O grito de revolta é um autocolante amarelo e negro que mostra um automobilista obeso a sair de um carro que acabou de estacionar em cima de uma passadeira de peões. Os guerrilheiros são duas dezenas de amigos e conhecidos de Lisboa que se organizaram em movimento cívico para colar a tarjeta em tudo quanto é veículo a ocupar abusivamente os espaços que não lhe estão destinados.
Se costuma parquear em cima da calçada ou noutro qualquer local reservado aos peões, corre o risco não só de ser multado como de receber uma destas prendas do movimento Passeio Livre. "Não pense só no seu umbigo", aconselha o autocolante. "Respeite os seus concidadãos. Estacionar no passeio torna a vida mais difícil para os peões, principalmente deficientes motores, idosos, pessoas com carrinhos de bebé ou compras."
Depois de se quotizarem, os membros do movimento conseguiram imprimir 15 mil exemplares do autocolante, que começaram na segunda-feira a deixar nos carros em infracção. "Somos pessoas com formação superior, muitas de nós ligadas à área dos transportes e dos estudos da mobilidade. Fomos alunos do Instituto Superior Técnico, pertencemos ao mesmo círculo de amigos", conta um dos elementos do Passeio Livre, que prefere só se identificar como João Luís. "Inspirámo-nos na Grécia, onde foi lançada uma campanha que tinha um burro como símbolo da teimosia e do egoísmo".
No blogue do movimento (http://passeiolivre.blogspot.com) há fotografias de automóveis nos sítios e nas posições mais improváveis, algumas a desafiar a lei da gravidade. Na caixa de mensagens esgrimem-se argumentos. Há quem queira aproveitar a ideia para "punir" os automobilistas de outros pontos do país ("Excelente ideia! Moro em Arruda dos Vinhos, e gostaria de saber se não se importam que imprima autocolantes para colar nos infractores por aqui, que são muitos")
Há também quem critique a actuação do movimento. "Esta acção é ridícula. Se vocês vivessem no bairro onde vivo e nos bairros circundantes [Alfama, S. Vicente, Castelo, Mouraria] sabiam que é quase impossível arranjar estacionamento sem ser em cima do passeio. Se realmente se preocupam com essa questão em vez de se armarem numa EMEL [Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa] popular, reportem à câmara o direito de haver estacionamento público gratuito ordenado em vez de ser tudo com parquímetros ou espaços com condomínios privados de classe alta", comentou um morador da Graça.
O Passeio Livre responde que as alternativas existem, só que são pagas, e que há uma cultura dominante que é preciso mudar. "Isto não é um problema político. É um problema cultural", insistem. "Há uns anos também era socialmente aceitável deixar o cão defecar em cima do passeio e não apanhar o cocó".
"Eu não compro um piano de cauda se não tiver uma casa onde ele caiba", exemplifica João Luís. Depois atira com um dado importante: apenas 30 por cento dos habitantes de Lisboa têm carro. Os restantes automóveis que todos os dias entopem ruas e passeios vêm de fora. E as autoridades? "Têm uma actuação manifestamente insuficiente", responde o activista. "No nosso blogue também temos imagens de carros da polícia em cima do passeio".
O presidente da Câmara admitiu que estava a ter dificuldades em solucionar o problema de estacionamento na cidade
a O presidente da Câmara de Lisboa bem o prometeu assim que tomou posse no Verão de 2007: uma das suas primeiras medidas seria acabar com a tolerância em matéria de estacionamento. A escassos seis meses de novas eleições autárquicas, tudo continua muito parecido com o que era. O parqueamento selvagem continua a ser a norma. E a prioridade aos peões defendida pelo candidato no seu programa eleitoral é ainda uma intenção não concretizada.
Que o assunto irrita muitos lisboetas, provam-no as sugestões que enviaram para a câmara aquando da elaboração do orçamento participativo do município. Mas a verdade é que, apesar das reclamações então recebidas, nenhum dos projectos de investimento seleccionados pela autarquia na sequência das indicações dos munícipes contempla medidas nesta área. Quando são confrontados com o problema do estacionamento, os responsáveis camarários acenam com os lugares exclusivos para residentes que têm estado a criar nalguns bairros da cidade e justificam o caos em que a cidade continua mergulhada com o facto de a divisão de trânsito da PSP não estar sob alçada da autarquia, como há muito reivindica António Costa.
O próprio presidente da câmara admitiu, em Julho passado, as dificuldades que estava a ter em solucionar as questões de estacionamento da cidade, algo que não se resolve apenas com acções simbólicas como a retirada do trânsito do Terreiro do Paço ou com a redução do tráfego na Baixa.
Num debate recente, o autarca criticou a "colonização da cidade pelo automóvel". "Temos que dificultar a entrada de carros em Lisboa", defendeu uma vez mais. Porque "nem se houver helicópteros" a servir de transporte público os automobilistas abdicarão de vir de carro para a cidade. A.H.
No Diário de Notícias:
"Passeio Livre de automóveis não reúne consenso. Peões queixam-se dos passeios obstruídos pelos carros e apelam ao uso dos transportes públicos. Os automobilistas não gostam dos autocolantes que um grupo de cidadãos anda a colar nos carros estacionados na calçada."
4 comentários:
Não me parece que tudo continue «muito parecido» no que toca ao estacionamento irregular em Lisboa.
Entendo que a situação nunca teve contornos tão graves e mesmo anedóticos como agora acontece.
E não são para aqui chamadas simpatias ou antipatias partidárias, assunto para que, de resto, me estou absolutamente borrifando.
Isso é uma questão interessante.
Pessoalmente parece-me que a aceitação social do fenómeno nunca esteve tão grave.
Mas o estacionamento irregular em si, está em geral melhor devido aos pilaretes. Há 10 anos eles eram raríssimos em Lisboa, e na altura havia muitos chassis a centímetros das paredes dos prédios.
O autocolante maravilha resolve os problemas de estacionamento em Lisboa?
Eu acho uma boa ideia.
Se calhar é tão simples dar consciência as pessoas..................
Nonima
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