quinta-feira, abril 19, 2007

Odisseia nas travessas da República

Entre a casa e o trabalho convivo frequentemente com a dita. Mas ontem era um dia especial: tinha que estar à uma e meia da tarde numa Conferência na Culturgest da CGD.
Descendo a João XXI em direcção ao Campo Pequeno e sendo proibido virar à esquerda (até aqui tudo normal nos tempos que correm), demorei 40 minutos para chegar à faixa lateral do Campo Pequeno e entrar para estacionar o meu inseparável Panda no Centro Comercial da Praça de Touros. Até lá chegar, notei que os semáforos de atravessamento da República estão quase sempre vermelhos, sendo que o verde, também político-rodoviariamente falando, deveria ser igualmente respeitado.
A saída a pé do parque "C-1" do dito CC é sensacional: há que atravessar um túnel em betão imenso, estreito e sinuoso, coisa parecida com os acessos ao "bunker" do Hitler que a TV às vezes nos mostra.
Chegado cá fora, outra aventura: o jardim do lado da Defensores de Chaves está ocupado por um estaleiro de qualquer coisa, devidamente protegido por uma forte vedação. Contornado este obstáculo, lá consegui atravessar para a CGD, na passadeira de peões, as oito faixas de rodagem, serpenteando por entre os engarrafados. De passagem perguntei a um condutor (que vinha da Av. de Berna) se tinha ocorrido algum acidente. "Não, isto é mesmo assim todos os dias", desabafou ele resignado.
Mais tarde, de regresso da Culturgest, entrei novamente pelo dito túnel pedonal. Erro meu: a porta blindada no fim do labirinto estava fechada por dentro! Diriji-me então aos dois elevadores da "Zona C". Tento o primeiro e depois o segundo: népias! Os ascensores não param no Piso -1, por avaria (viria depois a saber). De regresso à superfície, tento um segundo túnel/labirinto: lá ao fundo, finalmente abro uma porta! - e eis-me a entrar, não no parque de estacionamento, mas numa sala de cinema às escuras, em pleno funcionamento!
Resultado: fui buscar o carro utilizando uma rampa de acesso para os automóveis e depois de ter dado duas voltas ao redondel para encontrar a saída (odisseia em tudo idêntica àquela que se vive nos estacionamentos dos estádios do Sporting e do Benfica), lá consegui finalmente ver de novo a luz do dia, feliz e contente por não ter encontrado naqueles subterrâneos desérticos, algum touro ou carteirista.
Ainda com a publicidade da EPUL nos ouvidos ("Praça de Entrecampos -* A vida mais perto de tudo"), consigo inverter a marcha no caos da rotunda de Entrecampos e, de regresso à República, meto-me pela faixa lateral (onde o tráfego se escoa muito melhor até ao Saldanha do que pelo túnel - e não há radares!), eis-me chegado às obras do Metro na Duque d'Avila e obrigado - com traço contínuo e tudo - a misturar-me com os autocarros da Carris, sem hipótese de escapar da faixa "Bus". Felizmente que não fui multado, até porque, como todos sabemos, a Polícia de Trânsito e a Municipal têm mais assuntos importantes com que se ocupar em horas de ponta.
Atrás de um autocarro com indicativo "727" (deve ser uma homenagem ao avião da Boeing, pensei), lembrei-me do velho "27" que, vindo do Bairro de S. Miguel, me deixava no Liceu Camões e seguia para o Restelo.
Nesses tempos era bom frequentar a República, olhar para os seus prédios bonitos e harmoniosos, dava gosto parar e ir tomar uma bica à Versailles, à Ceuta ou ao Sequeira e conspirar contra a ditadura.
Hoje, para quem vem do Marquês de Pombal, a República é uma via sem saída. À medida que nos afastamos da Liberdade, por entre túneis, obras e mamarrachos, em frente temos a memória da Guerra Peninsular e só três saídas possíveis: virar à direita para os EUA, cortar à esquerda para as Forças Armadas, ou seguir em frente pelo buraco. Triste sina!

Luís Coimbra

8 comentários:

Anónimo disse...

Vejo que pelo menos encontrou a entrada para o parque de estacionamento do Centro Comercial. Eu fartei-me de dar voltas. Lá me lembrei que podia subir a João XXI, voltar á direita, novamente à direita, descer a Oscar Monteiro Torres (?) e tentar encontrar por aí entrada. resultou mas demorou :)

Saiu numa sala de cinema às escuras, em pleno funcionamento!?? Fantástico.:)

Gostei imenso do seu texto.
Isabel Goulão

seu texto.

Anónimo disse...

(...) qual odisseia!? isso foi mas é um filme, um 'querido diário', sim, aquele em que ele circula de lambreta, pelos recantos de Roma em Agosto, observando os pequenos grandes detalhes, talvez o primeiro (?) do Moreti, com momentos de terceira-dimensão a lembrar um 'Poltergeist', em exibição na'Culturgeist', com epílogos (lentos, sem saída) à Oliveira, numa espécie de remake de 'Non, ou a vã glória de'...circular, nesta fase, um mix ao nível de um Stone em 'Apocalipse Now', Nau, Zink, Lx, tapumes e candeeiros de ...Zinco, com aspecto natural do galvanizado, buracos, martelos pneumáticos, neuras e despesas de oficina, mais e mais passeios levantados!

(just like wikipédia)

AB

Anónimo disse...

Ora, toda a gente sabe que para o Campo Pequeno se vai a cavalo!

Anónimo disse...

não, o melhor ainda são os transportes públicos (na medida em que não conheço os percursos do autor, que porventura exigirão carro, não entenda isto como crítica pessoal)

Anónimo disse...

Como é que existe pachorra para andar de automóvel em Lisboa, é que eu não compreendo. Os melhores meios de transporte continuam a ser.....Metro e andar a pé....

JA

Anónimo disse...

(...) mas, é preciso ter em conta, que a inspiração, ou a experiência, nunca será bem a mesma -perguntem ao David Lynch, ou indirectamente, vendo este seu último Inland Empire (sei lá porquê, mas isto lembra-me a sede da CGD)-uma verdadeira viagem, outro teste...à paciência e...devoção!

AB

Paulo Ferrero disse...

Belíssimo texto, sim senhor! Falando do c.c.cp.pq. outro dia era para ir ver um filme lá (e esta é já para AB, que parece ser cinéfilo;-) e fugi. Nem se respirava no sítio da bilheteira, por demais claustrofóbica. Não, ali não me apanham. O Sá, ainda vá. O resto, comes-e-bebes incluise, não.

Anónimo disse...

(...) por falar em Cinema, que ninguém perca (até 29) o Indie Lisboa, a decorrer "na sala mais próxima..."!

AB