Passámos a vida a andar de um lado para o outro. A saída foi sempre determinada pelo sofrimento. E o sofrimento tem várias faces: a miséria, o desemprego, a repressão, a perseguição, a guerra, a ausência de futuro. Criámos um leito de nações e depusemos o espigão da língua um pouco por todo o mundo. E o Tejo, o claro e ledo Tejo de Camões, foi sempre um rio de partida; a chegada envolvia catástrofe: o regresso do que sobrava das caravelas, os caixões dos mortos, o retorno discreto dos estropiados do conflito colonial, a remigração dos que se não haviam adaptado a terras novas. O espelho poliédrico desta história atormentada reflecte algo de transgressivo. O Alpedrinha, que o Eça foi encontrar na Alexandria, é, afinal, um friso de rostos e de signos que formam Portugal. Se o português está em todo o lado, que saiba abrir os braços a quem dele precisa. Um livro, O Negro em Portugal, uma Presença Silenciosa, de José Ramos Tinhorão, revela, sem sorrisos ortopédicos, o que admitimos e o que rejeitámos. E não nos temos portado muito bem. Também muito bem não temos sido tratados. Os bidonvilles dos arrabaldes parisienses não são exemplos únicos. Areámos os metais aos suíços, afagámos os tornos nos acelerados terminais de produção da Alemanha, limpámos a neve em Nova Iorque, abrimos os secos e molhados no Rio de Janeiro, asseámos o sujo em todos os países que precisassem de mão-de- -obra barata.
A imagem devolvida desse imenso tropel de aflição está simbolizada no título "Queremos ficar, ajudar o País e trazer a nossa família", impresso na página 9 do DN de anteontem. É o dramático apelo de um imigrante paquistanês, indocumentado, durante a marcha, em Lisboa, contra a sinistra "política de retorno" da União Europeia. Poderia muito bem ser o grito de um português imigrado em Paris, em Berlim, em Basileia. O indocumentado é um clandestino acossado pela própria sombra: assustado, submisso; a transposição da dignidade numa decomposição sem metáforas. E o carácter da xenofobia associa-se a essa pavorosa moral da servidão, que transforma a antiga vítima num inclemente algoz. A Europa social nunca, realmente, o foi, nem mesmo no vendaval de esperança que a assolou, logo após a II Grande Guerra. E a União é uma parábola de mentiras, embrulhada num sudário de palavras que já não convencem ninguém. Explora oito milhões de indocumentados, criando, entre os imigrados, o terror comum a todos os animais, que reagem violentamente porque apavorados. A Europa está cada vez mais laminada pela selvajaria de uma condição nocturna e tirânica, que se abateu sobre a ideia de democracia e civilização. E os políticos são os primeiros hipnotizados pelo que dizem e pelo que, sabendo-o, recusam desocultar a verdade. Creio que os laços estão definitivamente rasgados.
Baptista-Bastos
In Diário de Notícias
1 comentário:
Uma casa da câmara para cada paquistanês! Que os que as ocupam injustificadamente sejam postos na rua!
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