Há 9 meses, um incidente de percurso calou o pai deste blog, o qual ostentava a mesma designação. Hoje bateram-me as saudades desse primeiro C&T. Fui lá revisitá-lo. Ao ver o último post que ali jaz, assinado por mim próprio e dedicado à calçada, deram-me ganas de re-publicar o tema, incluindo os comentários sobre a calçada de Lisboa. Fica aqui, para reflexão: salvem as calçadas lisboetas - como se do lince se tratasse: elas também correm risco de extinção. Atenção à data da publicação.
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Salvem as calçadas lisboetas, por favor
Quarta-feira, Janeiro 03, 2007
«Acudam à calçada lisboeta!»
«Há lá chão de cidade mais bonito do que este! Claro que não. São as tradicionais calçadas lisboetas. Só que... estão a desmoronar-se. Como repetidamente é noticiado. E agora outra vez. Agora, na blogosfera, mais propriamente. No blog Jumento, há dias, uma foto de umpedaço de calçada incomodou-nos a todos, de certeza....
De pouco valem os 14 novos calceteiros em formação. Já é qualquer coisa este sinal de haver uns quantos em formação e estoutro (sempre achei esta palavra estranhíssima) sinal de se ter inaugurado a 15 de Dezembro uma homenagem ao calceteiro lisboeta em forma de escultura.
A verdade é que de 130 que eram há uns anos, os calceteiros estão agora reduzidos a 30 (mais estes 14, a partir de agora). É algo. Mas é curto. Muito curto.
A calçada lisboeta merece mais. Precisa de mais do que isso. Se não, vai degradar-se completamente.
Acudam à calçada lisboeta.
Por favor.»
José Carlos Mendes
posted by O Carmo e a Trindade @ 5:00 PM
«Acudam à calçada lisboeta!»
«Há lá chão de cidade mais bonito do que este! Claro que não. São as tradicionais calçadas lisboetas. Só que... estão a desmoronar-se. Como repetidamente é noticiado. E agora outra vez. Agora, na blogosfera, mais propriamente. No blog Jumento, há dias, uma foto de umpedaço de calçada incomodou-nos a todos, de certeza....
De pouco valem os 14 novos calceteiros em formação. Já é qualquer coisa este sinal de haver uns quantos em formação e estoutro (sempre achei esta palavra estranhíssima) sinal de se ter inaugurado a 15 de Dezembro uma homenagem ao calceteiro lisboeta em forma de escultura.
A verdade é que de 130 que eram há uns anos, os calceteiros estão agora reduzidos a 30 (mais estes 14, a partir de agora). É algo. Mas é curto. Muito curto.
A calçada lisboeta merece mais. Precisa de mais do que isso. Se não, vai degradar-se completamente.
Acudam à calçada lisboeta.
Por favor.»
José Carlos Mendes
posted by O Carmo e a Trindade @ 5:00 PM
Comments:
At 6:12 PM, MissPearls said...
Talvez reduzindo o espaço com calçada portuguesa se pudesse manter a qualidade. De outra forma, não estou a ver. Não há calceteiros que cheguem para uma tão grande mancha de calçada, a maior parte dela em locais perfeitamente despropositados. A calçada é cara, de difícil manutenção e de difícil mobilidade. Na minha opinião, em demasiados sítios, a calçada é um atraso de vida. Compreendo os argumentos dos ambientalistas devido à camada de ozono, etc.Mas já estou farta de ouvir argumentos de gente que defende o valor patrimonial e turístico da calçada e depois assenta-lhe os pneus do carro.Não há calçada que resista, claro está.Igualmente hipócritas os elogios e veneração à calçada por parte de gente que nem anda a pé, quanto mais em cima da calçada.Very typical?Ah! Pois!Berlim é ume excelente exemplo como uma cidade pode ser amígável tanto para peões, como para ciclistas e automobilistas.
At 8:35 PM, Julio A. said...
