O grande espaço foi crescendo em prosperidade económica e em liberdade. Os servidores também cresceram em número e em benesses e passaram a preocupar-se cada vez mais com eles próprios: ganharam poder, isolaram-se dos cidadãos e passaram a dedicar grande parte dos meios e energias a garantir a sua própria influência e a desenhar um projecto de poder político. Legislaram contra a natureza das coisas e apesar delas. Preocuparam-se em controlar, em condicionar, em nome de estranhas políticas que diziam necessárias aos povos, embora muitos não as compreendessem.
O mercado foi empobrecendo e as liberdades foram sendo questionadas. Já ninguém entendia o porquê de tanta regra e vigilância. Mas os servidores continuaram a criar regras, exerciam o poder e tentaram impor um projecto político chamado Constituição Europeia, ao qual não faltava sequer o elogio em boca própria. Os cidadãos deram sinais de desconforto.
Então os servidores – alguns já não eram servidores – deram ao projecto outro nome (por acaso até o de uma Cidade linda) e resumiram-no, dizendo tratar-se de outra coisa e que por isso já não precisavam de ouvir os povos. Povos e países inquietaram-se: ao fim e ao cabo a agilização do funcionamento da União Europeia não é um fim em si mesmo, mas um meio para alcançar o bem-estar dos povos.
A Irlanda, um país que conquistou a sua independência com muito sangue, suor e lágrimas, percebeu muito bem o que estava em causa com a Constituição rebaptizada de Tratado. Disse não.
Os povos, onde puderam votar, onde se puderam exprimir – sobre a versão original ou sobre a versão revista do projecto político – primeiro na Holanda e na França, agora na Irlanda, disseram não.
Então os servidores – alguns já não eram servidores – revelaram-se: onde fosse possível o povo não votar, não votava e onde votasse era preciso repetir as votações até que o resultado fosse sim. Se o resultado continuasse a ser não, pois expulsava-se.
Os servidores tornados vigilantes querem o seu projecto político eurocrata.
Mas o projecto da eurocracia vigilante não é o nosso: falta-lhe a marca imaterial da Democracia.
Paula Texeira da Cruz
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