quinta-feira, outubro 14, 2010

No rescaldo do Centenário

Tirando as exposições e comunicações da praxe, o que fica de um ano de comemorações do Centenário da República? Uma bandeira nacional ao vento por debaixo do arco da R. Augusta, hasteada por individualidades e com fanfarra, para horas depois ser rasgada dos varões (sintomático do estado da nação?). Uns números circenses de trazer por casa que trouxeram cabeçudos ao Terreiro do Paço e bigodaças e Darth Vaders (pobre herói!) à Pç. Município. A inauguração de um punhado de escolas primárias. E a oportunidade perdida de, a propósito do Centenário, CML e Governo terem podido preservar e recuperar património fruto e obra da I República, um, de cariz primordialmente republicano, outro.

Por alturas do Verão de 2009, logo se viu que haveria muito pouco para celebrar no que concerne à recuperação do património edificado ao tempo da I República, pois que ao mesmo tempo que a Assembleia da República organizava uma importante e bonita exposição dedicada ao grande Arq. Ventura Terra (1866-1919), autor do projecto original do Parlamento e, ao mesmo tempo, um dos primeiros vereadores republicanos da CML (1908); na capital real, umas quantas avenidas acima, o executivo camarário não quis travar o projecto de demolição que um seu antecessor de má memória aprovou em 2005 para os prédios de rendimento construídos na altura pelo Arquitecto para a Avenida da República, esquina com a Av. Elias Garcia. Não quis, não pôde nem soube, pouco importa. O que importa é que hoje já nada resta dos prédios a não ser as fachadas principais. Foram-se a tardoz, e os ricos interiores forrados a madeira exótica e tectos em estuque, e um elevador de arromba, objecto de gula de muita e boa gente. Triste sina a do Património. Ainda em 2009, o IGESPAR encerrou o processo de classificação do 1º Bairro Social da República, no Arco do Cego. Motivo: foram sendo aprovados projectos que tais de alterações e ampliações que transfiguraram irremediavelmente a morfologia do bairro. Pois. Outra oportunidade perdida. Mas muito mais foi esquecido pelas Comemorações:

Desde logo as Vilas Operárias, onde praticamente “nasceu” a República mas em que a grande maioria não tem alma e apenas espera por um qualquer promotor imobiliário. A antiga Escola Nocturna, em Carnide, uma instituição que foi promovida por eminentes republicanos, neste momento em estado lastimável. A Escola Oficina nº 1 (a primeira!) no Largo da Graça, para a qual esteve para ser aprovado há pouco tempo um projecto imobiliário que a adulteraria por completo. E aquele edifício singelo da Rua da Esperança, Nº 16-20, entretanto corrido a perfis de alumínio mas onde uma imponente placa assinala “No 3º andar deste prédio reuniram pela última vez os revolucionários 3-10-2010”. Deveriam voltar a reunir?



In Jornal de Notícias (14.10.2010)

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