O Arqº Fernandes de Sá tem a ‘pachorra’ de andar à volta de um Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona Envolvente há 18 anos, um PUALZE interminável e inconsequente cujas ‘medidas preventivas’ caducaram em 1993, e que até hoje a CML, ao que se sabe, nunca renovou. Porquê? Também não. Consequências, só houve más, a continuada e agravada destruição da traça da Avenida e zona envolvente que vai continuar, pese embora a sequela prevista para debate em Setembro próximo; o que remete a figura das tais ‘medidas preventivas’ para o universo da mitologia urbana.
Lado a lado com a CML anda o IPPAR/IGESPAR: há mais de uma década que está em processo de classificação da Avenida e da zona envolvente, e nada! À espera de que não haja nada a preservar?
A Av.Liberdade e a R.Alexandre Herculano são, segundo um estudo que excluiu a Rua do Ouro, a Rua da Prata e a Almirante Reis, por ex., as artérias mais poluídas (ar e ruído) de Lisboa. Que fez até agora a CML para impor à Carris (e pode fazê-lo) que passe a utilizar nas carreiras que descem e sobem o Marquês de Pombal até à Baixa autocarros não poluentes? Nada. Mas, hélas, a CML encontrou um expediente peregrino para esquecer de vez a habitação nesta zona: há directivas comunitárias que proíbem habitação em zonas com esses níveis de poluição. Ou seja, a CML inverte o raciocínio e demite-se da sua função nobre, que é, supostamente, a de pugnar por atrair e manter moradores no centro de Lisboa. Portanto, continuará a ser como nos últimos 30 anos: desertificação intensiva a partir das 19h.
E não vai ser com a nova versão do PUALZE, que isso vai mudar, até porque, segundo se diz, a sequela tem o mesmo argumento, os mesmos actores e o mesmo realizador, só a produção mudou para os estúdios do lado. Ou seja, as premissas mantêm-se erradas e as medidas tragicómicas:
A famigerada ‘Circular das Colinas’ (ou outra coisa que implique a construção de túneis sob o Jardim da Estrela, sob a Av. Duque de Loulé e sob a Penha de França) e a sua homóloga de carril ‘Linha de Metro das Colinas’ não vão resolver coisa nenhuma no trânsito ou na poluição na Avenida e na Baixa; serão ‘apenas’ mega-empreitadas de construção civil, talvez formas de financiar campanhas eleitorais a câmaras tecnicamente falidas, mas mais nada… até porque o que a CML deve fazer é investir no reordenamento do trânsito nas artérias que já existem exactamente nesses percursos, e nisso mantém-se obtusa, como sempre. E não vão ser os hotéis, mais serviços, ampliações e alterações de edifícios de carácter, logradouros estropiados, a resolver o que quer se seja, senão o negócio de alguns. Cinco parques de estacionamento subterrâneo, defende o PUALZE como ‘libertadores’ da Avenida e da envolvente, cada qual para mais de 200 carros, e cada qual com 3 pisos em cave – defronte ao Cinema Tivoli, cruzamentos Alex.Herculano/Avenida, Barata Salgueiro/Avenida, Tv.Santa Marta e outro no pobre e esquecido Lg. Oliveirinha, que serão ‘apenas’ negócios de milhões.
Há pontos fortes do PUALZE? Sim: o reconhecimento da necessidade de requalificar o depauperado espaço público e criar ligações pedonais entre as duas cumeadas, a constatação da degradação arquitectónica da Avenida e perpendiculares, fruto de inúmeros projectos de alterações profundas, ampliações e demolições que têm acontecido ao longo dos anos e que não deviam ter acontecido.
Simplesmente, alguém permitiu e continua a permitir apesar das boas intenções do autor do PUALZE. Basta referir os projectos que a CML discutiu há pouco relativamente a duas artérias capitais no pós-Avenida: a Rosa Araújo e a Duque de Loulé, a primeira, reconhecida no PUALZE como sendo a rua com melhor qualidade arquitectónica daquele que foi o primeiro bairro burguês – o Bairro Barata Salgueiro, e a segunda, ‘apenas’ a artéria que dispõe, ainda, do melhor conjunto urbano de Lisboa, e que justifica plenamente a imediata classificação do IGESPAR.
Pergunta-se:
Que têm andado a fazer a CML e o IGESPAR todos estes anos para evitar a debandada de moradores, fruto do abandono a que a especulação dos proprietários (que deixaram de ser os tradicionais, sublinhe-se) sentencia os prédios antigos? Que tem andado a CML a fazer no que toca à revitalização e dignificação de equipamentos culturais vitais para a zona, com o São Jorge, Parque Mayer, Odéon e restantes Portas de Santo Antão? Que fez a CML até agora para que a Carris não poluísse a Avenida e a Baixa?
É que já cansa o discurso da desculpabilização sucessiva com erros e vícios do passado. Basta!