.......40 e picos de calceteiros, para centenas de quilómetros de calçada, e a equação está feita. Para agravar a cena, esta é uma profissão duríssima, que acaba com joelhos e colunas em poucos anos. Ainda a propósito dos carrinhos nos passeios, o único material que resiste a esses ataques diários....é o alcatrão......e passeios desses para Lisboa.... não obrigado.
At 10:31 PM, opinto said...
Parece premonição. Acabei de comentar no Jumento sobre este tema, porque está lá o que o Jumento chama "O Green da Rua Augusta".Alguma coisa está mal. Há tempos enviei um e-mail para a CML sobre este assunto e perguntando se não haveria protocolo entre a CML e os Centros de Emprego, para que haja mais calceteiros formados.
At 11:03 PM, MissPearls said...
"os Centros de Emprego, para que haja mais calceteiros formados. "E será que há voluntoriosos candidatos a calceteiros?
At 12:15 AM, Julio A. said...
....parece que acertou. Em 2007, quem é que quer ir para uma profissão que lhe vai estragar a saúde?
At 10:42 PM, opinto said...
Misspearls, Essa é uma questão que dava pano para muitas mangas. Teríamos que questionar a lei do Rendimento Social de Inserção e sua aplicação.Mas como é mais fácil: toma lá uns tostões (dos nossos impostos) e vai morrer longe porque tu e a tua família vão continuar a ser pobres ...
At 6:12 PM, MissPearls said...
Talvez reduzindo o espaço com calçada portuguesa se pudesse manter a qualidade. De outra forma, não estou a ver. Não há calceteiros que cheguem para uma tão grande mancha de calçada, a maior parte dela em locais perfeitamente despropositados. A calçada é cara, de difícil manutenção e de difícil mobilidade. Na minha opinião, em demasiados sítios, a calçada é um atraso de vida. Compreendo os argumentos dos ambientalistas devido à camada de ozono, etc.Mas já estou farta de ouvir argumentos de gente que defende o valor patrimonial e turístico da calçada e depois assenta-lhe os pneus do carro.Não há calçada que resista, claro está.Igualmente hipócritas os elogios e veneração à calçada por parte de gente que nem anda a pé, quanto mais em cima da calçada.Very typical?Ah! Pois!Berlim é ume excelente exemplo como uma cidade pode ser amígável tanto para peões, como para ciclistas e automobilistas.
At 8:35 PM, Julio A. said...
.......40 e picos de calceteiros, para centenas de quilómetros de calçada, e a equação está feita. Para agravar a cena, esta é uma profissão duríssima, que acaba com joelhos e colunas em poucos anos. Ainda a propósito dos carrinhos nos passeios, o único material que resiste a esses ataques diários....é o alcatrão......e passeios desses para Lisboa.... não obrigado.
At 10:31 PM, opinto said...
Parece premonição. Acabei de comentar no Jumento sobre este tema, porque está lá o que o Jumento chama "O Green da Rua Augusta".Alguma coisa está mal. Há tempos enviei um e-mail para a CML sobre este assunto e perguntando se não haveria protocolo entre a CML e os Centros de Emprego, para que haja mais calceteiros formados.
At 11:03 PM, MissPearls said...
"os Centros de Emprego, para que haja mais calceteiros formados. "E será que há voluntoriosos candidatos a calceteiros?
At 12:15 AM, Julio A. said...
....parece que acertou. Em 2007, quem é que quer ir para uma profissão que lhe vai estragar a saúde?
At 10:42 PM, opinto said...
Misspearls, Essa é uma questão que dava pano para muitas mangas. Teríamos que questionar a lei do Rendimento Social de Inserção e sua aplicação.Mas como é mais fácil: toma lá uns tostões (dos nossos impostos) e vai morrer longe porque tu e a tua família vão continuar a ser pobres ...
At 10:12 AM, José Carlos Mendes said...
