"O LUZINHAS E AS ILUMINAÇÕES
Quando eu era miúdo, havia na Baixa um tontinho a quem chamavam o Luzinhas. Durante 11 meses do ano, o Luzinhas era um tontinho discreto. Em Dezembro, o Luzinhas justificava a sua alcunha, porque ficava completamente sob o efeito das iluminações de Natal. O rapaz - teria os seus vinte e poucos anos - passava então os dias a pasmar, como que em transe, para as decorações luminosas que enfeitavam toda a Baixa.
Podia fazer um frio de rachar calhaus, uma ventania de fim do mundo e do céu desabarem milhares de litros de água, que o Luzinhas não arredava pé do meio do passeio, o olhar parado fixo nas figuras alusivas feitas de lâmpadas. Às vezes, lá vinha um lojista puxá-lo para o abrigo de um toldo, mas era como se ele nem sentisse a tormenta. Só tinha mesmo olhos para as luzes.
Quando calhava alguém parar a seu lado a apreciar as iluminações, era como se o Luzinhas tivesse encontrado uma alma gémea. Tocava levemente no ombro da pessoa, levantava o braço, apontava para o ar e balbuciava: "O anjinho..." , "O presépio...", "O Menino Jesus...".
(...)
O Luzinhas era um tontinho inofensivo e "poético", daqueles que uma certa literatura piegas e um certo jornalismo ronceiro, hoje desaparecidos, gostavam muito de mungir para puxarem a lágrima fácil ao leitor. E veio-me à cabeça não por sentimentalismo de calendário ou por nostalgia pronta-a-sentir, mas porque agora as iluminações de Natal em Lisboa são acendidas cada vez mais cedo e são cada vez mais abundantes, por causa dos grandes centros comerciais, mas perderam quase por completo os motivos decorativos próprios da quadra. Tornaram-se friamente "laicas" e neutras.
Sobretudo as iluminações camarárias, onde já não se vêem presépios, anjos a tocar trombeta, estrelas de Belém, o Menino Jesus nas palhinhas ou os Reis Magos, mas sim figuras estilizadas e motivos abstractos, sem qualquer relação directa ou associação com a festa que se vive.
Isto não tem nada a ver com o ser-se religioso ou não, ou com o ainda ter ilusões sobre uma quadra que há muito se tornou num pretexto para o consumismo galopante. Tem, isso sim, a ver com tradições antigas, simpáticas e pertinentes, que se vão perdendo sem que ninguém faça nada para as recordar e manter.
Se o Luzinhas fosse vivo hoje, coitado, andava aflito a olhar para as iluminações de Natal, à procura de uma personagem, de uma imagem familiar em que pudesse fixar os olhos."
Eurico de Barros no DN: O LUZINHAS E AS ILUMINAÇÕES
Podia fazer um frio de rachar calhaus, uma ventania de fim do mundo e do céu desabarem milhares de litros de água, que o Luzinhas não arredava pé do meio do passeio, o olhar parado fixo nas figuras alusivas feitas de lâmpadas. Às vezes, lá vinha um lojista puxá-lo para o abrigo de um toldo, mas era como se ele nem sentisse a tormenta. Só tinha mesmo olhos para as luzes.
Quando calhava alguém parar a seu lado a apreciar as iluminações, era como se o Luzinhas tivesse encontrado uma alma gémea. Tocava levemente no ombro da pessoa, levantava o braço, apontava para o ar e balbuciava: "O anjinho..." , "O presépio...", "O Menino Jesus...".
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O Luzinhas era um tontinho inofensivo e "poético", daqueles que uma certa literatura piegas e um certo jornalismo ronceiro, hoje desaparecidos, gostavam muito de mungir para puxarem a lágrima fácil ao leitor. E veio-me à cabeça não por sentimentalismo de calendário ou por nostalgia pronta-a-sentir, mas porque agora as iluminações de Natal em Lisboa são acendidas cada vez mais cedo e são cada vez mais abundantes, por causa dos grandes centros comerciais, mas perderam quase por completo os motivos decorativos próprios da quadra. Tornaram-se friamente "laicas" e neutras.
Sobretudo as iluminações camarárias, onde já não se vêem presépios, anjos a tocar trombeta, estrelas de Belém, o Menino Jesus nas palhinhas ou os Reis Magos, mas sim figuras estilizadas e motivos abstractos, sem qualquer relação directa ou associação com a festa que se vive.
Isto não tem nada a ver com o ser-se religioso ou não, ou com o ainda ter ilusões sobre uma quadra que há muito se tornou num pretexto para o consumismo galopante. Tem, isso sim, a ver com tradições antigas, simpáticas e pertinentes, que se vão perdendo sem que ninguém faça nada para as recordar e manter.
Se o Luzinhas fosse vivo hoje, coitado, andava aflito a olhar para as iluminações de Natal, à procura de uma personagem, de uma imagem familiar em que pudesse fixar os olhos."
Eurico de Barros no DN: O LUZINHAS E AS ILUMINAÇÕES
1 comentário:
E o que me irrita é que se passa a vida a falar em reduzir a factura energética do país.
Vão mas é caçar gambuzinos.
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