas
mais urbanizadas e industrializadas.
- Grande parte do abandono do interior português e, de modo geral,
do mundo rural, deve-se a não ter sido implementado o devido apoio à pequena e
média agricultura, tendo sido extintos os serviços de Extensão Rural que
poderiam ter criado o incentivo para a chegada de novos agricultores; ninguém
mais se interessou de forma empenhada pela valorização da investigação e da
experimentação agrícolas que são indispensáveis à revitalização do sector
agroflorestal ameaçado pelas alterações climáticas, como temos esperado em vão de um Governo que se quer democrático e
progressista.
Os signatários propõem às autoridades e à sociedade portuguesas estas
pistas e orientações, como um contributo para tornar Portugal um país mais
universalista, ambientalmente mais equilibrado e saudável, no qual seja
possível atenuar e superar as circunstâncias que levaram às fragilidades e
incapacidades reveladas pela actual crise sanitária.
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