Para conhecimento, eis uma resposta, a do Vereador António Prôa, que registo:«Acudam a Calçada Portuguesa –Em sequência do Post de 3 de JaneiroExmos. Senhores,Foi com bastante agrado que li o "Post" que colocou no Vosso blogue "O Carmo e a Trindade" sobre a Calçada Portuguesa. Como facilmente compreenderá é um assunto pelo qual tenho uma especial atenção. Permita-me que diga, que certamente é uma preocupação que ambos partilhamos.Enquanto responsável pela gestão do Espaço Público da cidade, tenho procurado com o apoio empenhado dos serviços municipais, desenvolver acções que dignifiquem a calçada tradicional portuguesa seja na sua recuperação, manutenção ou nova aplicação. È um trabalho árduo que estes homens realizam, muitas vezes pouco valorizado, e que constantemente sofre agressões pela falta de sentido de cidadania que alguns utilizadores de Lisboa apresentam. Mas não vamos desistir. Temos actualmente duas brigadas de calceteiros (seis elementos) em intervenção permanente, em regime de turnos, na Baixa da cidade. Estou a falar das áreas sobre a responsabilidade directa da CML, porque convém relembrar que desde há uns anos a esta parte que, com excepção das zonas mais centrais de Lisboa, a manutenção das calçadas dos arruamentos da cidade é da responsabilidade das Juntas de Freguesia que, para os devido efeito, recebem da Câmara Municipal as verbas respectivas, ao abrigo de um protocolo de delegação de competências. Contudo, não quero deixar de estar aberto a outras abordagens no que respeita a este tema. Para tal, vamos colocar à discussão pública, ainda este ano, um Plano de Pavimentos. Estou certo de que duma forma participada os munícipes de Lisboa irão transmitir a sua opinião sobre as soluções a apresentar no âmbito dos pavimentos urbanos que a cidade deve utilizar perante as novas necessidades e funcionalidades com que nos deparamos todos os dias. Não queria terminar sem me referir à rua Augusta levando em consideração o alerta de um outro blogue. Verificámos a situação descrita e de imediato a brigada no local iniciou os trabalhos de recuperação. Estamos já actuar em conformidade. Termino, saudando este exemplo de participação e preocupação com Lisboa tão bem demonstrada, neste e noutros Blogues, por Lisboetas ou por quem gosta da nossa cidade. Com votos de um bom ano de 2007, endereço os meus respeitosos cumprimentos.António PrôaVereador da Câmara Municipal de Lisboa»
At 7:31 PM, mjsr said...
Junto um texto que publiquei há uns anos, no Linhas Cruzadas: Os passeios de “calçada à portuguesa” são, caros passeantes, três coisas numa só: são tapetes públicos estirados sob os nossos pés, são mapas da cidade em escala 1 por 1, e são bandas desenhadas de artistas anónimos. Escrito de outro modo: são sítio, são percurso, e são repositório de efémeras e inúmeras narrativas individuais e colectivas. Numa palava, ou em três, são “histórias aos quadradinhos”. E gostava de poder dizer que gosto deles.Mas...As “calçadas” são tudo isso que ficou escrito. São também perturbador sinal de um paradoxo da vida urbana em Portugal. Porquê? Eu explico.“Então é assim”, como agora “toda a gente” diz – para dar voz às falsas evidências:Tratamos os passeios de “calçada à portuguesa” de forma ignominiosa. Pisamo-los, sujamo-los, cuspimo-los, atropelamo-los, desprezamo-los. Fazemos deles cinzeiro, lixeiro, e estacionamento das nossas luzidias baratas com rodas. Não os tratamos apenas como chão público que são. Tratamo-los como coisas que não são nossas, como porcarias deixadas no meio da rua pelo vizinho do terceiro direito a quem gostávamos de cuspir na cara se tivéssemos coragem para isso um dia.E, no entanto... E, no entanto, os passeios de “calçada à portuguesa” são cálido objecto da nossa veneração discursiva. Não há urbanita nacional que não se disponha a colocar uma coroa de flores na lápide do nosso orgulho colectivo pelas “calçadas à portuguesa”. Quando falamos delas, uma lágrima de comoção rola pela nossa bochecha. “Ah, sim!”, diria o advogado do Mafarrico, “Ele é tão