Manuel João Ramos*
QUE O PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA tenha sido eleito por um em cada nove lisboetas não é normal. Que o seu grupo de vereadores tenha poder de planear e gerir projectos tão estruturais como a terceira travessia do Tejo, a frente ribeirinha, urbanizações e reabilitações de vastas áreas do território da cidade é quase um golpe de estado.
É urgente que um ciclone varra a classe política instalada, que uma tempestade curte-circuite o espectro partidário, que uma onda gigante leve os maçons para França, os opus dei para Itália, o compadrio para a Sicília e as cunhas para Espanha (cuña = berma).
A população portuguesa está-se nas tintas para o socialismo, borrifa-se para a social-democracia, marimba-se para a democracia cristã, considera o comunismo uma anedota, e o bloquismo de esquerda uma espécie de loja do canhoto.
Ninguém, a não ser os clientes da partidocracia em que se tornou a cangalhada herdada da revolução de 1974, se revê sinceramente no sistema político montado, em que a ordem é produzida em Bruxelas, o sustento é assegurado por grupos financeiros e a mira da felicidade é acaparada pela peste do futebol. O resultado confrangedor deste estado de coisas da res publica lusitana é um intransponível abismo cavado entre eleitores e eleitos, que se espelha na quase total ausência de participação cívica na vida política, e no desamor colectivo pelos conceitos de comunidade e de civilidade.
Lisboa é um caso agudo desta derrocada cultural. Em grande parte tal é devido à existência de um mastodonte político-administrativo chamado CML.
A CML deveria ser, pura e simplesmente, suprimida e em seu lugar deveriam ser criadas dez câmaras que pudessem gerir eficazmente os vários núcleos urbanos que compõem a cidade. Estas câmaras, com as dos concelhos limítrofes, deveriam compor um conselho municipal com funções de gestão e planificação estratégica, que absorvessem funções da CCDR e do governo civil. A miríade de freguesias deveria ser destituída segundo o princípio de que uma junta de freguesia urbana não deveria administrar uma população menor que 5.000 e maior que 20.000 habitantes. A Assembleia Municipal deveria ser correspondentemente reformada de modo a funcionar como parlamento regional.
Seria mais lógico que os munícipes votassem em agrupamentos cívico-partidários que representassem e defendessem interesses específicos à freguesia, ao núcleo urbano, à cidade e à região.
Depois de tal terramoto, justificar-se-ia a criação de um museu dedicado à evocação da memória dos tempos jurássicos da democracia portuguesa. Seria o local indicado para contemplar as foices, martelos, setas, punhos e flores, bolas e estrelas partidárias.
* Cidadão de e por Lisboa
4 comentários:
O sr Ramos cada vez me consegue espantar mais.
A minha pergunta singela, é :
Porque se candidatou á Camara de Lisboa?
A pergunta é singela, de facto.
daí a resposta de meia tigela?
caro ex vereador, confesse, apetecia-lhe contemplar as foices, martelos, setas, punhos e flores, bolas e estrelas partidárias, sem pagar bilhete. Não há estudos grátis.
Com todos os defeitos, não deixa de ter razão.
Não é crime ter a ilusão de julgar que se poderá realizar qualquer coisa a favor e em benesse dos lisboetas.
Assistimos impávidos a servirem-se de Lisboa.
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