sexta-feira, dezembro 31, 2010
Trágico balanço
UM TRÁGICO BALANÇO, o do presente ano de guerra civil nas estradas. Mas, no mundo de fantasia em que vivem o MAI e a ANSR, está tudo "no melhor dos mundos" (como diria o Cândido, o de Voltaire, ao ser lançado para a fogueira de um auto-da-fé no Rossio lisboeta).
Semanário O SOL
30/12/10
«PROVAVELMENTE este ano vai encerrar com mil mortos». A previsão é de José Trigoso, director-geral da Prevenção Rodovíária Portuguesa, referindo-se ao novo método de contagem da sinistralidade (‘mortos a 30 dias’), que entrou em vigor este ano e vai permitir saber quantas vítimas perdem a vida já nos hospitais, após o acidente.
Só até 21 de Dezembro, note-se, já morreram 725 pessoas, mais cinco do que em igual período de 2009.
Defendendo que este padrão se aproxima mais da «realidade», Trigoso sublinha que é preciso redireccionar esforços para a segurança dos peões e dentro das localidades: «Os dados (disponíveis apenas até Maio) mostram que existe um acréscimo geral de 35% de mortos. Dentro das localidades, o aumento é de 48% e, na categoria dos peões, o agravamento é de 82%».
Rede nacional de radares por criar
Esta, porém, foi «a única alteração visível» introduzida este ano. «A Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária (aprovada em Conselho de Ministros em Maio de 2009) previa muitas outras acções, mas até agora esta foi a única posta em prática. Os grupos de trabalho constituídos há mais de um ano não voltaram a reunir», critica Trigoso, temendo que este documento, cuja execução compete à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), «não saia do papel», como sucedeu com o Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, de 2003.
Segundo o calendário das acções, que se prolongam até 2015, a rede nacional de radares, por exemplo, já devia ter sido executada (o prazo terminava este ano). Mas, até agora, nem o concurso público internacional foi lançado para esta operação, que envolve dois mulhões de euros.
Por outro lado, também a fiscalização policial, observa Trigoso, te pecado por defeito: «Somos os país da União Europeia com menos condutores punidos por excesso de velocidade; a Holanda chega aos nove milhões».
No terreno, atesta o coronel Lourenço da Silva, que comandou a Brigada de Trânsito (BT), os problemas perpetuam-se, desde logo com uma «visível» ausência de policiamento: «A criação da Divisão de Trânsito e Segurança Rodoviária não foi mais que um mero órgão burocrático que, tardiamente, pretendeu, sem qualquer resultado, dar sequência ao trabalho da comissão criada para corrigir as consequências da destruição da BT».
Uma situação «difícil de inverter a curto prazo», considera Manuel João Ramos, da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados: «O impressionante aumento de mortes infantis (mais de 20%, mesmo ainda sem a contagem a 30 dias) e de vítimas em motorizadas (mais 20%) são sinais da dísfuncionalidade na fiscalização».
Auditoria arrasa ANSR
Manuel João Ramos vai mais longe: «Temos um ministro desgastado , sem capacidade de dialogo e de acção, que se tornou parte do problema em vez de ser parte da solução».
O balanço das políticas de 2010 é, portanto, pouco optimista: «Mesmo que a contragosto e por imposição europeia, o Estado português transpõs duas importantes directivas: a contagem de mortos a 30 dias e as auditorias de segurança rodoviária».
A primeira medida, embora com dados ainda frágeis, aponta já «graves problemas estruturais». A segunda está por aplicar, porque o diploma só foi aprovado anteontem – o prazo fixado era até 2009.
«Benéfica», acrescenta João Ramos, foi ainda a auditoria realizada pela Inspecção Geral da Administração Interna à ANSR (divulgada pelo SOL em Novembro passado), por ter «evidenciado que este organismo está a funcionar muito mal (600 mil multas prescritas nos últimos anos)», A resolução do problema, defende, «poderá passar pela demissão da equipa dirigente».
Para já, a ANSR anunciou apenas uma actualização do SCOT (Sistema de Contra Ordenações de Trânsito) que vai «encurtar os prazos de notificação dos infractores, ao mesmo tempo que lançou mais uma campanha de prevenção, desta feita intitulada ‘Nestas festas o melhor que pode oferecer é estar presente’.
Etiquetas:
MJR sinistralidade rodoviária ACA-M ANSR MAI
quinta-feira, dezembro 30, 2010
Para o ano
O Inverno está muito frio e chuvoso e é por entre os pingos da chuva e o frio que vamos iniciar o novo ano, literalmente e em sentido figurado.
Estes tempos estão ásperos, muito ásperos, e é neles que as sociedades fazem ajustes de contas generalizados que, não raro, apanham muitos inocentes (basta ouvir as pessoas para perceber a revolta e até a raiva latente, quando não já assumida).
As contas dos transportes, da água, da luz, do telemóvel e a prestação da casa vão subir; as retribuições vão diminuir e mesmo desempregados e reformados passam a pagar taxas moderadoras. O desemprego não pára de aumentar. O desespero não é bom conselheiro, mas existe.
No momento em que os indicadores de desestruturação social sobem, não deixa de raiar a falta de senso e de ser deveras peculiar a iniciativa do Governo de facilitar a venda de armas. Antes fosse o Governo por caminhos de exemplo, até porque há um programa gigantesco a iniciar: a credibilização da política; a dignificação da justiça; o disciplinar a actividade legislativa; o redimensionar do Estado, o planificar a reestruturação dos sectores produtivos, a criação efectiva de uma rede de apoio social Estado/Autarquias/IPSS; combater o desemprego; aumentar o emprego; incentivar a inovação; incentivar as empresas; desburocratizar o País, qualificar o ensino... E um manual de boas práticas para o sector público e privado também calhava. Pôr ordem no sector empresarial público convinha, assim como despartidarizar e criar uma cultura de exigência e responsabilidade.
Ao mesmo tempo é imperioso erradicar as pragas que se alimentam de todos nós, a vários títulos, que em nada se saciam. E evitar medidas como por exemplo não fazer de conta que se qualificam os desempregados através do recurso – o que seria um verdadeiro embuste – às "novas oportunidades", nem continuar a desmantelar ou a gerir anarquicamente o SNS.
Ao contrário, convém não matar uma parte da classe média com a dose que o Código Contributivo anuncia.
Não temos sinais encorajadores em nenhuma das áreas que aqui elenquei e como se vê há muito por fazer e outro tanto para desfazer. É evidente que fácil não é, mas muitas das nossas disfunções também não são tão difíceis assim de tratar: passa é por regras, rigor, orçamentos, planificações, responsabilização, essas coisas cuja existência contribui para a transparência que tantos odeiam. Pode ser... para o ano.
Estes tempos estão ásperos, muito ásperos, e é neles que as sociedades fazem ajustes de contas generalizados que, não raro, apanham muitos inocentes (basta ouvir as pessoas para perceber a revolta e até a raiva latente, quando não já assumida).
As contas dos transportes, da água, da luz, do telemóvel e a prestação da casa vão subir; as retribuições vão diminuir e mesmo desempregados e reformados passam a pagar taxas moderadoras. O desemprego não pára de aumentar. O desespero não é bom conselheiro, mas existe.
No momento em que os indicadores de desestruturação social sobem, não deixa de raiar a falta de senso e de ser deveras peculiar a iniciativa do Governo de facilitar a venda de armas. Antes fosse o Governo por caminhos de exemplo, até porque há um programa gigantesco a iniciar: a credibilização da política; a dignificação da justiça; o disciplinar a actividade legislativa; o redimensionar do Estado, o planificar a reestruturação dos sectores produtivos, a criação efectiva de uma rede de apoio social Estado/Autarquias/IPSS; combater o desemprego; aumentar o emprego; incentivar a inovação; incentivar as empresas; desburocratizar o País, qualificar o ensino... E um manual de boas práticas para o sector público e privado também calhava. Pôr ordem no sector empresarial público convinha, assim como despartidarizar e criar uma cultura de exigência e responsabilidade.
Ao mesmo tempo é imperioso erradicar as pragas que se alimentam de todos nós, a vários títulos, que em nada se saciam. E evitar medidas como por exemplo não fazer de conta que se qualificam os desempregados através do recurso – o que seria um verdadeiro embuste – às "novas oportunidades", nem continuar a desmantelar ou a gerir anarquicamente o SNS.
Ao contrário, convém não matar uma parte da classe média com a dose que o Código Contributivo anuncia.
Não temos sinais encorajadores em nenhuma das áreas que aqui elenquei e como se vê há muito por fazer e outro tanto para desfazer. É evidente que fácil não é, mas muitas das nossas disfunções também não são tão difíceis assim de tratar: passa é por regras, rigor, orçamentos, planificações, responsabilização, essas coisas cuja existência contribui para a transparência que tantos odeiam. Pode ser... para o ano.
In Correio da Manhã
Sonata para um menino que está a chegar
Vens juntar-te nós e, em si mesma, a tua vinda é já um acto de comovente beleza. Há muito que te esperávamos, provindo dessa interminável sequência na qual se tecem os fios da nossa condição. As coisas não estão boas, por aqui. Mas os tormentos que nos assolam não calam a voz das nossas esperanças. Vem, menino. Pertences a uma estirpe que acendeu o seu lume em muitos campos alheios e fez um leito de nações num concerto de poesia que dura há séculos. Que quer, rigorosamente, dizer isto? Que o parágrafo das nossas vidas tem sido extenso e que, no encontro com os outros, alargámos os laços da nossa pessoal intimidade.
Vem, menino. Menino novo, cujo coração unânime vai bater como o coração de um anjo que sorri e nos acena. Sei que vais ser um menino feliz, como eu sou feliz ao escrever esta afirmação pausada. Menino feliz porque te espera um coro de risos, de faces radiantes; a paixão de quem quer dar tudo pela fortuna de te ter consigo e o regozijo de nos pertenceres para te pertencermos.