original fazer passeios com pedrinhas sem graça nem colorido, todos tortos, e tão caros que devoram vorazmente os magros orçamentos camarários destinados à manutenção e renovação urbana em Portugal”.O argumento tem a sua pertinácia. É que, enquanto as veneradas pedrinhas se soltam, sujas de óleo de motor e travões, sob os nossos pés, os prédios – as nossas casinhas - esboroam-se vetustos e malqueridos. E quanto mais nós, pobres contribuintes autárquicos, tropeçamos nos passeios, mais os carros reluzentes e novinhos em folha tomam conta das nossas cabeças. Resumindo muito: a nossa relação com as “calçadas” está toda de pernas para o ar.Cá por mim, fazia-se já um concurso público, escolhia-se as 1000 melhores calçadas do país. Essas, deveriam ser convenientemente amadas e conservadas. Quanto às outras, seriam cobertas com alcatrão liso e antiderrapante para acabar com as manutenções milionárias e as entorses do pé esquerdo. Dir-me-ão: “Mas, e a tradição... os romanos... o património histórico...?! Seu iconoclasta!...”Responderei: “Até meados do século XIX, não existiam em Portugal passeios públicos com ‘calçada à portuguesa’. Eram usados, em vários pátios e ruelas, seixos rolados do rio. Um ou outro palácio de Lisboa e arredores teria o centro do seu átrio atapetado com pedras facetadas, como rudimentares mosaicos decorativos. Um dia, certo governador do Castelo de São Jorge, o irrequieto e empreendedor capitão Eusébio Furtado, confrontado com o repugnante aspecto das ruelas da freguesia, decidiu inovar, disciplinar e educar: requisitou presos de delito comum e pô-los a partir pedra. Após o que (como agora também se diz), lhes ordenou que as enterrassem à maneira do macadame. Como se estava no princípio da coisa, os pavimentos ficaram muito certinhos, quase tão bons como os da “calçada à checa” que ornamentava e ornamenta as ruas da oriental Praga.A cidade gostou do resultado, o governo de Fontes Pereira de Melo gostou da ideia de humilhar ladrões e indigentes pondo-os a trabalhar de cócoras à vista de toda a população, e o capitão Furtado foi contactado (e contratado) para navegações mais altas. Pôs os seus heróis vilões a martelar no Rossio e desenhou o passeio que focou conhecido como o ‘Mar Largo’. Depois, foi a glória do processo. Tudo o que era estrangeiro, à falta de poder dizer bem de uma cidade pobrezinha e indecisa entre ser estaleiro e ruína, aclamava a graça dos nossos ‘passeios de calçada ornamental’. De piropo em piropo, a cidade de Lisboa foi inchando de orgulho até à presente miséria. Em 1895, o executivo da Câmara determinava que ‘d’ora avante se empregue o empedrado à portuguesa nas construção e reconstrução dos passeios laterais das ruas’. A calçada universalizou-se, e nacionalizou-se, como O passeio público do império lusofónico, da Betesga ao Lobito, do Tamaris a Copacabana, e de Rio de Onor a Timor.Quando o rectangular ‘Mar Largo’ do Rossio, viu as angulosas esquinas serem recortadas em redondo por um génio da Vereação do Trânsito com gosto por corridas de Fórmula Um, ninguém se deu conta que o destino dos passeios de “calçada à portuguesa” tinha novos traços. O que vemos hoje por aí são porventura os acordes finais do fado do empedrado”.Respondido está. Entretanto, reconfortemo-nos. O tapete calcário continua a fazer desenhos sob os pés de quem se aventura a percorrer a ocidental urbe lusitana, assinalada por matagais de esverdeados pilaretes. Como histórias aos quadradinhos.Lembrete: em 1849, o calcetamento do “Mar Largo” do Rossio custou à Câmara Municipal de Lisboa a soma total de 37 réis. Hoje em dia, um metro quadrado de “calçada à portuguesa” não ornamental custa 18 contos de réis (90 Euros, se não me engano) e requer labor suado e ininterrupto de um calceteiro, de um batedor de maço e de um servente, durante 4 a 6 horas. A colocação de alcatrão anti-derrapante fica por uns meros 3 contos de réis por metro quadrado e faz-se em três tempos (mais ou menos uma hora e meia, julgo). Meu rico dinheiro. Meu rico tornozelo. Minha rica trotinette.
