terça-feira, abril 24, 2007

(fotografia Portugal Diário)

Coerente nas suas posições (antes e após a sua construção) quanto às questões de segurança no túnel do Marquês, da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, recebi o seguinte comunicado que tomo a liberdade de divulgar:

LISBOA: NASCE UM PONTO NEGRO NO MARQUÊS

Um túnel com 9% de inclinação – 10% em certos pontos – não é um túnel seguro.
É um túnel de risco.
Esse risco pode ser diminuído, monitorizado, desvalorizado, negado.
Mas existe.
Por isso mesmo, a Directiva da União Europeia sobre segurança em túneis, de Abril 2004, indica que não se ultrapasse a inclinação máxima de 5% em túneis da Rede Europeia de Estradas.

A CML não tem normas específicas sobre segurança em túneis. Segue as normas da Estradas de Portugal (ex-JAE) que, por sua vez transcreve a Directiva Europeia como referência para todos os túneis portugueses.

O desrespeito por normas de segurança internacional não pode (ou não deveria) ser camuflado por propaganda publicitária.
Voltamos a dizer, como sempre dissemos: o túnel do Marquês não é seguro.
E voltamos a dizer, como sempre dissemos: as entradas e saídas do túnel impedem a livre e segura circulação dos peões na zona do Marquês.
Não queremos ser cúmplices de eventuais fatalidades futuras neste novo túnel, seja por atropelamento seja por despiste ou colisão.
Por isso, voltamos a lembrar o que dissemos em 2004: A CML construiu um ponto negro no Marquês.
Abaixo, enviamos extractos da documentação produzida pela ACA-M no âmbito da Declaração de Impacto Ambiental do Túnel do Marquês, em 2004
A direcção da ACA-M

Documentos:
Directiva 2004/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa aos requisitos mínimos de segurança para os túneis da rede rodoviária transeuropeia:
(...)
2.2.2. Não devem ser permitidos declives longitudinais superiores a 5% nos novos túneis, salvo se não for geograficamente possível nenhuma outra solução. [era possível outra solução]
2.2.3. Nos túneis com declives superiores a 3%, serão tomadas medidas adicionais e/ou reforçadas para melhorar a segurança com base numa análise de riscos [não foi realizada análise e riscos].

Pronunciamento da ACA-M sobre o Estudo de Impacte Ambiental da Concepção/Construção do Desnivelamento da Av. Duarte Pacheco, Rua Joaquim António de Aguiar e Av. Fontes Pereira de Melo (Túnel do Marquês):

Consultar o texto completo em Consultar o texto completo em
Perigo inerente ao projecto
O perigo inerente (in-built) da infra-estrutura proposta – sobretudo, a sua inclinação excessiva, a sua grande extensão e a suas características indutoras de congestionamento - decorre directamente da opção de traçado e não é um factor de risco que possa ser simplesmente negligenciado, minimizado ou eliminado.
- no final da inclinação com uma pendente média de 9,3%, no sentido Cascais-Lisboa, indica-se a intenção de construção de uma curva apertada e sem visibilidade;
- o perfil transversal do túnel não é suficientemente largo para possibilitar a passagem de veículos de emergência entre as duas vias que compõem cada faixa de rodagem;
- não estão previstas rampas de fuga intervaladas de modo a permitir o auto-salvamento de pessoas, incluindo aquelas com capacidades de mobilidade reduzida;
- o túnel, apesar da sua grande extensão – mais de 1200 metros – não é concebido em tubo duplo com corta-fogos intervalados;
- e a sua estrutura, com vigas de sustentação transversais, não permite uma ventilação adequada preventora de intoxicação em caso de incêndio.

O imperativo ético-legal
O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia aprovaram a Directiva 2004/54/CE relativa aos requisitos mínimos de segurança para os túneis da Rede Rodoviária Europeia.
A inexistência de qualquer norma construtiva específica sobre túneis, por parte da Câmara Municipal de Lisboa é um motivo adicional para que seja tido em consideração o conjunto de requisitos mínimos de segurança em túneis listados na directiva supra-mencionada. Não é nunca, por isso, demais sublinhar que esta vem obrigar os estados-membros a cumprir pelo menos esses requisitos mínimos, desejando-se sempre que eles prefiram a todo o momento valorizar requisitos máximos de segurança nos túneis sob sua responsabilidade.
[um ano mais tarde, a directiva foi adoptada pelo então Instituto de Estradas de Portugal]

