A esquerda não possui ideias de seu porque deixou de ler, de estudar, de reflectir, de analisar. Ajeitou o pretenso discurso a essa anomalia política, designada por "pragmatismo", e impôs a sua definição de democracia ao funcionamento dominante do capitalismo.
A direita, que é forjada nos aparelhos ideológicos de escolas e de universidades, não despreza as ideias, apenas não precisa delas, porque dispõe de veículos privilegiados, como, por exemplo, a cultura, as artes e os media para a transmissão das suas heranças de poder. As omissões e os esquecimentos deliberados, a rasura de nomes, a preeminência de autores "neutrais" sobre outros, inscrevem-se nesse quadro.
Há mais de 40 anos que a esquerda tem como garantia insensata a solidez da democracia. Maio de 68 abalou a convicção, pondo em causa o "estado de paz" e o capitalismo no seu próprio excesso. A perplexidade, não só na sociedade em geral, mas no interior do Partido Comunista Francês, incapaz de encontrar respostas fora das contidas na cartilha, conduziu a um modelo operatório que o sentenciou. Alberto Morávia, num livro importante, Diário Europeu, afirmou, então, que os partidos comunistas ficariam reduzidos a uma espécie de "travão social", cada vez mais com maiores dificuldades. A atitude interrogatória evaporou-se com a hegemonia do pensamento único. Com uma esquerda assim, a direita não precisa de ideias.
A complexidade dos acontecimentos mundiais, a derrocada do comunismo e a deterioração do socialismo abriram caminho à doutrina "liberal", assente no mais nefasto retrocesso histórico de que há memória. Porém, no que parece a força inexpugnável do "mercado" e do que lhe subjaz, consiste, também, a sua fragilidade. O Estado português arquejou de pavor. Bastou que um movimento "inorgânico" juntasse os elos. Uma vez mais, Sócrates não percebeu os sinais. E a esquerda, no geral, também não. Mas algo de novo abalou o esquema.
Baptista-Bastos
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