quarta-feira, julho 29, 2009

Queridos carrinhos nossos concidadãos*

Antes que os políticos comecem a desenvolver mais estratégicas para o bem da cidade, deixo-lhes um texto muito sintomático do estado em que Lisboa se encontra há demasiado tempo, sem fim à vista.
Bem sei que a malta que anda a pé ou em carrinhos de rodas não interessa muito, mas mesmo assim, aqui fica um excelente relato do que é "viver Lisboa", ou lá o que queiram inventar, com os meus agradecimentos à Rita, (com a sua peculiar escrita tão gráfica quanto as obstáculos que ultrapassou), residente em Madrid.
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Quarta-feira, Outubro 22, 2008

E lá na Grande Alface, decidimos os senhores de Pinheiro levar o Rititi Boy da Estrela até ao Chiado, empurrando carrinho que é como se passeiam os bebés desde que o mundo ficou motorizado. Ah, que grandes aventuras que gostamos nós de viver! Porque uma coisa é Madrid, uma cidade com passeios largos e mentalidade europeia e outra bem diferente é a nossa querida Lisboa, tão decadente, tão luminosa e tão desconfortável para o caminhante.
Mas comecemos pelo princípio, a saída de casa. Impossível, ficámos presos. Estacionada à porta do prédio eis que estava uma bela de uma carrinha audi A35, com os seus dez metros de comprimento escarrapachados no passeio. Matizo: à porta não, dentro da porta. Porque em Lisboa o conceito de estacionamento vai mais além dos limites lógicos da física, o dono da carrinha achou que a sua viatura estaria mais segura tapando a saída da minha casa. Foi mais ou menos quando Mr. Pinheiro começou aos pontapés à carrinha que eu me dei conta da odisseia em que se ia transformar um simples e simpático passeio pelas ruas da cidade. E como se tira um carrinho de bebé de uma casa lisboeta? À bruta. Apanha-se no carrinho com garra e atitude e poisa-se em cima da viatura que obstaculiza a saída do prédio. Ah, mas assim risca-se o carro, ouço por aí dizer. Pois é, que se *#$***% o carro.
Seguimos: já na rua reparamos que não há passeios livres porque como ficou lá atrás explicado o lugar onde se estacionam os carros é em cima do passeio. Como ainda não tirei o curso de voar na escola de pássaros nem o meu marido gosta de exibir em público a seu superpoder do tele-transporte, não tivemos mais opção que empurrar o carrinho pela estrada, ali da rua de São Bernardo à Alvares Cabral. Um saltinho. Cinco minutos. Claro que não estávamos sozinhos. Taxis, carros, motas e camionetas faziam o favor de nos seguir, qual romaria à nossa senhora dos carrinhos, à trepidante velocidade de 0,010 km por hora. E que linda sinfonia que ouvíamos, senhores! Saiam-me da frente, buuuuu, fora daí seus #####%%, piiiii, e assim ficou o Rititi Boy a conhecer o dialecto da capital. Ah, mas assim entupiam o trânsito, ouço por aí dizer. Pois é, que se ????%% o trânsito.
Mais: a Alvares Cabral é uma grande avenida e o Rato, uma zona central, e a Rua da Escola Politécnica uma arteria das que chamam principal, com o Procuradoria-Geral da República a comandar a via. Pois muito bem, já andei em aldeias do terceiro mundo melhor pavimentadas que estas, por não falar já da lógica de pôr candeeiros no meio do passeio que impedem o normal caminhar ou do estado lamentável da puta da calçada portuguesa. Há partes da calçada, palavra de honra, que parecem remendadas por manetas cegos com ódios concretos aos pais com carrinhos e senhores em cadeiras de rodas. Obras sem sinalizar, cruzamentos tapados por camionetas e polícias que nem se dignam a parar o trânsito quando não se pode passar com o carrinho por culpa de uma betoneira no meio do passeio. Ah, mas o polícia só estava ali para fiscalizar a obras, ouço por aí dizer. Pois é, que se ###** o polícia.
Até à Trindade encontrei um total de sete carrinhos de bebés, sendo de cinco eram empurrados por turistas nórdicos e dois por criadas sem medo a morrer atropeladas por um autocarro psicopata. Nativos, zero, o que também não é de estranhar devido ao pouco interesse que os autarcas municipais mostram por ter as ruas cheias de crianças. O centro de Lisboa, nesse sábado, aliás, estava, como sempre, às moscas, sem famílias, sem crianças que devem estar refundidas na expo ou nalgum centro comercial com estacionamento regulado e elevadores com capacidade para dez carrinhos de bebés. Já podem vir com teorias para reabilitar o centro ou gastar dinheiro em merdas de espectáculos de rua, mas bastava com arranjar os passeios, regular o estacionamento, que a gente ia lá, gozar a cidade, como se gozam todas as capitais europeias. Ah, mas Lisboa é gira porque é caótica, ouço por aí dizer. Pois é, que se =%%%% Lisboa, então.
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* Título da minha autoria
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Também escrito por mim em 25 de Abril 2008 , o post "Grande lata".

7 comentários:

Mar Arável disse...

Caos do sodré

ao poder

Anónimo disse...

Que tal passar à acção directa - formar uma brigada ágil para pisar (literalmente) os carros que estão em cima dos passeios?
Teresa Soares

The Caped Crusader disse...

Gosteui muito do texto. Faz-me lembrar os meus óptimos (not!) tempos de empurrar o carrinho do meu puto na cidade.

E siga a farsa.

Anónimo disse...

E não sei se se recordam que a Rua da Escola Politécnica foi há relativamente pouco tempo vedeta num evento daqueles que Lisboa "adoora": a Europália 91.

Quem por lá passa, ao fim destes anos, nem acredita...

M Isabel G disse...

Sim. os peões não interessam nada. Aliás o debate sobre a cidade faz-se sempre sobre os carros, o estacionamento de carros, a circulação de carros, os trajectos dos carros, etc.

E com tanto amor aos carros nunca se fala das cargas e descargas com que aliás os automobilistas condescendem demasiado. Ah pois é! Nunca se sabe quando precisamos :)
Um jeitinho na farmácia, no multibanco, etc... e os piscas ligados, esses grandes amigos dos lisboetas.
Aliás, isso dos piscas a torto e a direito devia ser multado porque servem para assinalar emergências.

E perdoem-me o cinismo, quando falam de peões, não passa de demagogia, porque logo aparecem os carros em cima dos passeios.

Anónimo disse...

Ainda há pouco passei por Bragança e (pasmem!) lá há variadíssimos locais assinalados para «cargas e descargas», com traços amarelos nos recortes respectivos, e, pelo que me pareceu, são respeitados.

Em Lisboa são raros e não são respeitados.

Na rua onde moro, se quiser ir de férias (ou quando voltar) não tenho nem lugar para estacionar nem espaço nas redondezas para «cargas e descargas».

Remédio? Partir ou chegar ao fim-de-semana ou então empatar o trânsito enquanto ponho as malas no carro (ou dele as tiro).

Claro que se levanta logo um coro de buzinas. Mas que outra solução tenho eu (e os nas mesmas circunstânias)?

Julio Amorim disse...

Hehe....esta história do carrinho de bebé já eu a vivi lá para 1989. Mas bolas...ainda só passaram vinte anos e Roma não se fez num dia. A ideia da "brigada ágil" parece-me simpática...desde que usem botas cardadas!
Será que os meus netos lá para 2040ainda têm que ir para a estrada com os seu bebés e o carrinho?