sexta-feira, outubro 17, 2008

VERDADE OU POESIA

Os antigos escolhiam os chefes que eram capazes de fazer chover e de conseguir outros milagres aparentes. Ou, numa versão mais laica, escolhiam para os dirigir os que pareciam ser bafejados pela sorte (ou pela fortuna, como se dizia). A comunicação com os deuses (ou a sorte) notava-se em especial em épocas difíceis ou problemáticas, quando os pobres mortais se reuniam atemorizados, receosos da fúria dos elementos ou olhando para o futuro com pavor.
Lembrei-me de tudo isto a propósito do Orçamento para 2009, unanimemente considerado como um dos mais eleitoralistas orçamentos da história da democracia e que, paradoxalmente, dificilmente poderá ser criticado pelo Presidente da República ou pelas oposições. Se a situação financeira do nosso tempo fosse outra ou se não fosse real a previsão de recessão europeia e até mundial em 2009, outro galo cantaria. Mas sobre isto nada poderia acrescentar ao editorial de Pedro Guerreiro, no Jornal de Negócios da passada quarta feira, pelo que para ele remeto, assino por baixo e passo à frente.
O tema desta vez é o PSD. Notarão os mais fiéis dos meus leitores que há meses que do PSD não digo nada. O PSD também nada tem dito e, por isso, estamos quites. Mas nos últimos tempos tudo mudou. Quase de um dia para o outro, Manuela Ferreira Leite começou a levar bordoada de dentro de casa, pelas mais variadas razões, mas em todo o caso criando-lhe problemas adicionais de afirmação e liderança. Nada disto é estranho neste partido, em regra habitado pela gritaria típica de creches em autogestão, quando não há quem mande. Poderia aliás dizer-se que um célebre provérbio deve sofrer uma pequena mudança para se aplicar ao PSD: “casa onde não há pai, todos ralham e ninguém tem razão”. Eu sei, não rima. Mas está correcto. E sempre achei que nestas coisas é melhor dizer a verdade do que escrever poesia.
Não tenho dúvidas de que Ferreira Leite definiu uma estratégia preguiçosa. Com a subida do preço dos combustíveis, aumento da inflação, subida das taxas de juro, economia a estagnar (lembram-se?) a opção foi estar calada e deixar que o fruto apetecido caísse de maduro ou podre no regaço. O resultado foi não aproveitar esse tempo para consolidar presença e prestígio político e agora estar metida num colete de forças, em que a crise geral mundial obriga a um esforço de coesão e unidade nacional. Malhar no Governo vai ser menos produtivo. Pelo contrário, se o próprio Gordon Brown, que estava morto e enterrado, se dá agora ao luxo de dizer que não é Flash Gordon, mas apenas Gordon, imagine-se o que Sócrates não poderia dizer.
Não tenho também dúvidas de que a líder do PSD não tem especial jeito para dirigir um bando de anarquistas com acesso a jornais e que foi pelos cabelos que aceitou um lugar que comprovadamente não desejava e que nada fez por alcançar. Isso sente-se e, evidentemente, contribui para tornar ainda mais difícil a sua acção. Um fraco rei faz fraca a forte gente. Imagine-se então o que uma rainha pouco motivada faz de gente que nem é forte.
Também para mim é claro que a evolução dos acontecimentos joga contra ela. Sobretudo é-lhe nefasto o facto de não ter estado na primeira linha quando a crise mundial se sentiu, não ter reunido especialistas e dado a imagem de que estava atenta, activa e capaz de fazer propostas. O seu silêncio à espera de que o socratismo apodrecesse pregou-lhe uma partida. O Primeiro-Ministro fez habilmente uma pausa, semeou pequenas notas destinadas (sem sucesso) a acalmar o povo, viu o que estavam a fazer os outros, saltou para cima da onda e cavalgou os acontecimentos. E agora não vejo como a líder do PSD o vai conseguir agarrar.
Por tudo isto se compreende bem que haja muito ruído. Tanto mais que cada um dos apoiantes de Manuela Ferreira Leite (como os de Cavaco no início do seu consulado), no fundo, no fundo, acha que ela não é capaz por si só de se agigantar e vários aspiram a ser o mentor, o tutor, o conselheiro, numa palavra o artista que faz a “marionette” ter movimento. Por isso cada dia que passa – descobrindo que não a dirige ou comanda, que bem ou mal ela faz o que acha certo e não o que pretendem mandar-lhe fazer – mais um se afasta ou começa a criticar. Isso pode ser um modo de ela mostrar poder, mas deve reconhecer-se que é mais fácil que isso ocorra quando se está no governo do que na oposição. Cavaco pôde refugiar-se na sua solidão, porque mandava no País e tinha muito para distribuir. Manuela não tem nada para distribuir e até no PSD manda pouco.
Será assim. Mas o PSD tem de perceber que pela frente surge um adversário que nasceu virado para a lua. Sócrates – com crise grave nas economias mundiais e se estiver à altura – tem a improvável maioria absoluta ao seu alcance e dependendo (quase) só dele. Por isso, a um ano das eleições legislativas, o PSD tem de clarificar de uma vez por todas se quer ir a jogo com Manuela Ferreira Leite – e então tem de se unir à volta dela, cada barão engolir o que não gosta, e rezar para que ela afinal tenha sorte ou faça chover. Ou então nos próximos meses (e já não são muitos) tem de fazer um golpe palaciano (que isso não vai lá com congressos) e dizer-lhe que afinal estão todos enganados e que vai ser preciso indicar alguém como candidato a Primeiro-Ministro e dar a esse novo líder o apoio que manifestamente não estão a dar a esta.
Claro que posso ser eu quem tem razão. O PSD não tem salvação. Mas a bem do sistema político português desejava que em vez de dizer a verdade nisso eu estivesse a fazer poesia



José Miguel Júdice


In Público

1 comentário:

Anónimo disse...

- a frase (ou a evocação) do dia:
«Um fraco rei faz fraca a forte gente. Imagine-se então o que uma rainha pouco motivada faz de gente que nem é forte.»

(...) a seguir ao hardware 'Magalhães', c/ direito a laudas orquestradas por 'tias' da intel(outsiders), só nos falta um 'Camões' software, para animar (um pouco ;) a malta, pois então!