Para conhecimento, eis uma resposta, a do Vereador António Prôa, que registo:«Acudam a Calçada Portuguesa –Em sequência do Post de 3 de JaneiroExmos. Senhores,Foi com bastante agrado que li o "Post" que colocou no Vosso blogue "O Carmo e a Trindade" sobre a Calçada Portuguesa. Como facilmente compreenderá é um assunto pelo qual tenho uma especial atenção. Permita-me que diga, que certamente é uma preocupação que ambos partilhamos.Enquanto responsável pela gestão do Espaço Público da cidade, tenho procurado com o apoio empenhado dos serviços municipais, desenvolver acções que dignifiquem a calçada tradicional portuguesa seja na sua recuperação, manutenção ou nova aplicação. È um trabalho árduo que estes homens realizam, muitas vezes pouco valorizado, e que constantemente sofre agressões pela falta de sentido de cidadania que alguns utilizadores de Lisboa apresentam. Mas não vamos desistir. Temos actualmente duas brigadas de calceteiros (seis elementos) em intervenção permanente, em regime de turnos, na Baixa da cidade. Estou a falar das áreas sobre a responsabilidade directa da CML, porque convém relembrar que desde há uns anos a esta parte que, com excepção das zonas mais centrais de Lisboa, a manutenção das calçadas dos arruamentos da cidade é da responsabilidade das Juntas de Freguesia que, para os devido efeito, recebem da Câmara Municipal as verbas respectivas, ao abrigo de um protocolo de delegação de competências. Contudo, não quero deixar de estar aberto a outras abordagens no que respeita a este tema. Para tal, vamos colocar à discussão pública, ainda este ano, um Plano de Pavimentos. Estou certo de que duma forma participada os munícipes de Lisboa irão transmitir a sua opinião sobre as soluções a apresentar no âmbito dos pavimentos urbanos que a cidade deve utilizar perante as novas necessidades e funcionalidades com que nos deparamos todos os dias. Não queria terminar sem me referir à rua Augusta levando em consideração o alerta de um outro blogue. Verificámos a situação descrita e de imediato a brigada no local iniciou os trabalhos de recuperação. Estamos já actuar em conformidade. Termino, saudando este exemplo de participação e preocupação com Lisboa tão bem demonstrada, neste e noutros Blogues, por Lisboetas ou por quem gosta da nossa cidade. Com votos de um bom ano de 2007, endereço os meus respeitosos cumprimentos.António PrôaVereador da Câmara Municipal de Lisboa»
At 7:31 PM, mjsr said...
