quinta-feira, novembro 04, 2010

Causas de São João de Brito

Reza a lenda que o nosso missionário São João de Brito terá nascido em 1647 no local onde hoje existe um edifício de certa dignidade, propriedade da CML, no qual funcionou (?) até há uma dezena de anos o Museu da Marioneta, ali para as bandas do Castelo, paredes meias com a Mouraria, mais precisamente entre o Largo Rodrigues de Freitas e a Costa do Castelo. Reza a lenda porque, infelizmente, pela História nunca se chegou a apurar mais que isso.

Pois bem, lógico seria que um edifício com essa “marca de água”, logo que vago das marionetas (lá foram para as Bernardas…) e dos andaimes (por lá continuam…) que protegem a cobertura provisória; pudesse ter um projecto de ocupação que de alguma forma tivesse que ver com a vida e obra, ensinamentos e práticas do Santo, se possível um centro de missão, cultural ou social, dignificando o seu nome, bem entendido, ele que tem sido continuamente preterido por Lisboa, em favor de Santo António e de São Vicente.

Mas, curiosamente, a primeira coisa de que a Câmara se lembrou mal o edifício ficou devoluto foi colocá-lo à venda com vista a nele possibilitar a instalação de um “hotel de charme”; opção, diga-se, nos antípodas, obviamente, do espírito da coisa que seria normal acontecer. Valeram todos quantos não calaram a revolta, e foram muitos, a começar pela galharda Associação Histórico-Cultural Amigos de São João de Brito. Valeu também a Assembleia Municipal que em 2009 devolveu à procedência a proposta de venda em hasta pública.

Pelos vistos, a CML, reconsiderou e fez bem (não é vergonha nenhuma recuar): acaba de anunciar que irá fazer daquele edifício uma experiência piloto de índole social, mais precisamente uma residência para sem-abrigo (contra-senso?), que irão inclusive contribuir com o seu próprio trabalho para a recuperação do imóvel. Nada a opor. Aparentemente, também, estará garantida a requalificação do espaço ajardinado do Largo Rodrigues de Freitas, em projecto entretanto a desenvolver pelos serviços da CML. Mais, haverá mesmo lugar à colocação de um monumento evocativo a São João de Brito (provavelmente a ser pago do bolso da Associação de Amigos, já que a ideia foi deles…). São boas notícias, independentemente do êxito da operação poder ser uma ilusão.

Contudo, é indispensável que o projecto para o edifício contemple uma certeza inequívoca: a menção à lenda do local de nascimento de São João de Brito, seja por lápide seja pela criação de um pequeno espaço cultural e museológico em um dos seus pisos, que possibilite não só a divulgação cultural e religiosa da vida do Santo e da iconografia a ele associada, cá e na Índia, mas que contribua para o enriquecimento espiritual e cultural de uma Lisboa que se pretende ver reforçada como importante centro multicultural.




In Jornal de Notícias (4.11.2010)

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