"Todas as semanas, antes de iniciar estas crónicas no Jornal Metro, atiro uma moeda ao ar. Se a moeda der cara, escrevo um texto elogioso e ditirâmbico sobre algo. Se a moeda der a outra face, desanco em alguém ou no Benfica. Portanto, quando a moeda sai cara, tenho de inventar um tema mais condescendente. Tipo o novo disco dos Keane, já ouviram? É muito bom. Cada vez que sai coroa, só preciso de me lembrar do que António Costa anda a fazer por Lisboa. Muitas vezes, não preciso de moeda, basta-me ler os jornais e revirar os olhos. A perplexidade desta semana? A cedência comercial da Avenida da Liberdade à Renault para exercícios de Fórmula 1, previstos para o último fim de semana de Outubro.
Imagino as negociações entre os autarcas e o responsável da marca francesa:
- Então quer fazer uma corridita na Avenida da Liberdade?
- Oui, é muito parecida com os champs elisées.
- Mas em vez de alta cilindrada não podiam fazer com dois cavalos?
- Pardon? 2CV é Citröen...
- E você é?...
- Renault.
- Eu sei, pá, ‘tava a reinar!
- Excusez-moi. Ah ah ah (ouvem-se gargalhadas em francês e português).
- Caro amigo, tenho de passar este dossier ao chefe. Mas por mim, tudo bem. Quanto é que está disposto a pagar?
- Não é preço tabelado?
- É e não é. Tente saber quanto é que a Skoda pagou para alugar a Praça das Flores durante 20 dias e faça as contas. Vou dar-lhe o telemóvel do Sá Fernandes e trata tudo com ele. Mas prometa-me uma coisa: depois da corrida, vai deixar-me a avenida num brinquinho, não vai?
Não acredito que a jóia da coroa desta cidade, a Avenida da Liberdade, alguma vez possa voltar a ser um “brinco”. O ruído, a poluição, as esplanadas, a indigência, os sem-abrigo, os socalcos do alcatrão, os prédios devolutos, o pulmão intoxicado, o São Jorge e os planos urbanísticos do Parque Mayer. Isto é Lisboa ou Dresden depois do bombardeamento? António Costa não é culpado por tudo, mas pôs-se a jeito e agora parece estar à venda. A sorte dele é que o PSD planeia contra-atacar com Santana Lopes para as autárquicas de 2009. Ora, voltar a chamar Santana Lopes para Lisboa é como convidar Nero para o município de Roma e oferecer-lhe um lança-chamas. Realmente, para incendiar Lisboa prefiro António Costa. Há algo de poético no modo como ele sorri perante o enxovalho público, o delírio moral e o fim da honra".
Miguel Somsen
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