Mas, naquele dia, éramos os cinco e não havia infelicidade que nos tocasse no batente. Sorríamos uns para os outros, e eu estava com aquele orgulho, um pouco tolo, um pouco ufano, do patriarca que nunca se desentende da sua condição. Os nossos três rapazes estavam naquela idade em que a música dos sonhos nunca se esfuma e tudo é permitido e possível. A minha mulher, jovem, serena e vigilante, observava-nos a todos, e eu sentia a pulsão do imperativo que a animava. Um dia, pensei, hei-de escrever sobre este momento, no qual se desprende o íntimo de um coração, e se ignora a metáfora. Não sei se chegou a altura.
Ela e eu tínhamos combinado comprar umas prendas aos filhos, era Natal, e eu recebera um bónus do jornal onde trabalhava. Dava para muito pouco, o bónus, mas sempre dava para alguma coisa. Por outro lado, o nosso filho do meio decidira trabalhar, na quadra de Natal, numa empresa de mudanças, a fim de amealhar trinta contos, o preço de umas botas de bico longo, suas preferidas que eu detestava por as considerar grosseiras. Ele tinha 17 anos e contrariávamos essa ideia tida por nós como disparatada. Por fim, ganhara a sua perseverança, e lá andara, durante um período, a carregar móveis. A mãe, preocupada e inquieta; eu, um pouco orgulhoso.
Chupávamos a cassata, calculados no que fazíamos e exactos no prazer modesto, na felicidade pequena que nos abrangia. Eis senão quando o nosso filho do meio se ergueu, sorriso de ponta a ponta da boca, braços abertos na exuberância afortunada que até hoje se lhe mantém. "Ah!, ganda Gabriel!", exclamou, para outro rapaz que se lhe aproximava, também exuberante e também alegre. "É um amigo meu das mudanças." Abraçaram-se, no júbilo de um reencontro inesperado. O Gabriel meteu a mão no bolso. Procurava o que não descobria ou não tinha. Por fim, extraiu algo pequeno e, pelo seu olhar, fútil. Estendeu um rebuçado.
"Bom Natal!", disse.
1 comentário:
Nada como Moscovo de outras eras...
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