Perigo no túnel
O Comité da PIARC para os Túneis Rodoviários estipula que:
- um gradiente de 3,5% aumenta em 5 vezes probabilidade de avarias e auto-ignição dos veículos;
- um gradiente de 5% duplica a probabilidade de intoxicação mortal por ingestão de monóxido de carbono e outros gases venenosos (dado os fumos só terem uma direcção de saída);
- um gradiente de 3,5% obriga a distâncias de travagem superiores a 30m, a 50km/h.
É verdade que um desastre, auto-ignição ou incêndio num túnel com pendentes elevadas envolvendo veículos pesados tem consequências particularmente graves, por relação àqueles envolvendo apenas viaturas ligeiras. Mas a análise de risco não avalia o risco de despiste ou colisão de um veículo com peso bruto entre os 3,000 e os 3,500 quilos, nem calcula as distâncias de segurança e a velocidade permitida em função dos tempos de travagem nas descidas de grande inclinação, seja para as viaturas autorizadas em geral, seja para este tipo de veículos em particular.
A Directiva indica que “os condutores dos veículos rodoviários de transporte de passageiros devem, em condições normais, manter em relação ao veículo da frente uma distancia mínima equivalente à distância percorrida pelo veículo em dois segundos” (Directiva 2004/54/CE, p. 79). O Estudo de Impacte Ambiental, infelizmente, não procede a um cálculo dos fluxos de tráfego no interior do túnel em combinação com a velocidade máxima a permitir, o tempo de travagem, a pendente e a curva apertada.
Numa via com uma pendente inferior a 2,5%, o tempo de travagem para uma viatura ligeira circulando a 40/50 km/h é, em média, de 2 segundos, e a distância percorrida de 25 metros. No caso do “túnel do Marquês” seria essencial calcular o impacto de uma inclinação superior a 9% em pelo menos duas secções do túnel sobre os tempos e distâncias de travagem para determinar qual a distância de segurança entre veículos e, por extensão, definir a real capacidade do túnel. Sem estabelecer estes valores, é totalmente especulativa qualquer análise do impacto do túnel sobre fluxos de tráfego e sobre segurança rodoviária.
O EIA não considera o facto de, em pendentes inclinadas, uma viatura com peso bruto de 3,500 quilos (se tiver uma tara legal) necessita de um tempo de travagem até 50% superior a um veículo ligeiro de classe 1 e 2, o que significa que as distâncias de segurança no interior do túnel não apenas deverão ser claramente superiores aos 25 metros propostos na Directiva para “condições normais” devido à pendente e curva apertada, mas também devido à presença daquele tipo de veículos (viaturas comerciais, viaturas mistas, minibus, camionetas de caixa aberta, jipes, SUVs).
Como afirmámos anteriormente, a equipa que elaborou a análise de risco não fundamenta a sua recomendação sobre uma velocidade máxima no interior do túnel entre 40 e 50 km/hora. Não seria de admirar que o cálculo acima proposto impusesse uma velocidade máxima segura não superior a 30 km/h, com uma presença de não mais de 25 veículos no interior do túnel a cada momento, em cada faixa – situação que, associada à necessidade de monitorização nas rampas de saída das Avs. Fontes Pereira de Melo e António Augusto Aguiar devido à probabilidade de congestionamento à superfície em horas de ponta, obrigaria ao acendimento frequente da semaforização antecipativa na entrada da Av. Duarte Pacheco - Av. Joaquim António de Aguiar e, portanto, à perversão absoluta da intenção de descongestionamento do trânsito de entrada naquela secção.

Desresponsabilização vs boas práticas
A não consideração deste tipo de cálculos, impede uma devida avaliação da obra em termos de custo-eficácia no descongestionamento do tráfego e de custo-benefício com contabilização do risco potencial de acidente e incêndio. A este propósito, há que confrontar a argumentação do EIA a propósito do “civismo” dos condutores. O estudo diz que “a questão do civismo dos automobilistas é uma questão de formação no que se refere ao cumprimento da lei. Em relação a esta matéria nada poderá ser proposto (Relatórios Técnicos: Análise de Risco, p. 41). Responsabiliza também os condutores pela eventualidade de colisão e despiste, caso não cumpram rigorosamente os limites de velocidade, em especial na secção com pendente superior a 9% (sentido Cascais-Lisboa) (cf. Relatório-Síntese, p.108).
A primeira responsabilidade da CML é oferecer uma infra-estrutura segura, tolerante e auto-explicativa. No caso do “túnel do Marquês” não será apenas no período nocturno que o problema da velocidade excessiva (e da alegada “falta de civisimo”) se poderá colocar. Estudos recentes de psicologia social demonstram que a condução agressiva e o excesso de velocidade em zonas urbanas e peri-urbanas derivam directamente da tensão provocada por congestionamentos, em particular quando estes antecedem vias onde a circulação se faz fluidamente. O caso do projecto do túnel do Marquês é uma ilustração da previsibilidade deste tipo de reacção: confrontados com congestionamentos contínuos à superfície, nomeadamente à entrada de Lisboa (A5, acessos em Monsanto, Av. Duarte Pacheco, túnel das Amoreiras), os condutores terão a tendência, potenciada pela inclinação excessiva do túnel e pela súbita ausência de congestionamento (pelas razões de segurança acima apontadas), para a prática de comportamentos agressivos, velocidades excessivas e manobras perigosas.
Em casos como este, desresponsabilizar a influência da infra-estrutura projectada, como parte co-causadora, na ocorrência de desastres graves, e lançar o ónus da responsabilidade para os chamados – mas não compreendidos – comportamentos de falta de civismo, é uma atitude totalmente contrária ao espírito de boas práticas e auto-responsabilização das entidades gestoras, que deveriam ter no conceito “horizonte zero”, primeiramente desenvolvido pelas autoridades gestoras da segurança rodoviária da Suécia, e posteriormente promovido pela Organização Mundial de Saúde e adoptado pela Comissão Europeia e pelo Conselho da UE, um importante corolário e exemplo.

Consultar também:
Lisboa, 24 de Abril 2007
(Maria Isabel Goulão)

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