Junto um texto que publiquei há uns anos, no Linhas Cruzadas: Os passeios de “calçada à portuguesa” são, caros passeantes, três coisas numa só: são tapetes públicos estirados sob os nossos pés, são mapas da cidade em escala 1 por 1, e são bandas desenhadas de artistas anónimos. Escrito de outro modo: são sítio, são percurso, e são repositório de efémeras e inúmeras narrativas individuais e colectivas. Numa palava, ou em três, são “histórias aos quadradinhos”. E gostava de poder dizer que gosto deles.Mas...As “calçadas” são tudo isso que ficou escrito. São também perturbador sinal de um paradoxo da vida urbana em Portugal. Porquê? Eu explico.“Então é assim”, como agora “toda a gente” diz – para dar voz às falsas evidências:Tratamos os passeios de “calçada à portuguesa” de forma ignominiosa. Pisamo-los, sujamo-los, cuspimo-los, atropelamo-los, desprezamo-los. Fazemos deles cinzeiro, lixeiro, e estacionamento das nossas luzidias baratas com rodas. Não os tratamos apenas como chão público que são. Tratamo-los como coisas que não são nossas, como porcarias deixadas no meio da rua pelo vizinho do terceiro direito a quem gostávamos de cuspir na cara se tivéssemos coragem para isso um dia.E, no entanto... E, no entanto, os passeios de “calçada à portuguesa” são cálido objecto da nossa veneração discursiva. Não há urbanita nacional que não se disponha a colocar uma coroa de flores na lápide do nosso orgulho colectivo pelas “calçadas à portuguesa”. Quando falamos delas, uma lágrima de comoção rola pela nossa bochecha. “Ah, sim!”, diria o advogado do Mafarrico, “Ele é tão original fazer passeios com pedrinhas sem graça nem colorido, todos tortos, e tão caros que devoram vorazmente os magros orçamentos camarários destinados à manutenção e renovação urbana em Portugal”.O argumento tem a sua pertinácia. É que, enquanto as veneradas pedrinhas se soltam, sujas de óleo de motor e travões, sob os nossos pés, os prédios – as nossas casinhas - esboroam-se vetustos e malqueridos. E quanto mais nós, pobres contribuintes autárquicos, tropeçamos nos passeios, mais os carros reluzentes e novinhos em folha tomam conta das nossas cabeças. Resumindo muito: a nossa relação com as “calçadas” está toda de pernas para o ar.Cá por mim, fazia-se já um concurso público, escolhia-se as 1000 melhores calçadas do país. Essas, deveriam ser convenientemente amadas e conservadas. Quanto às outras, seriam cobertas com alcatrão liso e antiderrapante para acabar com as manutenções milionárias e as entorses do pé esquerdo. Dir-me-ão: “Mas, e a tradição... os romanos... o património histórico...?! Seu iconoclasta!...”Responderei: “Até meados do século XIX, não existiam em Portugal passeios públicos com ‘calçada à portuguesa’. Eram usados, em vários pátios e ruelas, seixos rolados do rio. Um ou outro palácio de Lisboa e arredores teria o centro do seu átrio atapetado com pedras facetadas, como rudimentares mosaicos decorativos. Um dia, certo governador do Castelo de São Jorge, o irrequieto e empreendedor capitão Eusébio Furtado, confrontado com o repugnante aspecto das ruelas da freguesia, decidiu inovar, disciplinar e educar: requisitou presos de delito comum e pô-los a partir pedra. Após o que (como agora também se diz), lhes ordenou que as enterrassem à maneira do macadame. Como se estava no princípio da coisa, os pavimentos ficaram muito certinhos, quase tão bons como os da “calçada à checa” que ornamentava e ornamenta as ruas da oriental Praga.A cidade gostou do resultado, o governo de Fontes Pereira de Melo gostou da ideia de humilhar ladrões e indigentes pondo-os a trabalhar de cócoras à vista de toda a população, e o capitão Furtado foi contactado (e contratado) para navegações mais altas. Pôs os seus heróis vilões a martelar no Rossio e desenhou o passeio que focou conhecido