Faz agora uma semana, houve na Cinemateca uma sessão comemorativa dos 80 anos da inauguração do Cinema Odeon, a 21 de Setembro de 1927. Passou-se A Viúva Alegre, o filme mudo de Erich von Stroheim, o mesmo que abriu a sala há 8 décadas atrás.
Pode parecer estranho comemorar-se a abertura de um cinema que está fechado há alguns anos, mas faz todo o sentido se pensarmos que o Odeon, apesar de encerrado e bastante degradado, ainda pode ser salvo e recuperado para a cidade - como se fez ao São Jorge. Ao contrário de quase todos os outros cinemas monumentais, históricos e de bairro de Lisboa, que ficaram ao abandono, foram demolidos, reconvertidos para outros negócios ou então partidos em várias salas pequenas para continuarem a passar filmes.
É impressionante. Em poucos anos, mudou tudo. Vetustos, velhos ou não tão antigos como isso, os cinemas tradicionais da capital desapareceram quase todos, e foram substituídos pelos multiplexes dos centros comerciais. Os relativamente recentes Nimas e o Quarteto - este o primeiro dos multiplexes portugueses, ainda sem shopping à volta - já são chamados de "sobreviventes".
A experiência de ir ao cinema alterou-se por completo. Ir ao Monumental não era o mesmo que ir ao Odeon, como ir ao Star não era igual a ir ao Lys. Agora, é tudo a mesma coisa. Há uma geração que já não sabe - nunca chegou a saber - o que é entrar num cinema a sério, num "mastodonte" como o Império ou o Eden, num estúdio como o 444, o Satélite ou o Apolo 70, numa sala de bairro como o Berna, o Alvalade, o Europa, ou o Royal, ou num "piolho" popular como o Salão Lisboa (este o original), o Max ou o Olympia, o do tempo das sessões duplas em que no intervalo se guardava o lugar com um lenço atado ao assento, porque senão voltávamos e estava lá um castiço sentado a beber vinho por uma garrafa sem rótulo, e tínhamos que mudar de lugar para ver, de seguida, Hércules Contra os Mongóis e Cava a Tua Sepultura, Sartana Está a Chegar.
Não contando com o remodelado São Jorge, o cinema mais antigo de Lisboa, se ainda está em actividade e a passar filmes hardcore, deve ser o Cinema Paraíso, que viu a luz do dia em 1904 com o nome de Salão Ideal. O Ideal até teve som antes do cinema começar a falar, como recorda Marina Tavares Dias no volume 7 de Lisboa Desaparecida, porque um dos dois fundadores se lembrou de pagar a pessoas para se porem por trás do ecrã, e fazerem barulhos sincronizados com o que ia acontecendo nos filmes mudos exibidos.
Será assim tão caro e complicado recuperar o bom e velho Odeon, por onde passaram desde realizações de von Stroheim, Capra, Lang e Eisenstein, a musicais com António Calvário e Madalena Iglésias, encharca-lenços espanhóis e mexicanos e as primeiras produções de Hong Kong vistas em Portugal, mais o inenarrável fenómeno espanhol O Delicadinho do 5º, durante o caetanismo, e do qual se dizia que anunciava a queda do regime? Há mais histórico do que isto, caramba?
Eurico de Barros (in DN)
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