Há muito que te esperávamos. Há muito que te esperava, como o louvor de uma boa nova ou o sinal de uma luz rigorosa para a festa de todas as festas. E aí vens.
Já se sabe como é o mundo: sombrio e venal, cobarde e duro, obscuro e triste, glorioso e valente, tímido e arrogante, calado e grosseiro. Já se sabe. Mas a qualidade áurea das criaturas que o habitam e que o moldam, com a argila das suas individuais deficiências, faz com que, todos os anos, continuemos a acreditar. E assim nascem meninos como tu, produtos dessa crença confusa na concórdia que nos impele para todos os recomeços.
Em cada ano que atravessa outro ano renovam-se os risos, remoçam os alvoroços, renascem os velhos no olhar dependente dos meninos, porque os velhos são meninos que se prolongam na pontualidade e no espanto das coisas permanentemente inauguradas. A vida, como é hábito.
Espero-te com a emoção de quem viajou por muitos bares, muitas cartografias, por muitas palavras, por muitos socalcos. Mas não quero dar-te conselhos. Os conselhos são o modo de os antigos imporem uma ridícula superioridade. A expressão: "No meu tempo..." é o início de algo de enfadonho; a fastidiosa e inútil frase que pretende doirar o passado de misérias e afrontas. Como se isso fosse possível. O tempo é todo nosso, o teu e o meu, pode levar tudo, mas nunca lava tudo.
O mundo anda atrapalhado e aflito. Há quem pense que deixou de haver lutas e que a nitidez do entendível perdeu-se no opaco e na desistência. Vais ver que as realidades não são bem assim e que as razões da existência dispõem de argumentos poéticos com os quais se pode enfrentar a manipulação, a omissão, o medo e a mentira.
Não te demores.
Vem, menino. Menino novo, cujo coração unânime vai bater como o coração de um anjo que sorri e nos acena. Sei que vais ser um menino feliz, como eu sou feliz ao escrever esta afirmação pausada. Menino feliz porque te espera um coro de risos, de faces radiantes; a paixão de quem quer dar tudo pela fortuna de te ter consigo e o regozijo de nos pertenceres para te pertencermos.
Há muito que te esperávamos. Há muito que te esperava, como o louvor de uma boa nova ou o sinal de uma luz rigorosa para a festa de todas as festas. E aí vens.
Já se sabe como é o mundo: sombrio e venal, cobarde e duro, obscuro e triste, glorioso e valente, tímido e arrogante, calado e grosseiro. Já se sabe. Mas a qualidade áurea das criaturas que o habitam e que o moldam, com a argila das suas individuais deficiências, faz com que, todos os anos, continuemos a acreditar. E assim nascem meninos como tu, produtos dessa crença confusa na concórdia que nos impele para todos os recomeços.
Em cada ano que atravessa outro ano renovam-se os risos, remoçam os alvoroços, renascem os velhos no olhar dependente dos meninos, porque os velhos são meninos que se prolongam na pontualidade e no espanto das coisas permanentemente inauguradas. A vida, como é hábito.
Espero-te com a emoção de quem viajou por muitos bares, muitas cartografias, por muitas palavras, por muitos socalcos. Mas não quero dar-te conselhos. Os conselhos são o modo de os antigos imporem uma ridícula superioridade. A expressão: "No meu tempo..." é o início de algo de enfadonho; a fastidiosa e inútil frase que pretende doirar o passado de misérias e afrontas. Como se isso fosse possível. O tempo é todo nosso, o teu e o meu, pode levar tudo, mas nunca lava tudo.
O mundo anda atrapalhado e aflito. Há quem pense que deixou de haver lutas e que a nitidez do entendível perdeu-se no opaco e na desistência. Vais ver que as realidades não são bem assim e que as razões da existência dispõem de argumentos poéticos com os quais se pode enfrentar a manipulação, a omissão, o medo e a mentira.
Não te demores.
In Diário de Notícias
Votos para 2011
Chegados a 31 de Dezembro, e pela parte que me toca nesta coluna, mais do que fazer votos que aconteçam coisas boas no ano que aí vem, importa fazer votos que NÃO voltem a acontecer outras tantas coisas más por que passaram Lisboa e arredores em 2010. Coisas que, compreensivelmente, revoltaram as pessoas, ou que, incompreensivelmente, não as revoltando contribuíram de facto para uma Lisboa mais feia e menos rica em património.
Desde logo, faço votos que em 2011 não se voltem a repetir “arboricídios” como os que dizimaram os pobres choupos do Jardim do Príncipe Real, ou os que neste preciso momento assolam os vetustos plátanos de Colares. No primeiro caso, tivesse havido bom senso, pedagogia e respeito pelo próximo, e muita coisa se teria evitado. No segundo, por mais esclarecimentos e desculpas de mau pagador que me apresentem, obrigado, mas mais do mesmo, não, que árvores de copa feita demoram a tê-la quase uma vida de homem!
Os mesmos votos no que se refere às vistas ou à falta delas, e que em 2011 não façam escola nem a “Legolândia” do novo Estoril-Sol, nem obstruções a miradouros como a descarada do cimo das Escadas do Chão do Loureiro, em Lisboa. Por causa do primeiro, as vistas da baía de Cascais desde o mar tornaram-se insuportáveis, e no segundo, por causa de um tolo de um elevador pseudo-panorâmico, acoplado a um silo para automóveis, ficou zarolho um dos sistemas de vistas gratuitos mais populares da zona histórica de Lisboa. No que toca a causa maior, a do património edificado, bom:
Que no ano que vem não se repitam atentados ao património como os perpetrados em Lisboa ao Palácio do Contador-Mor, arrasado apesar dos pareceres contra de serviços vários da Cultura; ou aos prédios Ventura Terra, na Av. República, arrasado nos 100 anos da República do Arquitecto; ou à casa modernista de Almada e António Varela, na Rua da Alcolena, num processo tão desprezível e vil como bem encenado pelas várias entidades envolvidas … apenas comparável ao recente Rato que a CML decidiu este Natal deixar a Lisboa no seu sapatinho!
Também faço votos que, à custa do Plano de Pormenor, o Chiado não contamine a Baixa, e não se alastre a jusante o que tem sido regra geral a montante: alterações em barda que passam pelo esventramento a 100% de edifícios, seguidas de reconstruções a betão e alumínio, e caves para estacionamento automóvel; muito menos que se estropie São Paulo à custa da sua não inclusão da área daquele Plano. Tampouco que o Jardim Botânico vire logradouro de condomínios à custa do Parque Mayer.
Faço ainda votos que o novo PDM proteja o património de Lisboa e não vire rede de arrastão. E que 2011 seja o ano do Azulejo e do “meu” Cinema Odéon, e que haja boas notícias em ambos os casos. Votos desmesurados?
Desde logo, faço votos que em 2011 não se voltem a repetir “arboricídios” como os que dizimaram os pobres choupos do Jardim do Príncipe Real, ou os que neste preciso momento assolam os vetustos plátanos de Colares. No primeiro caso, tivesse havido bom senso, pedagogia e respeito pelo próximo, e muita coisa se teria evitado. No segundo, por mais esclarecimentos e desculpas de mau pagador que me apresentem, obrigado, mas mais do mesmo, não, que árvores de copa feita demoram a tê-la quase uma vida de homem!
Os mesmos votos no que se refere às vistas ou à falta delas, e que em 2011 não façam escola nem a “Legolândia” do novo Estoril-Sol, nem obstruções a miradouros como a descarada do cimo das Escadas do Chão do Loureiro, em Lisboa. Por causa do primeiro, as vistas da baía de Cascais desde o mar tornaram-se insuportáveis, e no segundo, por causa de um tolo de um elevador pseudo-panorâmico, acoplado a um silo para automóveis, ficou zarolho um dos sistemas de vistas gratuitos mais populares da zona histórica de Lisboa. No que toca a causa maior, a do património edificado, bom:
Que no ano que vem não se repitam atentados ao património como os perpetrados em Lisboa ao Palácio do Contador-Mor, arrasado apesar dos pareceres contra de serviços vários da Cultura; ou aos prédios Ventura Terra, na Av. República, arrasado nos 100 anos da República do Arquitecto; ou à casa modernista de Almada e António Varela, na Rua da Alcolena, num processo tão desprezível e vil como bem encenado pelas várias entidades envolvidas … apenas comparável ao recente Rato que a CML decidiu este Natal deixar a Lisboa no seu sapatinho!
Também faço votos que, à custa do Plano de Pormenor, o Chiado não contamine a Baixa, e não se alastre a jusante o que tem sido regra geral a montante: alterações em barda que passam pelo esventramento a 100% de edifícios, seguidas de reconstruções a betão e alumínio, e caves para estacionamento automóvel; muito menos que se estropie São Paulo à custa da sua não inclusão da área daquele Plano. Tampouco que o Jardim Botânico vire logradouro de condomínios à custa do Parque Mayer.
Faço ainda votos que o novo PDM proteja o património de Lisboa e não vire rede de arrastão. E que 2011 seja o ano do Azulejo e do “meu” Cinema Odéon, e que haja boas notícias em ambos os casos. Votos desmesurados?
In Jornal de Notícias (30.12.2010)
quarta-feira, dezembro 29, 2010
No Reino do Absurdo
PARA se perceber bem o que significa esta foto (tirada anteontem) e relacioná-la com a notícia do jornal, é preciso, antes, ver o que se documenta [aqui].
Repare-se, então, como foi corrigido o erro lá indicado: dos 3 ecopontos que bloqueavam a saída de emergência do Centro Comercial Acqua foram retirados 2, mantendo-se - precisamente! - o mais "estorvativo". O conjunto é completado com dois troncos-de-cone em betão maciço, e o logótipo da autarquia está bem visível, para que não restem dúvidas a quem se deve a maravilha.
A notícia de ontem do "i" está, pois, perfeitamente justificada. Com uma ressalva: há por lá funcionários que deviam ter 365 dias de tolerância de ponto (e ainda mais um, nos anos bissextos).