como o ‘Mar Largo’. Depois, foi a glória do processo. Tudo o que era estrangeiro, à falta de poder dizer bem de uma cidade pobrezinha e indecisa entre ser estaleiro e ruína, aclamava a graça dos nossos ‘passeios de calçada ornamental’. De piropo em piropo, a cidade de Lisboa foi inchando de orgulho até à presente miséria. Em 1895, o executivo da Câmara determinava que ‘d’ora avante se empregue o empedrado à portuguesa nas construção e reconstrução dos passeios laterais das ruas’. A calçada universalizou-se, e nacionalizou-se, como O passeio público do império lusofónico, da Betesga ao Lobito, do Tamaris a Copacabana, e de Rio de Onor a Timor.Quando o rectangular ‘Mar Largo’ do Rossio, viu as angulosas esquinas serem recortadas em redondo por um génio da Vereação do Trânsito com gosto por corridas de Fórmula Um, ninguém se deu conta que o destino dos passeios de “calçada à portuguesa” tinha novos traços. O que vemos hoje por aí são porventura os acordes finais do fado do empedrado”.Respondido está. Entretanto, reconfortemo-nos. O tapete calcário continua a fazer desenhos sob os pés de quem se aventura a percorrer a ocidental urbe lusitana, assinalada por matagais de esverdeados pilaretes. Como histórias aos quadradinhos.Lembrete: em 1849, o calcetamento do “Mar Largo” do Rossio custou à Câmara Municipal de Lisboa a soma total de 37 réis. Hoje em dia, um metro quadrado de “calçada à portuguesa” não ornamental custa 18 contos de réis (90 Euros, se não me engano) e requer labor suado e ininterrupto de um calceteiro, de um batedor de maço e de um servente, durante 4 a 6 horas. A colocação de alcatrão anti-derrapante fica por uns meros 3 contos de réis por metro quadrado e faz-se em três tempos (mais ou menos uma hora e meia, julgo). Meu rico dinheiro. Meu rico tornozelo. Minha rica trotinette.
At 6:08 PM, Cabral-Mendes said...
Lembro-me, com uma certa angústia, de quando era pequenino e passeava na Baixa Lisboeta com meus pais, pelas ruas tão lindas...podia-se beijar o chão de tão limpo ele estava...e irregularidades, muito menos buracos, eram anomalias que não existiam. De facto, viam-se sempre homens com uns maços que cuidavam, com carácter de permanên cia, daquelas. Hoje, qual é a senhora que pode calçar uns sapatos de salto alto com Lisboa toda esventrada? Como a minha mulher se queixa!Ai que saudades do meu Portugal arrumado, organizado, limpo!
At 7:21 PM, Marta said...
É preciso calceteiros?Mas o nosso governo lançou o programa Novas Oportunidades, para que todos possam ser universitários, doutores, e ninguém precise de ter profissões mal remuneradas, como ser calceteiro...Em nome da calçada portuguesa encorajariam o vosso filho a ser calceteiro em vez de prosseguir os estudos? Ou vamos ter calceteiros moldavos e baianos?Que preço têm os calceteiros?
Lembro-me, com uma certa angústia, de quando era pequenino e passeava na Baixa Lisboeta com meus pais, pelas ruas tão lindas...podia-se beijar o chão de tão limpo ele estava...e irregularidades, muito menos buracos, eram anomalias que não existiam. De facto, viam-se sempre homens com uns maços que cuidavam, com carácter de permanên cia, daquelas. Hoje, qual é a senhora que pode calçar uns sapatos de salto alto com Lisboa toda esventrada? Como a minha mulher se queixa!Ai que saudades do meu Portugal arrumado, organizado, limpo!
At 7:21 PM, Marta said...
É preciso calceteiros?Mas o nosso governo lançou o programa Novas Oportunidades, para que todos possam ser universitários, doutores, e ninguém precise de ter profissões mal remuneradas, como ser calceteiro...Em nome da calçada portuguesa encorajariam o vosso filho a ser calceteiro em vez de prosseguir os estudos? Ou vamos ter calceteiros moldavos e baianos?Que preço têm os calceteiros?
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