DADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS, tentei fazer o melhor que pude. Durante dez meses, apresentei diligentemente propostas e requerimentos, li dossiês, alvitrei aqui e ali, votei de modo a ter o menor peso possível na consciência. Recusei o carro com motorista acoplado, mantive-me afastado de recepções, festas e cerimónias, não vesti o típico fato e gravata negros, e não reuni uma vez sequer com banqueiros, empreiteiros ou sindicalistas. Durante dez meses, senti o serpentear dos infecciosos mecanismos de desresponsabilização colectiva que fazem a rotina diária da mais disfuncional, mastodôntica e inimputável autarquia do país.
Excepto num ou noutro caso, restringi o meu contributo propositivo aos problemas de mobilidade e segurança viária da cidade. Perorei o menos possível, numa vã tentativa de evitar que as reuniões do executivo camarário se prolongassem para além das dez horas. E nunca deixei de anotar e desenhar em caderno próprio a viagem que fiz à volta do mundo da administração local lisboeta em 304 dias.
Em todo este tempo, correndo das aulas para as reuniões camarárias, e destas para casa, volta-não-volta às duas horas da madrugada, uma pergunta perseguiu-me continuamente: “O que estou eu a fazer aqui?”.
A interrogação faz o título do derradeiro livro do viajante-escritor Bruce Chatwin. É uma pergunta comum a todo o antropólogo que se aventura em cantos perdidos do mundo onde os usos, os costumes e as maneiras de pensar lhe surgem como profundamente diferentes dos seus. É portanto uma dúvida que eu era já suposto conhecer como chavão existencial.
A primeira vez que ela aflorou o meu espírito foi logo na tarde do dia um de Agosto de 2007, durante o interminável ritual do beija-mão que se seguiu à tomada de posse dos vereadores da autarquia lisboeta. Ao ver e ao sentir a minha mão direita apertada pela do presidente de conselho de administração de um dos maiores grupos financeiros portugueses, senti um calafrio. É que logo naquele momento a pergunta “O que estou eu a fazer aqui?” ganhou uma coloração bem mais chã que a da mera dúvida existencial, porque se lhe associou inevitavelmente uma outra: “O que está ele a fazer aqui?”. “Ele” era um banqueiro português que não considerou ser tempo perdido despender uma tarde abafada de Agosto marcando presença na longuíssima tomada de posse de um executivo camarário de curta duração.
Nunca mais voltei a cruzar-me com o banqueiro, nos 10 meses em que estive vereador da CML, mas a sua sombra pessoal e institucional nunca deixou de pairar sobre o executivo camarário. Era uma sombra crua que me dizia em surdina “Que estás tu a querer fazer? Quem manda aqui sou eu”.
Ao fim de dez meses, conformei-me: de facto, não estava ali a fazer nada.
10 comentários:
É de Homem.
Existissem mais, e não existiria: " ... infecciosos mecanismos de desresponsabilização colectiva que fazem a rotina diária da mais disfuncional, mastodôntica e inimputável autarquia do país."
Lisboa: Vereador rejeita embargo do edifício da Cofina
O vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa rejeitou para já a hipótese de embargo à obra do edifício do grupo Cofina, cujos vizinhos acusam de prejudicar a sua qualidade de vida, devido à excessiva proximidade com as suas casas.
Manuel Salgado frisou que o loteamento foi aprovado no tempo em que Krus Abecassis era presidente da Câmara e lamentou que "as pessoas só se apercebam dos projectos quando eles nascem do chão, porque houve um período de discussão pública e ninguém reclamou".
Krus Abecassis foi eleito em 1979 , cargo que renovou nas eleições de 1985 e manteve até 1989.
Ora, sendo este loteamento datado de há décadas, têm os reclamantes que conhecer o processo de inquérito publico do loteamento?
E a legislação em vigor a altura do Krus Abecassis obrigava a consulta publica?
Sendo a CM uma pessoa de bem, como diz Manuel Salgado não deveria ter divulgado pelo menos o inicio das obras, para as pessoas saberem o que se passava em frente à sua casa?
Manuel salgado esquece-se que se calhar as pessoas que compraram casas no prédio ainda noa tinham nascido no tempo do alvará!
E por ultimo, o lavara foi sucessivamente prorrogada a sua validade. Por quem???
A CM continua uma caixa de Pandora. Perigosa
Haja decoro
Só há uma conclusão a tirar ao que diz o sr Manuel João Ramos, eleito na lista de Helena Roseta.
Demita-se, e seja coerente com o que escreveu.
Caso contrario o que acaba de escrever é muito semelhante ao Calimero....
O/A anónimo/a das 11:35 parece não entender português, ora, faça o favor de voltar a ler:
«(...) em que estive vereador da CML, (...)
Ao fim de dez meses, conformei-me: de facto, não estava ali a fazer nada.»
Paulo, seria melhor não permitirmos comentários anónimos, se as pessoas quiserem insultar, que o façam às claras.
Já agora, quem é o banqueiro?
EHEHEH
Esse anónimo que escreveu: Manuel João Ramos, eleito na lista de Helena Roseta.Demita-se, e seja coerente com o que escreveu, É O RETRATO QUE TEMOS.
nÃO SE PODE SER HONESTO. A CM DE LISBOA É UMA MÁQUINA TRITURADORA DE GENTE BOA. FICAM AQUELES QUE ANDAM A ARRASTAR OS PES, QUE SE FINGEM DE MORTOS, QUE ANDAM NAS NEGOCIATAS, OU NÃO TÊM QUE CAIR MORTOS.
É ISSO QUE ESTE ANÓNOMO QUER: JÁ AGORA, TÃO JUSTICEIROS E PORQUE NÃO SE ASSINA?
Maria Teresa Goulão
Manuel João Ramos, o sr. apresentou-se ao eleitorado de Lisboa numa lista da Helena Roseta, e teve o voto e a confiança de milhares de Lisboetas.
Ao escrever o que escreveu, está a defraudar aqueles que votaram nessa lista, e em si, pensando que com o seu voto estavam a eleger alguem que iria ser um vereador que não se dispunha a pactuar com o existente, e se necessario publicamente, denunciaria casos concretos com que não concordasse , exigindo aos seus pares uma atitude de defesa dos interesses de Lisboa e dos Lisboetas.
E afinal o que vejo escrito queixumes lamentos, e desilusão, essa foi a razão porque utilizei a figura do Calimero.
Não para o ofender, mas para lhe chamar a atenção que é o representante de milhares de Lisboetas que em si votaram, e que esperam até ao fim do mandato, que tenha espirito de cidadania para denunciar o que continua mal, e é muito.
Olhe o escandalo da Quinta do Mineiro, que o Manuel Salgado quer deixar passar a todo o custo, e que cheira demasiado a corrupção.
Não se sente com forças de lutar para que casos como este sejam travados?
O anonimato na Net é uma figura de estilo, eu sou um mero cidadão de Lisboa, atento á minha cidade, e com ela preocupado.
Qual a importancia do meu nome....
Aliás muitas vezes desconhecemos totalmente que são as pessoas que assinam, e são tão anonimas como aquelas que o não fazem.
Para terminar ressalvo não o quis ofender....
Mas não aceito que um vereador que representa milhares de Lisboetas , possa escrever um texto que acaba por ser um sinal claro de assunção de derrota e de desistência....
Não havemos de passar disto. Eu também já não quero saber.
Cumpts.
e porque não escreve um livro com as suas notas? Podia ser bom para a campanha que se avizinha!
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