Repare-se, então, como foi corrigido o erro lá indicado: dos 3 ecopontos que bloqueavam a saída de emergência do Centro Comercial Acqua foram retirados 2, mantendo-se - precisamente! - o mais "estorvativo". O conjunto é completado com dois troncos-de-cone em betão maciço, e o logótipo da autarquia está bem visível, para que não restem dúvidas a quem se deve a maravilha.
A notícia de ontem do "i" está, pois, perfeitamente justificada. Com uma ressalva: há por lá funcionários que deviam ter 365 dias de tolerância de ponto (e ainda mais um, nos anos bissextos).
Estacionamento abusivo
Chegado por e-mail:
«Exmos. Senhores:
Polícia Municipal
Provedor da Carris
Do e-mail enviado anteriormente, já não referenciando outros e-mails de conteudo idêntico, enviados anteriormente, apenas obtive resposta do Provedor da Carris. Já nem pretendo respostas por escrito da entidade reguladora do trânsito em Lisboa (Polícia Municipal), mas que façam cumprir a lei que se encontra estgipulada e está em vigor (salvo erro), sobre as queixas apresentadas pelos munícipes sobre o estacionamento selvagenm em determinadas zonas referenciadas da cidade de Lisboa.
Se existem pessoas que não se incomodam (ou não se querem incomodar) com a situação, é porque ainda não aconteceu nada de grave com a atitude negligente e selvagem destes "condutores", ou porque não pretendem aborrecimentos com quem os pratica. Penso que estou no meu pleno direito de reclamar sempre que existam motivos para isso e este é um deles. Estacionar uma viatura, mesmo por mínima que seja como é a deste Smart, em cima do passeio e encostada a um poste de paragem da Carris, não só referencia um extremo acto de falta de civismo, como de total irresponsabilidade e desprezo pelas leis do Código da Estrada.
Hoje, mais uma vez, os habituais Smarts estão como se podem ver nas imagens. E continuarão a estar, impunemente, se ninguém tomar a atitude correcta para sanar a situação. Como cidadão, incomoda-me ter de andar pela estrada quando tenho (ou deveria ter) um passeio para circular; como utente da Carris, incomoda-me por ter de contornar um monte de lata, mesmo que pequena, na paragem do autocarro.
Com os meus respeitosos cumprimentos,
F Gomes
---------- Mensagem encaminhada ----------
De: .PROV (Provedor do Cliente)
Data: 10 de Dezembro de 2010 14:39
Assunto: FW: Smarts - Indignação (P3571-10)
Para: fgfragom@gmail.com
Exmo. Senhor
Francisco Gomes
Recepcionamos e agradecemos o e-mail que nos dirigiu, que mereceu a melhor atenção.
Como já foi referido anteriormente, trata-se de uma competência atribuída às entidades policiais. A Carris colabora com a Polícia Municipal, no sentido de evitar e punir os infractores que impeçam ou dificultem a circulação dos transportes públicos, em particular, nos corredores BUS.
Neste campo, as viaturas da Carris afectas a este serviço têm passado com frequência no local citado. Mas, como é referido acima, trata-se de um problema que deve ser relatado às entidades policiais.
Sempre ao vosso dispor, apresentamos os melhores cumprimentos.
Pl’ O Provedor do Cliente
Agostinho Antunes
Gab. Provedor do Cliente
www.carris.pt
De: Francisco Gomes [mailto:fgfragom@gmail.com]
Enviada: terça-feira, 7 de Dezembro de 2010 15:13
Para: pm@cm-lisboa.pt; pm.ntransito@cm-lisboa.pt; .PROV (Provedor do Cliente)
Cc: a.nossa.terrinha@gmail.com; carmoeatrindade@gmail.com; soslisboa@yahoo.co.uk; Passeio Livre; menos1carro@sapo.pt; estacionamentoselvagem@gmail.com
Assunto: Indignação (P3571-10)
Exmos Senhores:
Já enviei a V. Exas. vários e-mails denunciando situações de estacionamento selvagem na Rua Maria Pia, no local das imagens, nomeadamente entre os números de polícia 163 e 199 e no passeio em frente, ambas as zonas com paragens de transportes públicos da Carris e uma passadeira, em que viaturas e motociclos (scooters) encontram-se diariamente em situação de infracção ao estacionarem indevidamente em cima dos dois passeios, nas paragens da Carris e na passadeira, fazendo com que peões tenham de circular pela estrada devido a esta situação. E quando falo de peões, estou a nomear crianças, idosos, pessoas com dificuldades de locomoção e cadeirinhas de bebés.
E os infractores são sempre os mesmos porque as imagens assim o demonstram. Desde ontem - e mais que uma vez -, a scooter da imagem esteve estacionada em cima da paragem da Carris da carreira 742/12 até cerca das 14:30 de hoje, dificultando a entrada de passageiros para as viaturas. Se esta situação não é gozar com as pessoas, então quem a executa é um completo anormal que não mede as consequências da infracção que comete e terá de passar por nova avaliação psicológica e respectivo exame de código porque, pelos vistos, desconhece-os completamente e que se encontra, que eu saiba, na SUBSECÇÃO VI - Paragem e estacionamento, Artº. 48º. 1,2,4,5 e 6; Artº. 49º. 1 c), d), g); Artº. 50º. 1 a), c).
Nunca tive viatura automóvel porque optei por circular mais de 30 anos em motociclo, por isso sei e conheço as leis do Código de Estrada e que sempre foram cumpridas nesse período de circulação rodoviária o que me levou a que nunca tivesse uma única multa por qualquer tipo de infracção ou de estacionamento indevido. E desde que resido aqui há mais de 10 anos, vendi o motociclo porque constatei que não tinha local devido para estacionamento sem incomodar terceiros e passei a andar de transportes públicos. Por isso, acho-me no completo direito, como cidadão cumpridor das leis do meus país, de reclamar este tipo de situações que, não só dificultam a livre circulação de pessoas pelos espaços que lhes estão reservados - os passeios -, como coloca em perigo de vida a circulação fora dessa via, numa estrada estreita e em que, quando existe estacionamento em cima dos dois passeios, os condutores das viaturas da Carris têm de efectuar manobras para poderem passar um pelo outro. Ou será que, quando existir um acidente grave, serão tomadas as devidas providências?
Sem outro assunto de momento, subscrevo-me com os melhores cumprimentos,
--
F Gomes
segunda-feira, dezembro 27, 2010
Transportes aumentam 4,5 por cento em Janeiro
preço do bilhete simples de uma zona do Metro de Lisboa, por exemplo, aumenta cinco cêntimos, passando a custar 90 cêntimos, anunciou hoje a empresa em comunicado.
O passe ML 30 dias urbano do Metro de Lisboa aumenta para 19,55 euros, o passe combinado Carris-Metro de Lisboa Urbano 30 dias aumenta um euro, para 29,45 euros e o passe Metro de Lisboa/CP 30 dias passa a custar 36,40 euros.
Na Transtejo, o bilhete simples custa 90 cêntimos e o passe normal 30 dias sobe para 16,35 euros, segundo a informação disponível na página da empresa na Internet.
Na Soflusa, o bilhete simples aumenta para 1,85 euros, enquanto o passe normal de 30 dias passa a custar 28,10 euros.
A CP-Comboios de Portugal também já disponibiliza no seu site os novos preços. Nos urbanos de Lisboa, o bilhete para a zona 1 custa 1,30 euros e o passe mensal para a mesma zona custa 22,75 euros.
Nos comboios urbanos do Porto da CP, o bilhete simples para zona 1 custa 1,20 euros e o passe para a mesma zona custa 23,85 euros.
A CP diz no seu site que “brevemente estarão disponíveis para consulta os preços dos serviços Alfa Pendular, Intercidades, Regional e InterRegional”.
No Porto, o bilhete Z2 do Andante continua a custar um euro, enquanto o passe normal Z2 aumenta para 24,50 euros, de acordo com a informação disponível no site do Metro do Porto.
Na Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP), o bilhete de duas viagens passa a custar 1,85 euros, mais cinco cêntimos, e o de 10 viagens continua a custar 7,50 euros, enquanto quem comprar o bilhete dentro do autocarro pagará 1,50 euros.
Os transportes públicos aumentaram, pela última vez, a 1 de Julho deste ano. Na altura, os preços subiram, em média, 1,2 por cento, abrangendo os urbanos de Lisboa e do Porto, os colectivos rodoviários e ferroviários interurbanos e os fluviais da Área Metropolitana de Lisboa.
quinta-feira, dezembro 23, 2010
Um Museu a Preservar
Confesso a minha ignorância: nunca ouvira falar em Outsider Art, muito menos em Art Brut. E não fora um blogue lisboeta de referência (obrigado, «S.O.S»!) a chamar-me a atenção para determinada exposição a decorrer até 31 de Janeiro de 2011, no belíssimo e vanguardista pavilhão de segurança do Hospital Bombarda, e continuaria ignorante na matéria. A exposição, folheto lido “a posteriori”, é dedicada a “Um Século de Pintura de Doentes -Outsider Art” e é visitável à 2ª Feira e ao Sábado das 14h às 18h, e à 4ª Feira das 11h30 às 13h.
Coincidência das coincidências (“Yo no creo en las brujas; pero que las hay, las hay”), eis que pelo telefone me é feito convite irrecusável a visitar a exposição em apreço, e com direito a cicerone entusiasta e tudo. E irrecusável foi, apesar daquela tarde de Sábado ameaçar forte chuvada e convidar já por si à depressão. Aproveitaria até para conhecer “in loco” o famoso edifício panóptico (1896), referência internacional da herança do género, uma casa-museu … espécie rara em Lisboa, quando não em vias de extinção. Uma casa-museu “porque o Pavilhão de Segurança não é um edifício onde se instalou um museu, antes constitui uma importante componente museológica”.
