Vem, menino. Menino novo, cujo coração unânime vai bater como o coração de um anjo que sorri e nos acena. Sei que vais ser um menino feliz, como eu sou feliz ao escrever esta afirmação pausada. Menino feliz porque te espera um coro de risos, de faces radiantes; a paixão de quem quer dar tudo pela fortuna de te ter consigo e o regozijo de nos pertenceres para te pertencermos.
Há muito que te esperávamos. Há muito que te esperava, como o louvor de uma boa nova ou o sinal de uma luz rigorosa para a festa de todas as festas. E aí vens.
Já se sabe como é o mundo: sombrio e venal, cobarde e duro, obscuro e triste, glorioso e valente, tímido e arrogante, calado e grosseiro. Já se sabe. Mas a qualidade áurea das criaturas que o habitam e que o moldam, com a argila das suas individuais deficiências, faz com que, todos os anos, continuemos a acreditar. E assim nascem meninos como tu, produtos dessa crença confusa na concórdia que nos impele para todos os recomeços.
Em cada ano que atravessa outro ano renovam-se os risos, remoçam os alvoroços, renascem os velhos no olhar dependente dos meninos, porque os velhos são meninos que se prolongam na pontualidade e no espanto das coisas permanentemente inauguradas. A vida, como é hábito.
Espero-te com a emoção de quem viajou por muitos bares, muitas cartografias, por muitas palavras, por muitos socalcos. Mas não quero dar-te conselhos. Os conselhos são o modo de os antigos imporem uma ridícula superioridade. A expressão: "No meu tempo..." é o início de algo de enfadonho; a fastidiosa e inútil frase que pretende doirar o passado de misérias e afrontas. Como se isso fosse possível. O tempo é todo nosso, o teu e o meu, pode levar tudo, mas nunca lava tudo.
O mundo anda atrapalhado e aflito. Há quem pense que deixou de haver lutas e que a nitidez do entendível perdeu-se no opaco e na desistência. Vais ver que as realidades não são bem assim e que as razões da existência dispõem de argumentos poéticos com os quais se pode enfrentar a manipulação, a omissão, o medo e a mentira.
Não te demores.
1 comentário:
"Espero-te com a emoção de quem viajou por muitos bares"
Compreendi-te, como dizia o outro.
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