Entrava na Redacção do Diário Popular, cumprimentava de fugida, sentava-se, invariavelmente, nas mesas de três jornalistas: Jacinto Baptista, José de Freitas e na minha. Por minutos. Não tinha tempo para obscuros devaneios. "Tudo na mesma. Mas um dia vai mudar. Não sei é quando." Três frases que resumiam analogias procuradas, desejos discretos, o pulsar agitado de um coração em permanente alvoroço.
Salazar detestava-o, tanto quanto ao estilo de que se servia para dizer o mundo. Despediu-o. "Este homem é destrambelhado." Não percebia a grandeza do funcionário. Tal como Marcelo Caetano injuriara Raul Brandão e o Húmus, num texto vergonhoso por ignorante e sórdido. Os tiranos execram aqueles que escapam às suas esquadrias. Ruben, sobre ser um prosador incomum, um romancista, um memorialista e um cronista de primeiríssima água, especializara-se em D. Pedro V, sua paixão de embalar.
"Tudo na mesma. Mas um dia vai mudar. Não sei é quando." Na pastelaria de bairro, sentado na segunda-feira de todas as decepções, recordo o amigo que batalhou contra as superstições da época, utilizando o adjectivo como modo de tomar partido e as espantosas criatividade e imaginação para se proteger da infâmia do tempo. Um Adeus aos Deuses é um livro único e, simultaneamente, a comovida expressão de quem ambiciona fugir para os seus mitos a fim de se refugiar das violências da realidade. A música que Ruben A. possuía era-lhe própria e sistema de exclusividade. A sensibilidade ilimitada de um criador extraordinário, cujo estilo é o particular panteísmo de quem quer ter a lua junto de si.
Na manhã de segunda-feira, no after day acabrunhado que nos impingem como novidade e festa manifesta-se, pegajosa e escorregadia, a nefasta tristeza de um dia que se continua a outros dias glaucos e viscosos. Revejo-o, saltitante, sorridente, célere a entrar na Redacção. Vai ali e vem já. Entrega o original e corre para a a saída. Ruben A. A recordação de épocas felizes, porque alagadas de esperança, sobrevém a todas as nefastas melancolias.
2 comentários:
Marcello Caetano, ignorante? Essa tem graça.
O que vale é que o camarada Lopes teve uma grande vitória.
Enquanto há cinco anos o camarada Jerónimo teve 474 mil votos, agora o camarada Lopes teve 300 mil.
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