Confissões feitas; chegado ao local, a minha primeira impressão foi: a Art Brut pouco ou nada terá de bruta mas tudo de Crua. Segunda: como é possível que esta “arte dos loucos”, como era conhecida no início do séc. XX, seja ainda desconhecida da generalidade dos portugueses quando lá fora é considerada não menos arte que as outras, veja-se a influência assumida por Picasso, por exemplo. Terceira: será possível que o Governo e demais gestores da coisa pública, no ímpeto de angariarem receitas extraordinárias pelo encerramento e venda dos ex-Hospitais Civis de Lisboa, planeiem o fecho desta valiosíssima casa-museu, e transferir o seu precioso acervo (pintura, desenho, azulejo, etc., em mais de 3.500 obras, desde 1902) para outra casa que não aquela? Parece-me contra-natura e um atentado ao património No entanto é isso que se prepara. Daí, talvez., a pouca projecção dada a esta exposição…
Há que apelar, já, às Sras. Ministras da Saúde e da Cultura, para que assumam como valiosa esta casa-museu, no Panóptico, e garantam, desde já, a sua continuidade ali e só ali, enquanto museu dedicado à Outsider Art e às neurociências. Mais, devem alargá-lo a outros espaços do hospital: Balneário D. Maria (1853), entrada, escadaria e salão nobre do corpo principal, e gabinete do próprio Miguel Bombarda. Mais ainda, devem a CML e esses ministérios trabalhar em prol de uma solução global para o hospital que não passe pelo estropiar da antiga Quinta de Rilhafoles, mas pela criação de um equipamento colectivo público, que sirva de motor de reabilitação da zona. Porque não a sua adaptação a Arquivo Municipal de Lisboa?
Coincidência das coincidências (“Yo no creo en las brujas; pero que las hay, las hay”), eis que pelo telefone me é feito convite irrecusável a visitar a exposição em apreço, e com direito a cicerone entusiasta e tudo. E irrecusável foi, apesar daquela tarde de Sábado ameaçar forte chuvada e convidar já por si à depressão. Aproveitaria até para conhecer “in loco” o famoso edifício panóptico (1896), referência internacional da herança do género, uma casa-museu … espécie rara em Lisboa, quando não em vias de extinção. Uma casa-museu “porque o Pavilhão de Segurança não é um edifício onde se instalou um museu, antes constitui uma importante componente museológica”.
Confissões feitas; chegado ao local, a minha primeira impressão foi: a Art Brut pouco ou nada terá de bruta mas tudo de Crua. Segunda: como é possível que esta “arte dos loucos”, como era conhecida no início do séc. XX, seja ainda desconhecida da generalidade dos portugueses quando lá fora é considerada não menos arte que as outras, veja-se a influência assumida por Picasso, por exemplo. Terceira: será possível que o Governo e demais gestores da coisa pública, no ímpeto de angariarem receitas extraordinárias pelo encerramento e venda dos ex-Hospitais Civis de Lisboa, planeiem o fecho desta valiosíssima casa-museu, e transferir o seu precioso acervo (pintura, desenho, azulejo, etc., em mais de 3.500 obras, desde 1902) para outra casa que não aquela? Parece-me contra-natura e um atentado ao património No entanto é isso que se prepara. Daí, talvez., a pouca projecção dada a esta exposição…
Há que apelar, já, às Sras. Ministras da Saúde e da Cultura, para que assumam como valiosa esta casa-museu, no Panóptico, e garantam, desde já, a sua continuidade ali e só ali, enquanto museu dedicado à Outsider Art e às neurociências. Mais, devem alargá-lo a outros espaços do hospital: Balneário D. Maria (1853), entrada, escadaria e salão nobre do corpo principal, e gabinete do próprio Miguel Bombarda. Mais ainda, devem a CML e esses ministérios trabalhar em prol de uma solução global para o hospital que não passe pelo estropiar da antiga Quinta de Rilhafoles, mas pela criação de um equipamento colectivo público, que sirva de motor de reabilitação da zona. Porque não a sua adaptação a Arquivo Municipal de Lisboa?
In Jornal de Notícias
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As festas
O simbolismo do nascimento, do fim de um ano e do princípio de outro, surge sempre envolto numa certa lógica de esperança, independentemente da dimensão – religiosa ou não – que se empreste a esta época. E é essa esperança que hoje falha, com todos os nossos valores em crise profunda. Nestes dias, somos obrigados a mergulhar no predomínio do económico, em deficits; ‘yelds’; ‘credit default swaps’ (CDS), deflação, dívida soberana e sacrifícios. Estamos transformados num mero elemento económico, reduzidos a entidades abstractas, máquinas de produção sem carne e nervos, conjunto abstracto de pessoas que têm de produzir. São as consequências do modelo vigente de uma desresponsabilização mais profunda.
A esquizofrenia institucional campeia e não há quem não experimente uma sensação de amargura e de angústia perante a indefinição do que nos espera e que, seguramente, não pode ser nada de bom, nem a curto nem a médio prazo. É que não se abre um admirável mundo novo com a probabilidade de destruição de um modelo que apontava para a justiça humana possível, mas valha a verdade que muito se fez para que se chegasse aqui e quase nada para o evitar, quando o desastre já se via e não apenas se adivinhava. Quanta irresponsabilidade dos que afirmaram que assim se preparava o futuro!...
A verdade é que o Futuro que se antevê faz-nos ter saudades de um passado recente, mas sem os excessos que nos levaram ao paradigma do Homem consumidor.
Mas esta época das Festas – Natal e Ano Novo – pode ser uma época ainda mais dura para alguns, aqueles que nada têm para festejar: para muitos dos que estão sós, a solidão acentua-se e para os que pouco ou nada têm, acentuam-se sentimentos de desigualdade e de injustiça, com excepções que nos fazem corar.
Nestes tempos de empobrecimento e retrocesso, mais solidariedade e combate às chagas sociais transformam-se num imperativo moral para cada um de nós, em que não são aceitáveis omissões ou quaisquer desculpas.
Que ao menos se venha a ganhar colectivamente em consistência, estruturação social e desenvolvimento sustentado e nem tudo terá sido perdido. Dito de outra forma, ainda podemos vir a ter mais com menos e a exibição do ter (que tantos arruinou) pode vir a ser substituída pelo ser. Assim, façamos as festas que importam.
A esquizofrenia institucional campeia e não há quem não experimente uma sensação de amargura e de angústia perante a indefinição do que nos espera e que, seguramente, não pode ser nada de bom, nem a curto nem a médio prazo. É que não se abre um admirável mundo novo com a probabilidade de destruição de um modelo que apontava para a justiça humana possível, mas valha a verdade que muito se fez para que se chegasse aqui e quase nada para o evitar, quando o desastre já se via e não apenas se adivinhava. Quanta irresponsabilidade dos que afirmaram que assim se preparava o futuro!...
A verdade é que o Futuro que se antevê faz-nos ter saudades de um passado recente, mas sem os excessos que nos levaram ao paradigma do Homem consumidor.
Mas esta época das Festas – Natal e Ano Novo – pode ser uma época ainda mais dura para alguns, aqueles que nada têm para festejar: para muitos dos que estão sós, a solidão acentua-se e para os que pouco ou nada têm, acentuam-se sentimentos de desigualdade e de injustiça, com excepções que nos fazem corar.
Nestes tempos de empobrecimento e retrocesso, mais solidariedade e combate às chagas sociais transformam-se num imperativo moral para cada um de nós, em que não são aceitáveis omissões ou quaisquer desculpas.
Que ao menos se venha a ganhar colectivamente em consistência, estruturação social e desenvolvimento sustentado e nem tudo terá sido perdido. Dito de outra forma, ainda podemos vir a ter mais com menos e a exibição do ter (que tantos arruinou) pode vir a ser substituída pelo ser. Assim, façamos as festas que importam.
In Correio da Manhã
quarta-feira, dezembro 22, 2010
O Rebuçado
Íamos, os cinco, nos Restauradores. O dinheiro era pouco e, por isso mesmo, rateado. Fazia frio e éramos felizes. Decidimos, dentro do frio e na nossa felicidade frugal, sentarmo-nos na casa dos sorvetes e comer meia cassata. Antigamente, no tempo do frio, ninguém, em Lisboa, comia gelados, e arrepiávamo-nos quando víamos, nos filmes, miúdos e graúdos a lamber cones de sorvete. Mais tarde, muito mais tarde, em Moscovo, surpreendi o deleite, para mim inaudito, de ver magotes de gente a medir-se com enormes invólucros de plástico repletos de sorvetes de várias cores. Caminhava pelas ruas cheias de neve, na companhia do meu amigo José David Lopes, camarada do Diário de Notícias, e resolvemos beber vodca pelo gargalo de uma garrafa avulsa, acaso como retaliação absurda pela quantidade de pessoas lambedoras de sorvete.
Mas, naquele dia, éramos os cinco e não havia infelicidade que nos tocasse no batente. Sorríamos uns para os outros, e eu estava com aquele orgulho, um pouco tolo, um pouco ufano, do patriarca que nunca se desentende da sua condição. Os nossos três rapazes estavam naquela idade em que a música dos sonhos nunca se esfuma e tudo é permitido e possível. A minha mulher, jovem, serena e vigilante, observava-nos a todos, e eu sentia a pulsão do imperativo que a animava. Um dia, pensei, hei-de escrever sobre este momento, no qual se desprende o íntimo de um coração, e se ignora a metáfora. Não sei se chegou a altura.
Ela e eu tínhamos combinado comprar umas prendas aos filhos, era Natal, e eu recebera um bónus do jornal onde trabalhava. Dava para muito pouco, o bónus, mas sempre dava para alguma coisa. Por outro lado, o nosso filho do meio decidira trabalhar, na quadra de Natal, numa empresa de mudanças, a fim de amealhar trinta contos, o preço de umas botas de bico longo, suas preferidas que eu detestava por as considerar grosseiras. Ele tinha 17 anos e contrariávamos essa ideia tida por nós como disparatada. Por fim, ganhara a sua perseverança, e lá andara, durante um período, a carregar móveis. A mãe, preocupada e inquieta; eu, um pouco orgulhoso.
