Ao proceder à exclusão de uma parte volumosa da sociedade, a classe dirigente pulverizou o contrato social que mantinha um certo equilíbrio civil. E os panegiristas da "nova ordem económica", que em duas décadas causou injustiças medonhas, e permitiu a ascensão crescente de uma casta sem ética nem dignidade, tentam recompor-se, criticando os estilos de consumo e a "ganância insustentável". Há mais fome no mundo, mais ressentimento, mais ódio e mais rancor. A crise veio desvelar o que uma espantosa (e bem dirigida) manipulação da informação e das consciências transformou em júbilo, o que, de facto, era monstruoso. A TVI exibiu, há pouco, uma reportagem de Rui Araújo, na qual a fome e o medo eram questões fundamentais. É um documento terrível. Araújo conta que, na Cova da Beira, há quem sobreviva com 80 cêntimos por dia, e os mais afortunados com três euros. Acaso os grandes interesses económicos não constituíssem intransponíveis obstáculos, a Cova da Beira poderia alimentar parte substancial do País. O repórter da TVI conta a história de um casal, ele tipógrafo, ela taxista, ambos desempregados, que foram coagidos, pelas circunstâncias, a abandonar Lisboa, onde viviam, e a instalar-se em casa de familiares, numa aldeia da Beira Interior, onde as coisas estão mais em conta. A reportagem não constitui uma parábola nem é uma metáfora: representa, na sua pungente exposição, a nossa perda de humanidade. Eis o panorama. Que nos oferecem José Sócrates e Manuela Ferreira Leite? Nada que rompa com o estabelecido. Ambos simbolizam organizações que se pretendem hegemónicas, actuando em esferas ideológicas muito semelhantes. Ambos favorecem um nivelamento progressivo das consciências e uma determinada forma de domesticação mental de que resultam as nossas múltiplas incertezas e os nossos medos permanentes.
Baptista-Bastos
1 comentário:
Realmente, uma parte volumosa da sociedade está excluída de aceder às casinhas da CML.
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