sexta-feira, novembro 21, 2008

A bolsa ou o desemprego

Desde meados de 1980 que não andava sozinha de comboio. É estranho, mas é verdade. Após consultas, decidi escolher o “Alfa Pendular” que me conduziria até à estação Coimbra-B. Apesar de já ter o bilhete comprado, cheguei com uma hora de antecedência. Cá fora, chovia, uma maçada, porque, apesar de levar chapéu, ia de ténis. Ao lado da linha 1, indicada no quadro como seguindo para o Porto, não havia vivalma, o que me suscitou receios. Seria Coimbra-B – porquê B? – um apeadeiro onde era perigoso a uma senhora circular depois do sol posto?

Desloquei-me até à frente do comboio, tentando ver se este tinha o número igual ao do bilhete, mas, nada tendo descoberto, decidi aguardar na plataforma, comreceio de ir parar a Torre de Moncorvo. Como a chuva se intensificasse, tentei detectar a minha carruagem, mas nenhuma ostentava o dístico de 1ª classe. Notei finalmente a existência de uma intitulada “Conforto”, um eufemismo para aquilo que buscava.

Uma vez lá dentro, tentei ler um romance, até perceber que a música ambiente impedia a concentração. Olhei o relógio pregado na parede da estação: um papel dizia estar “Fora de Serviço”. Eram 16h49 quando começaram a chegar outros passageiros. Nenhum trazia livros: apenas laptops, revistas e telemóveis. Do mal o menos: às 17h02 já eu atravessava a Lisboa solarenga, convivendo, mal, com os prédios que, ao longo das décadas, se foram construindo. De novo, parámos: era a Gare do Oriente. Olhei a estação desenhada por Santiago Calatrava, paredes-meias com couves galegas em quintais desordenados.

À minha frente, sentou-se uma rapariga de cabelo oxigenado, unhas escarlate escuro e chinelas de salto altíssimo. A certa altura, o seu telemóvel tocou. Ela respondeu: “Sabes, durante estes dias, estive a pensar e decidi candidatar-me a uma bolsa de doutoramento da FCT (Fundação da Ciência e Tecnologia).”Do outro lado, alguém rosnou, ao que, na sua voz esganiçada, ela retorquiu: “Bem sei,mas, que queres, não arranjei mais nada…”Quem não pode ou não sabe, vai para doutorando. Não admira que os estudantes estejam desmotivados e desesperados quem tem de os leccionar.


Maria Filomena Mónica


In Meia Hora

1 comentário:

Anónimo disse...

Peço desculpa, mas há dias MFM insurgia-se contra um dos quesitos de certo questionário, que incide sobre a predisposição para vestir roupas “vistosas, boémias ou que chamassem a atenção de qualquer forma”.

Afinal, cai na armadilha de criticar o cabelo, as unhas e as chinelas da rapariga.