Chupávamos a cassata, calculados no que fazíamos e exactos no prazer modesto, na felicidade pequena que nos abrangia. Eis senão quando o nosso filho do meio se ergueu, sorriso de ponta a ponta da boca, braços abertos na exuberância afortunada que até hoje se lhe mantém. "Ah!, ganda Gabriel!", exclamou, para outro rapaz que se lhe aproximava, também exuberante e também alegre. "É um amigo meu das mudanças." Abraçaram-se, no júbilo de um reencontro inesperado. O Gabriel meteu a mão no bolso. Procurava o que não descobria ou não tinha. Por fim, extraiu algo pequeno e, pelo seu olhar, fútil. Estendeu um rebuçado.
"Bom Natal!", disse.
Mas, naquele dia, éramos os cinco e não havia infelicidade que nos tocasse no batente. Sorríamos uns para os outros, e eu estava com aquele orgulho, um pouco tolo, um pouco ufano, do patriarca que nunca se desentende da sua condição. Os nossos três rapazes estavam naquela idade em que a música dos sonhos nunca se esfuma e tudo é permitido e possível. A minha mulher, jovem, serena e vigilante, observava-nos a todos, e eu sentia a pulsão do imperativo que a animava. Um dia, pensei, hei-de escrever sobre este momento, no qual se desprende o íntimo de um coração, e se ignora a metáfora. Não sei se chegou a altura.
Ela e eu tínhamos combinado comprar umas prendas aos filhos, era Natal, e eu recebera um bónus do jornal onde trabalhava. Dava para muito pouco, o bónus, mas sempre dava para alguma coisa. Por outro lado, o nosso filho do meio decidira trabalhar, na quadra de Natal, numa empresa de mudanças, a fim de amealhar trinta contos, o preço de umas botas de bico longo, suas preferidas que eu detestava por as considerar grosseiras. Ele tinha 17 anos e contrariávamos essa ideia tida por nós como disparatada. Por fim, ganhara a sua perseverança, e lá andara, durante um período, a carregar móveis. A mãe, preocupada e inquieta; eu, um pouco orgulhoso.
Chupávamos a cassata, calculados no que fazíamos e exactos no prazer modesto, na felicidade pequena que nos abrangia. Eis senão quando o nosso filho do meio se ergueu, sorriso de ponta a ponta da boca, braços abertos na exuberância afortunada que até hoje se lhe mantém. "Ah!, ganda Gabriel!", exclamou, para outro rapaz que se lhe aproximava, também exuberante e também alegre. "É um amigo meu das mudanças." Abraçaram-se, no júbilo de um reencontro inesperado. O Gabriel meteu a mão no bolso. Procurava o que não descobria ou não tinha. Por fim, extraiu algo pequeno e, pelo seu olhar, fútil. Estendeu um rebuçado.
"Bom Natal!", disse.
In Diário de Notícias
domingo, dezembro 19, 2010
Como em Lisboa é acarinhada a "calçada portuguesa"
NA RUA da Palma, em Lisboa (em frente ao n.º 294), via-se, até há algum tempo, o que na imagem de cima se documenta. Como habitualmente, alertei a PT: seria necessário rodar a tampa (quadrada) de 90º. Quem lá foi fazer o trabalho deve ter achado que «antes a mais do que a menos», e rodou-a de 180º, com o resultado que se vê em baixo...
NOTA: ver mais [AQUI].
NOTA: ver mais [AQUI].
sábado, dezembro 18, 2010
Luzes de Natal
Hoje, como ontem ou anteontem, continua a ser passeio obrigatório cá da casa dar-se uma mirada às iluminações de Natal, de preferência agendando-o para uma ou duas noites, frias, de preferência, para se poderem apreciar devidamente as iluminações, sobretudo as da Baixa, entendida esta não tanto pelos limites físicos do plano de pormenor e salvaguarda recentemente despachado pela CML, mas mais como a Lisboa que sobre do Terreiro do Paço ao Marquês, do Camões ao Rato, e mais a que vai da Guerra Junqueiro à Igreja de São João de Brito. Com efeito, os anos vão passando, a crise nem tanto; mas as luzes que geralmente são accionadas exactamente um mês antes da Quadra ocorrer, são também um espectáculo a não perder seja a pé seja de carro, isto se por acaso a chuva não permitir uma agradável passeata “a butes” depois de jantar.
Ultimamente, contudo, tem havido uma série de evidentes abusos do espaço público e da afixação de publicidade neste âmbito, usurpando uma Quadra que nada deve ter que ver com semelhante mercantilismo e de que as iluminações dos últimos dois anos foram particularmente alvo, altura em que foi escandalosa a ocupação das praças mais importantes de Lisboa, de troncos e ramos de árvores e de fachadas de prédios, com luzes e letreiros debitando descaradamente publicidade a bancos, seguradoras e operadoras de telemóveis sob a forma de letreiros luminosos e “lasers” intermitentes.
Foi à custa de muito falatório e de muito protesto escrito, e do reconhecimento por quem de direito que havia de facto abuso, que lá se jurou a pés juntos que para o ano, este ano, a coisa mudaria, e que aberrações como as que se assistiu no Rossio e nos Restauradores. E de facto, excepção feita à parolice em que a Santa Casa da Misericórdia decidiu transformar o Rossio (CML e IGESPAR anuíram?), a diferença é abissal deste ano para o ano passado. Recuou-se na extravagância de cores e bonecada com que os adjudicatários das luzes têm vindo a brindar, sobretudo, a Baixa. As luzes são muito mais simples, mas não menos bonitas, antes pelo contrário. Obrigado, portanto.
Só que sobre as iluminações deste ano chegou a pairar o perigo de não luzirem de todo, por culpa da Sra. Crise. Houve discursos inflamados reclamando por cortes orçamentais, até pela sua supressão total, como forma do município poupar dinheiro (pura demagogia, injusta e gravosa, porque as luzes são seguramente incentivo à nossa auto-estima). Quem nos garante, portanto, que a longo prazo, já em tempo de abundância, não voltarão as luzes berrantemente coloridas, os bonecos de renas e trenós dependurados das fachadas, os letreiros manhosos? Não seria de aproveitar este ano de crise para se depurar, de uma vez por todas, a estética e o enquadramento das Luzes de Natal?
Ultimamente, contudo, tem havido uma série de evidentes abusos do espaço público e da afixação de publicidade neste âmbito, usurpando uma Quadra que nada deve ter que ver com semelhante mercantilismo e de que as iluminações dos últimos dois anos foram particularmente alvo, altura em que foi escandalosa a ocupação das praças mais importantes de Lisboa, de troncos e ramos de árvores e de fachadas de prédios, com luzes e letreiros debitando descaradamente publicidade a bancos, seguradoras e operadoras de telemóveis sob a forma de letreiros luminosos e “lasers” intermitentes.
Foi à custa de muito falatório e de muito protesto escrito, e do reconhecimento por quem de direito que havia de facto abuso, que lá se jurou a pés juntos que para o ano, este ano, a coisa mudaria, e que aberrações como as que se assistiu no Rossio e nos Restauradores. E de facto, excepção feita à parolice em que a Santa Casa da Misericórdia decidiu transformar o Rossio (CML e IGESPAR anuíram?), a diferença é abissal deste ano para o ano passado. Recuou-se na extravagância de cores e bonecada com que os adjudicatários das luzes têm vindo a brindar, sobretudo, a Baixa. As luzes são muito mais simples, mas não menos bonitas, antes pelo contrário. Obrigado, portanto.
Só que sobre as iluminações deste ano chegou a pairar o perigo de não luzirem de todo, por culpa da Sra. Crise. Houve discursos inflamados reclamando por cortes orçamentais, até pela sua supressão total, como forma do município poupar dinheiro (pura demagogia, injusta e gravosa, porque as luzes são seguramente incentivo à nossa auto-estima). Quem nos garante, portanto, que a longo prazo, já em tempo de abundância, não voltarão as luzes berrantemente coloridas, os bonecos de renas e trenós dependurados das fachadas, os letreiros manhosos? Não seria de aproveitar este ano de crise para se depurar, de uma vez por todas, a estética e o enquadramento das Luzes de Natal?
In Jornal de Notícias (16.12.2010)
sexta-feira, dezembro 17, 2010
Sem tempo
Os juros da dívida pública subiram ontem novamente e a taxa média quase duplicou, em relação aos custos do leilão de Novembro.
Uma agência de rating, a Fitch, vem ao País para rever o rating da República e uma equipa do FMI está em Portugal, pela segunda vez em mês e meio, assumidamente para discutir reformas estruturais.
Neste contexto, o primeiro-ministro afirma que agora vai ser diferente, mas como acreditar no fazer diferente de um responsável que nega sistematicamente a realidade e que nos conduziu onde estamos, sem qualquer sentido de desígnio nacional, obsessivamente centrado na manutenção, no controlo do poder? Há tudo a temer e, infelizmente, pouco a esperar. É óbvio que temos um problema sério na Zona Euro, mas esse problema deve-se, também, substancialmente, à forma como alguns países conduziram os seus destinos e entre eles, lamentavelmente, estamos nós.
A condução das políticas públicas ao sabor de alguns tem sido desastrosa e aqui nos trouxe. Ajudaria, e muito, que a Europa assumisse a responsabilidade de emissão da dívida europeia conjunta, com a reestruturação das dívidas dos chamados ‘periféricos’ (designação que, numa era de globalização, soa estranha), garantindo a irreversibilidade do euro e estancando a fragilização do sistema financeiro europeu. A questão não é ‘apenas’ uma mera questão económica e financeira: é social e de continuidade do projecto europeu. Precisamos de um colectivo verdadeiramente consciente das suas responsabilidades nos domínios vários da nossa vivência social. Não é tempo de alijar responsabilidades, exactamente porque este é um tempo para exigir de cada um as suas, por reduzidas que possam parecer aos próprios. Vivemos uma era de mutação acelerada dos fenómenos sociais e os movimentos de qualificação social estão a entrar em contraciclo, depois de nos termos habituado ao seu crescimento, como é justo.
Agora, é procurar essa qualificação social em valores substantivos, ainda que com muito menos recursos. Assim sendo, a primeira linha interna tem de passar pela aposta numa educação entendida no seu sentido maior, isto é, passando pelo reforço da consciência cívica e apelando ao investimento no bem comum. Num contexto mais vasto, não pode deixar de se apelar à regulação da globalização e à qualificação da Democracia. De outra forma, vamos mesmo assistir ao desabar de um mundo e, à velocidade a que os acontecimentos se sucedem, amanhã.
Uma agência de rating, a Fitch, vem ao País para rever o rating da República e uma equipa do FMI está em Portugal, pela segunda vez em mês e meio, assumidamente para discutir reformas estruturais.
Neste contexto, o primeiro-ministro afirma que agora vai ser diferente, mas como acreditar no fazer diferente de um responsável que nega sistematicamente a realidade e que nos conduziu onde estamos, sem qualquer sentido de desígnio nacional, obsessivamente centrado na manutenção, no controlo do poder? Há tudo a temer e, infelizmente, pouco a esperar. É óbvio que temos um problema sério na Zona Euro, mas esse problema deve-se, também, substancialmente, à forma como alguns países conduziram os seus destinos e entre eles, lamentavelmente, estamos nós.
A condução das políticas públicas ao sabor de alguns tem sido desastrosa e aqui nos trouxe. Ajudaria, e muito, que a Europa assumisse a responsabilidade de emissão da dívida europeia conjunta, com a reestruturação das dívidas dos chamados ‘periféricos’ (designação que, numa era de globalização, soa estranha), garantindo a irreversibilidade do euro e estancando a fragilização do sistema financeiro europeu. A questão não é ‘apenas’ uma mera questão económica e financeira: é social e de continuidade do projecto europeu. Precisamos de um colectivo verdadeiramente consciente das suas responsabilidades nos domínios vários da nossa vivência social. Não é tempo de alijar responsabilidades, exactamente porque este é um tempo para exigir de cada um as suas, por reduzidas que possam parecer aos próprios. Vivemos uma era de mutação acelerada dos fenómenos sociais e os movimentos de qualificação social estão a entrar em contraciclo, depois de nos termos habituado ao seu crescimento, como é justo.
Agora, é procurar essa qualificação social em valores substantivos, ainda que com muito menos recursos. Assim sendo, a primeira linha interna tem de passar pela aposta numa educação entendida no seu sentido maior, isto é, passando pelo reforço da consciência cívica e apelando ao investimento no bem comum. Num contexto mais vasto, não pode deixar de se apelar à regulação da globalização e à qualificação da Democracia. De outra forma, vamos mesmo assistir ao desabar de um mundo e, à velocidade a que os acontecimentos se sucedem, amanhã.
In Correio de Manhã
quarta-feira, dezembro 15, 2010
Não há MESMO nada a fazer...
NA AV. ROMA, em Lisboa, um cego é conduzido por uma idosa no meio dos habituais obstáculos que proliferam nos passeios da zona. A impotência (ou completa insensibilidade?) dos poderes públicos perante estas situações já é impossível de qualificar. Acresce a triste constatação de que a foto, apesar de ter sido tirada há um par de dias, poderia ser dos tempos de qualquer gestão autárquica - de Kruz Abecassis para cá.
terça-feira, dezembro 14, 2010
Debate de chacha num país de Leis-da-Treta
VAI por aí uma grande discussão entre elementos da PSP e das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto por causa das atribuições no controle do trânsito e do estacionamento.
Embora sem ter sido convidado, a minha contribuição para o debate (como parte interessada) consiste em divulgar estas 3 fotos (tiradas com pouco tempo de intervalo e no mesmo local) e desafiar os leitores a responderem às seguintes questões:
O que é que fizeram estes fiscais da EMEL? E os agentes da Polícia Municipal? E a Divisão de Trânsito da PSP?
Embora sem ter sido convidado, a minha contribuição para o debate (como parte interessada) consiste em divulgar estas 3 fotos (tiradas com pouco tempo de intervalo e no mesmo local) e desafiar os leitores a responderem às seguintes questões:
O que é que fizeram estes fiscais da EMEL? E os agentes da Polícia Municipal? E a Divisão de Trânsito da PSP?
domingo, dezembro 12, 2010
Mau sinal...
EM TEMPOS, da fachada deste prédio Av. Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, caíam bocados do revestimento em cima de quem passava. Ao fim de anos e anos com o passeio interdito (e sem que ninguém fizesse nada - imagens de cima), a obra de reparação lá se fez, e as grades colocadas pela CML, que impediam a circulação dos peões pelo passeio, foram retiradas.
A pergunta que fica é, pois: o que significa, então, o sinal de perigo que lá continua?
A pergunta que fica é, pois: o que significa, então, o sinal de perigo que lá continua?
quinta-feira, dezembro 09, 2010
Caos, impunidade e biomassa
TRÊS-EM-UM: toco de árvore no meio do passeio, produtor de biomassa a invadir o mesmo, e utilização abusiva do espaço BUS.
E alastra
O Conselho da Europa, pelo Grupo de Estados contra a Corrupção (Greco), elaborou um documento onde sugere a Portugal o aumento das penas para crimes de corrupção no sector privado. O facto passou quase sem notícia, mas merece uma séria e profunda reflexão.
Na verdade e não é de hoje – é até um fenómeno secular – e se é certo que no sector público encontramos verdadeiros manuais de más práticas, o sector privado não lhe fica atrás (isto sem correr o risco de uma generalização, que sempre seria injusta, porque também temos exemplos de excelência). O ponto é o alastrar da "coisa". E como a "coisa" alastra, alastra e alastra...
Em Portugal, à corrupção junta-se um fenómeno tão perverso quanto esse que é o "amiguismo" (por "puro" amiguismo ou em função de "irmandades" que são tudo menos instituições de beneficência, a não ser para os próprios). Corrupção e amiguismo, juntos, são devastadores. As nossas instituições públicas e privadas estão minadas por essas duas pragas que sacrificam a igualdade dos cidadãos e das empresas sãs, a sua eficiência e, claro, a competência que acaba por se ver preterida, com consequências óbvias nos resultados das várias actividades, sejam elas prosseguidas individual ou colectivamente, no público como no privado. Se ao que vai dito juntarmos uma quase total ausência de responsabilidade social e de ética comportamental, compreendemos a razão por que reina a opacidade institucional, a desresponsabilização e o insucesso e também por que razão ninguém responde por tantos e tantos milhões cuja aplicação redunda, no mínimo, em benefício de alguns, para as mais dispensáveis actividades, no máximo no que não devia.
O País vai sendo varrido por um saque generalizado que paga duramente e que também justifica o seu empobrecimento. Precisamos de instituições, sejam públicas ou privadas, sãs, alinhadas com as melhores práticas, como precisamos de regimes de responsabilização efectivos e de consciência cívica, como de pão para a boca.
Ora, aqui chegados, percebemos a razão pela qual a Justiça vem sendo degradada (da ausência de formação à ausência de meios, passando por regras absolutamente ultrapassadas). Como percebemos a razão pela qual a Justiça tem sofrido tantas tentativas de funcionalização e de desqualificação dos seus vários operadores. Ao fim e ao cabo, é isso mesmo que interessa a alguns, no público e no privado.
Na verdade e não é de hoje – é até um fenómeno secular – e se é certo que no sector público encontramos verdadeiros manuais de más práticas, o sector privado não lhe fica atrás (isto sem correr o risco de uma generalização, que sempre seria injusta, porque também temos exemplos de excelência). O ponto é o alastrar da "coisa". E como a "coisa" alastra, alastra e alastra...
Em Portugal, à corrupção junta-se um fenómeno tão perverso quanto esse que é o "amiguismo" (por "puro" amiguismo ou em função de "irmandades" que são tudo menos instituições de beneficência, a não ser para os próprios). Corrupção e amiguismo, juntos, são devastadores. As nossas instituições públicas e privadas estão minadas por essas duas pragas que sacrificam a igualdade dos cidadãos e das empresas sãs, a sua eficiência e, claro, a competência que acaba por se ver preterida, com consequências óbvias nos resultados das várias actividades, sejam elas prosseguidas individual ou colectivamente, no público como no privado. Se ao que vai dito juntarmos uma quase total ausência de responsabilidade social e de ética comportamental, compreendemos a razão por que reina a opacidade institucional, a desresponsabilização e o insucesso e também por que razão ninguém responde por tantos e tantos milhões cuja aplicação redunda, no mínimo, em benefício de alguns, para as mais dispensáveis actividades, no máximo no que não devia.
O País vai sendo varrido por um saque generalizado que paga duramente e que também justifica o seu empobrecimento. Precisamos de instituições, sejam públicas ou privadas, sãs, alinhadas com as melhores práticas, como precisamos de regimes de responsabilização efectivos e de consciência cívica, como de pão para a boca.
Ora, aqui chegados, percebemos a razão pela qual a Justiça vem sendo degradada (da ausência de formação à ausência de meios, passando por regras absolutamente ultrapassadas). Como percebemos a razão pela qual a Justiça tem sofrido tantas tentativas de funcionalização e de desqualificação dos seus vários operadores. Ao fim e ao cabo, é isso mesmo que interessa a alguns, no público e no privado.
In Correio da Manhã
quarta-feira, dezembro 08, 2010
No Reino do Absurdo
ESTA foto, tirada em Setembro passado, faz parte de uma colecção que se pode ver [aqui], e dispensa grandes explicações: alguém, nos serviços da CML, achou que ficavam bem uns ecopontos a obstruir a saída de emergência de um conhecido centro comercial das avenidas novas.
Hoje, ao passar por lá, reparei que a situação foi corrigida - embora só em parte. Os leitores são desafiados a verem as outras fotos, tentando adivinhar o que mais poderia ter sido feito para que tudo ficasse, pelo menos, mais lógico.
Hoje, ao passar por lá, reparei que a situação foi corrigida - embora só em parte. Os leitores são desafiados a verem as outras fotos, tentando adivinhar o que mais poderia ter sido feito para que tudo ficasse, pelo menos, mais lógico.
segunda-feira, dezembro 06, 2010
Barómetro ACA-M da Mobilidade em Lisboa-DEZEMBRO
POSITIVO
Celeridade
Em caso de atropelamento em frente à PJ, fica a certeza de que as autoridades não demorarão a tomar conta da ocorrência.
Em caso de atropelamento em frente à PJ, fica a certeza de que as autoridades não demorarão a tomar conta da ocorrência.
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NEGATIVO
Passeios ocupados
Na Av. Gomes Freire, a Polícia Judiciária goza de um exclusivo no estacionamento de viaturas. Mas este exclusivo alarga-se aos passeios, forçando os peões a caminhar pela estrada: uma troca de posições que não só é ilegal como é da inteira responsabilidade da PJ.
.Na Av. Gomes Freire, a Polícia Judiciária goza de um exclusivo no estacionamento de viaturas. Mas este exclusivo alarga-se aos passeios, forçando os peões a caminhar pela estrada: uma troca de posições que não só é ilegal como é da inteira responsabilidade da PJ.
JORNAL DE LISBOA
DEZEMBRO 2010
JdL#35.pdf |
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Parceria Jornal de Lisboa e ACA-M (Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados)
.ACA-M no Facebook
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OUTROS barómetros aqui
sábado, dezembro 04, 2010
"um projecto ambientalmente pioneiro e um excelente projecto rodoviário"
Moradores queixam-se da CRIL e a câmara sente-se ludibriada
Por Carlos Filipe
A conclusão da Circular Regional Interior de Lisboa continua a gerar críticas, mas a autarquia, apesar de visada, mostra-se solidária com quem se diz lesado
O movimento criado pelos moradores do Bairro de Santa Cruz de Benfica, que uniu vozes contra a qualidade do projecto de conclusão da Circular Regional Interior de Lisboa (CRIL), sente-se abandonado pela autarquia na sua luta contra o que reiterou serem continuadas ilegalidades e mentiras do dono da obra, a Estradas de Portugal.
Usaram-se frases fortes na 54.ª reunião descentralizada da Câmara de Lisboa, quinta-feira à noite, em Benfica, na Escola Secundária José Gomes Ferreira. Mas se os vereadores rejeitaram responsabilidades no processo, também se mostraram solidários com a luta dos cidadãos. O vice-presidente da câmara, Manuel Salgado, não poderia ter sido mais cáustico: "Fomos ludibriados."
O autarca não quis deixar de rematar o assunto CRIL com a garantia de que o executivo da câmara não se demitirá de tentar minimizar o impacte negativo da obra, "sem prejuízo das questões judiciais em curso". Isto depois de ter admitido que a câmara foi "ludibriada neste processo pela Estradas de Portugal": "Há dois anos, as imagens que nos mostraram não eram estas, o que é um logro."
Jorge Alves, da Comissão de Moradores de Santa Cruz de Benfica, que há muito luta contra o que diz ser um péssimo projecto de fecho da CRIL, recordou o que disse o primeiro-ministro, José Sócrates, no lançamento da obra - "um projecto ambientalmente pioneiro e um excelente projecto rodoviário" -, e lamentou que "o que já está bem à vista é exactamente o contrário". E atacou: "A CML tem grande responsabilidade em todo este processo. [Depois de Carmona Rodrigues, que deu o aval a este projecto] o actual executivo da CML, apesar de todos os alertas, e consciente que este projecto era uma aberração, aceitou-o como consumado (...), desculpando-se de ser esta uma obra do Governo. Abandonou os munícipes. Deixou-os entregues a todo o tipo de atropelos por parte do dono da obra."
O vereador Nunes da Silva também está contra o (actual) projecto, mas sublinhou que o trabalho realizado pelas câmaras de Lisboa e da Amadora não tem correspondência com o que foi apresentado pelo Governo e pela obra já realizada. "Denunciámos, chamámos a atenção à empresa pela vergonha que se estava ali a passar. O problema é que os técnicos da Estradas de Portugal nunca aceitaram as propostas do movimento de contestação ao projecto da CRIL. Mas mudou o presidente da empresa, perdeu-se o historial do processo e alterou-se o projecto que estava acordado."
O vereador José Sá Fernandes acrescentou que "a obra viola a declaração de impacte ambiental": "A matéria está a ser discutida em tribunal, mas a imagem que foi vendida não corresponde à realidade. Há aqui um engano, e grave."
O que significa, exactamente, este AVISO?
NO BLOGUE Passeio Livre está a decorrer uma curiosa discussão acerca deste documento da SPARK que, ao que parece, informava um automobilista (em Março deste ano) de que tinha 432 multas por pagar. Há, no entanto, quem, em 'comentário', diga que não é isso que se passa.
Convidam-se, pois, os leitores do Carmo e a Trindade a darem a sua opinião, se possível também nesse blogue - ver [aqui].
NOTA: no entanto, e vendo bem, o que o indivíduo é convidado a pagar são 432 avisos' destes - e não as multas propriamente ditas. Essas, da EMEL, podem - ou não - aparecer. O que é que significa isso, que tem contornos kafkianos?
NOTA: no entanto, e vendo bem, o que o indivíduo é convidado a pagar são 432 avisos' destes - e não as multas propriamente ditas. Essas, da EMEL, podem - ou não - aparecer. O que é que significa isso, que tem contornos kafkianos?
quinta-feira, dezembro 02, 2010
Mercados
Fique descansado, caro leitor: não lhe venho falar dos tais “mercados”, tenebrosos e “vampirescos”, com que nos vêm azucrinando os ouvidos nos últimos meses por causa da malfadada crise financeira que, cá para mim, por cá até tem décadas e da qual, a bem dizer, nunca chegámos verdadeiramente a sair, ou saímos? Muito menos esta crónica tem que ver com qualquer reclamação a propósito de calças de ganga Levi’s compradas como genuínas na banca da D. Pancrácia na feira de Domingo e que à primeira lavagem ficaram desbotadas. Nada disso. O motivo por que escrevo sobre mercados é apenas porque gosto especialmente de cinco dos mercados municipais de Lisboa e custa-me ver o estado por que se arrastam, uns, e outros que sendo o que são podiam ser ainda mais.
Começando pelo histórico Mercado da Ribeira, letárgico desde há anos e que viu finalmente abrirem-se-lhe novos horizontes por via do recente acordo estabelecido entre a CML e uma conhecida revista do “acontece em Lisboa”, tendo como objectivos revitalizar o edifício, interagir com a “movida” de Santos & Cia., atrair novos públicos. Oxalá que os prognósticos se verifiquem e que a médio, longo prazo, possamos ter uma Ribeira “à la” Covent Garden. Com arte e engenho será não só possível como será tónico a toda a zona de São Paulo, que bem o merece.
Outro dois há que por serem de tal maneira “unha e carne” com os respectivos bairros, seus moradores e visitantes, dificilmente hão-de padecer de mal incurável nas décadas mais próximas, por muito que sejam ameaçados com cadeias de supermercados e hipermercados, os debochem com T-shirts dependuradas ou outros artigos de que se possam envergonhar, e que nos digam que sem estacionamento automóvel com fartura não há mercado que resista. Desde as bancas das zonas centrais aos cafés e restaurantes, lojas e serviços distribuídos pelos espaços exteriores, alguns deles altamente especializados em nichos de mercado tão variados como socas suecas ou guloseimas especialíssimas, a verdade é que tanto o mercado de Alvalade como o de Campo de Ourique aparentam respirar saúde por todos os poros. Que assim continuem e os deixem continuar.
Finalmente, os dois mercados modernistas tardios de Arroios (finais da década de 30) e do Forno do Tijolo (anos 50), cada qual de sua traça e funcionalidade próprias, mais ou menos ultrapassadas, já, mas que podem ser devidamente potenciadas, venha daí um projecto, ou melhor, venham daí ideias capazes disso mesmo mas que não passem pela sua demolição e conversão dos subsolos em estacionamento subterrâneo para construções novas à superfície. Não colhe a desculpa esfarrapada de que é por causa dos popós não terem lugar para estacionar que estão como estão. Além disso Lisboa não se pode dar ao luxo de os deitar fora.
Começando pelo histórico Mercado da Ribeira, letárgico desde há anos e que viu finalmente abrirem-se-lhe novos horizontes por via do recente acordo estabelecido entre a CML e uma conhecida revista do “acontece em Lisboa”, tendo como objectivos revitalizar o edifício, interagir com a “movida” de Santos & Cia., atrair novos públicos. Oxalá que os prognósticos se verifiquem e que a médio, longo prazo, possamos ter uma Ribeira “à la” Covent Garden. Com arte e engenho será não só possível como será tónico a toda a zona de São Paulo, que bem o merece.
Outro dois há que por serem de tal maneira “unha e carne” com os respectivos bairros, seus moradores e visitantes, dificilmente hão-de padecer de mal incurável nas décadas mais próximas, por muito que sejam ameaçados com cadeias de supermercados e hipermercados, os debochem com T-shirts dependuradas ou outros artigos de que se possam envergonhar, e que nos digam que sem estacionamento automóvel com fartura não há mercado que resista. Desde as bancas das zonas centrais aos cafés e restaurantes, lojas e serviços distribuídos pelos espaços exteriores, alguns deles altamente especializados em nichos de mercado tão variados como socas suecas ou guloseimas especialíssimas, a verdade é que tanto o mercado de Alvalade como o de Campo de Ourique aparentam respirar saúde por todos os poros. Que assim continuem e os deixem continuar.
Finalmente, os dois mercados modernistas tardios de Arroios (finais da década de 30) e do Forno do Tijolo (anos 50), cada qual de sua traça e funcionalidade próprias, mais ou menos ultrapassadas, já, mas que podem ser devidamente potenciadas, venha daí um projecto, ou melhor, venham daí ideias capazes disso mesmo mas que não passem pela sua demolição e conversão dos subsolos em estacionamento subterrâneo para construções novas à superfície. Não colhe a desculpa esfarrapada de que é por causa dos popós não terem lugar para estacionar que estão como estão. Além disso Lisboa não se pode dar ao luxo de os deitar fora.
In Jornal de Notícias (2.12.2010)
A identidade
No próximo dia 4 de Dezembro completam-se trinta anos da data da morte de Francisco Sá Carneiro. Muito se tem escrito e dito, nestes últimos tempos, sobre o pensamento político de Sá Carneiro. Também a esse propósito se vêm fazendo comparações com os seus sucessores na liderança do PSD e, em particular, não certamente por acaso, com Aníbal Cavaco Silva. Recorde-se que o actual titular do cargo de Presidente da República foi a escolha de Sá Carneiro para a mais difícil das pastas ministeriais do Governo então por ele liderado: as Finanças.
Por muito que se ensaiem teorizar diferenças – e essa tentativa é paradoxalmente reveladora das semelhanças entre ambos –, na verdade, Cavaco Silva partilhou e concretizou ideais de Sá Carneiro na década em que governou e em que o País mais cresceu no post 25 de Abril.
Sá Carneiro foi por muitos considerado autoritário, tal como Cavaco Silva, e a ambos foi imputado formatarem um partido à sua imagem e semelhança (recordando as dissidências profundas que Sá Carneiro enfrentou). Nada mais falso: ambos revelaram fortaleza nas suas convicções e autoridade, o que é significativamente diferente (é até o oposto) de ser autoritário.
O facto é que existe entre ambos profunda identidade de pensamento político estratégico. Ambos sempre defenderam uma sociedade mais forte e o PSD como o partido que reflectia transversalmente essa sociedade. Ambos eram reformadores e não conservadores; ambos tinham um profundo sentido de justiça social. Ambos recusaram vias liberais ou neoliberais. Ambos defendiam a abertura à Europa.
E se é certo que Sá Carneiro não teve a possibilidade de executar o projecto que ambicionou para o País, Cavaco Silva deu início a uma profunda alteração da sociedade portuguesa: diminuiu o peso do Estado na sociedade, o que resulta à evidência de privatizações, da criação de uma classe média (hoje ameaçada) e da criação de prestações sociais. Alterou a lei de delimitação de sectores com a abertura ao sector privado de um conjunto muito amplo de sectores que lhe estavam vedados (como o da comunicação social). Foi preciso dotar o País das infra-estruturas que, à época – é bom lembrar – escasseavam, do saneamento básico à electricidade e parque escolar. Foi preciso fazer quase tudo.
Sá Carneiro e Cavaco Silva sofreram tentativas de julgamento na praça pública que se revelaram absolutamente falhadas em função do mérito intrínseco dos próprios.
Por muito que se ensaiem teorizar diferenças – e essa tentativa é paradoxalmente reveladora das semelhanças entre ambos –, na verdade, Cavaco Silva partilhou e concretizou ideais de Sá Carneiro na década em que governou e em que o País mais cresceu no post 25 de Abril.
Sá Carneiro foi por muitos considerado autoritário, tal como Cavaco Silva, e a ambos foi imputado formatarem um partido à sua imagem e semelhança (recordando as dissidências profundas que Sá Carneiro enfrentou). Nada mais falso: ambos revelaram fortaleza nas suas convicções e autoridade, o que é significativamente diferente (é até o oposto) de ser autoritário.
O facto é que existe entre ambos profunda identidade de pensamento político estratégico. Ambos sempre defenderam uma sociedade mais forte e o PSD como o partido que reflectia transversalmente essa sociedade. Ambos eram reformadores e não conservadores; ambos tinham um profundo sentido de justiça social. Ambos recusaram vias liberais ou neoliberais. Ambos defendiam a abertura à Europa.
E se é certo que Sá Carneiro não teve a possibilidade de executar o projecto que ambicionou para o País, Cavaco Silva deu início a uma profunda alteração da sociedade portuguesa: diminuiu o peso do Estado na sociedade, o que resulta à evidência de privatizações, da criação de uma classe média (hoje ameaçada) e da criação de prestações sociais. Alterou a lei de delimitação de sectores com a abertura ao sector privado de um conjunto muito amplo de sectores que lhe estavam vedados (como o da comunicação social). Foi preciso dotar o País das infra-estruturas que, à época – é bom lembrar – escasseavam, do saneamento básico à electricidade e parque escolar. Foi preciso fazer quase tudo.
Sá Carneiro e Cavaco Silva sofreram tentativas de julgamento na praça pública que se revelaram absolutamente falhadas em função do mérito intrínseco dos próprios.
In Correio da Manhã
A generosidade e o rancor
E, de repente, abriu-se o caminho de uma vida generosa. O português com extremas dificuldades veio socorrer o português com fome. A grande força espiritual que se move nas horas de desespero, e parecia ameaçada de inanidade, irrompeu no último fim-de-semana. Uma ruptura surda com a indiferença, uma explosão de solidariedade, a contrariar os sinais do tempo e a cupidez que nos tem sido inculcada. As toneladas de comida entregues ao Banco Alimentar podem não constituir a fulguração de uma felicidade perpétua, mas representam sentimentos que rasgam os silêncios de uma sociedade cercada.
A ideologia dominante, que estimula o individualismo, a insensibilidade social e a neutralidade cívica, não sai derrotada desta acção, nem esta experiência de generosidade resolve o drama português. Se a boa vontade não é esclarecida, e os limites do amparo não forem definidos pela política, o balanço da iniciativa apenas momentaneamente é positivo.
O sistema de ganância, de dissolução de valores, destruiu os laços relacionais formativos dos povos e das instituições. É necessário não só renunciar mas, sobretudo, combater esta doutrina que não concilia o respeito mútuo com a dimensão e as exigências civilizacionais. As nossas heranças só serão desiguais quando desinvestimos no carácter humanista da condição a que pertencemos. As decepções e as insatisfações permanentes talvez justifiquem algumas das nossas debilidades morais, como a indiferença ante o sofrimento dos outros. Mas não podem nunca caucionar a duplicidade dos nossos comportamentos nem a capitulação das nossas batalhas.
NO MOMENTO - O Miguel Sousa Tavares fez publicar, na gazeta semanal onde costuma deixar as escorrências a que chama artigos, um texto sobre a greve, cujo teor me abstenho de qualificar. A meio, insere um comentário, pretendidamente espirituoso, à minha crónica da última quarta-feira. Não lhe acerta uma. Deseja, apenas, fazer chicana. E demonstra uma impiedosa crueldade para quem gosta de prosa escorreita e asseada: não consegue escrever com tino, brio e gramática. Aquilo é um emaranhado de disparates, de espinoteantes tolejos, e apenas traduz a conjunção do que de mais retrógrado existe na sociedade. Ele é o xamã dessa tendência. Como só o leio quando se me refere, obriga-me, nessas funestas ocasiões, ao penoso exercício de tentar perceber o que quer dizer. Saí da árdua leitura em estado de exaustão. Sobre manifestar uma atroz inimizade com a língua portuguesa, o pobre homem é desprovido do mais escasso pingo de humor. E não é difícil descortinar, no seu carácter amolgado, sinais de ressentimento, de rancor e de despeito. É só. Mas acaso seja necessário, voltarei a tão encantador assunto...
A ideologia dominante, que estimula o individualismo, a insensibilidade social e a neutralidade cívica, não sai derrotada desta acção, nem esta experiência de generosidade resolve o drama português. Se a boa vontade não é esclarecida, e os limites do amparo não forem definidos pela política, o balanço da iniciativa apenas momentaneamente é positivo.
O sistema de ganância, de dissolução de valores, destruiu os laços relacionais formativos dos povos e das instituições. É necessário não só renunciar mas, sobretudo, combater esta doutrina que não concilia o respeito mútuo com a dimensão e as exigências civilizacionais. As nossas heranças só serão desiguais quando desinvestimos no carácter humanista da condição a que pertencemos. As decepções e as insatisfações permanentes talvez justifiquem algumas das nossas debilidades morais, como a indiferença ante o sofrimento dos outros. Mas não podem nunca caucionar a duplicidade dos nossos comportamentos nem a capitulação das nossas batalhas.
NO MOMENTO - O Miguel Sousa Tavares fez publicar, na gazeta semanal onde costuma deixar as escorrências a que chama artigos, um texto sobre a greve, cujo teor me abstenho de qualificar. A meio, insere um comentário, pretendidamente espirituoso, à minha crónica da última quarta-feira. Não lhe acerta uma. Deseja, apenas, fazer chicana. E demonstra uma impiedosa crueldade para quem gosta de prosa escorreita e asseada: não consegue escrever com tino, brio e gramática. Aquilo é um emaranhado de disparates, de espinoteantes tolejos, e apenas traduz a conjunção do que de mais retrógrado existe na sociedade. Ele é o xamã dessa tendência. Como só o leio quando se me refere, obriga-me, nessas funestas ocasiões, ao penoso exercício de tentar perceber o que quer dizer. Saí da árdua leitura em estado de exaustão. Sobre manifestar uma atroz inimizade com a língua portuguesa, o pobre homem é desprovido do mais escasso pingo de humor. E não é difícil descortinar, no seu carácter amolgado, sinais de ressentimento, de rancor e de despeito. É só. Mas acaso seja necessário, voltarei a tão encantador assunto...
In Diário de Notícias
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